Mineração sem consulta e sem vergonha: é o projeto Castelo dos Sonhos, no Pará

O Ministério Público Federal (MPF) acionou a Justiça Federal para tentar barrar imediatamente o avanço do projeto de mineração de ouro “Castelo de Sonhos”, no município de Altamira, sudoeste do Pará. A Ação Civil Pública foi protocolada no último dia 30 de julho e aponta uma série de irregularidades no processo de licenciamento ambiental, além de graves riscos aos povos indígenas Kayapó e ao ecossistema da região.

O alvo do MPF é a Licença Prévia nº 2016/2024, concedida em agosto do ano passado pela Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas) à empresa Mineração Castelo dos Sonhos – subsidiária da Tristar Mineração do Brasil. Para o MPF, o documento deve ser imediatamente anulado, pois foi emitido sem atender a requisitos legais e constitucionais fundamentais, como a realização da Consulta Prévia, Livre e Informada (CPLI) às comunidades afetadas e a elaboração do Estudo de Componente Indígena (ECI), ambos obrigatórios pela Convenção nº 169 da OIT, ratificada pelo Brasil.

A procuradora da República Thaís Medeiros da Costa sustenta que o empreendimento ameaça diretamente o modo de vida dos Kayapó das Terras Indígenas Baú e Menkragnoti. Além da ausência de consulta, ela aponta omissões críticas no Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), elaborado pela mineradora e aprovado pelo órgão ambiental estadual. As investigações do MPF começaram em 2018 e incluíram sobrevoos na região, que já indicavam sinais de contaminação hídrica provocada por garimpos ilegais.

Entre os pontos mais críticos denunciados pelo MPF estão:

Violação de direitos indígenas: o povo Kayapó sequer foi ouvido sobre o projeto, e o Estudo de Componente Indígena – documento obrigatório nesse tipo de empreendimento – nunca foi produzido. A Semas não exigiu sua elaboração, ignorando possíveis impactos diretos e indiretos.

Barragem de rejeitos de alto risco: o projeto prevê a construção de uma barragem de 26 metros de altura, com capacidade para 53 milhões de metros cúbicos de rejeitos, considerada de alto dano potencial. A estrutura ficaria a menos de 28 km do Rio Curuá, essencial para a subsistência e cultura dos Kayapó.

Ameaça ao Rio Curuá: o rio banha três das quatro aldeias da TI Baú e já sofre com poluição causada por garimpos ilegais. O MPF alerta para a possibilidade de contaminação por metais pesados e cianeto – substância usada no beneficiamento de ouro –, em função da ausência de medidas preventivas adequadas no EIA.

Risco ao patrimônio ancestral: o terreno do projeto abriga sítios arqueológicos e locais sagrados para os Kayapó, como cemitérios tradicionais e uma área com grande acervo cerâmico a apenas 6,5 km do empreendimento.

Estudos deficientes: os técnicos do MPF também identificaram falhas no plano de contingência em caso de rompimento da barragem, falta de clareza na classificação dos rejeitos e omissão quanto ao controle de emissões atmosféricas.

A Semas e a empresa alegam que não houve necessidade de consulta indígena, com base na Portaria Interministerial nº 60/2015, que desobriga o ECI para empreendimentos localizados a mais de 10 km de terras indígenas. Como o projeto está a cerca de 25 a 27 km das TIs Baú e Menkragnoti (em linha reta), sustentam que a exigência não se aplica ao caso.

O MPF, no entanto, contesta duramente essa interpretação. Para o órgão, a distância em linha reta não é suficiente para medir os impactos, especialmente em empreendimentos de grande porte que afetam bacias hidrográficas. A ação cita jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) e argumenta que a análise deve levar em conta o princípio da precaução.

“A perspectiva indígena […] não se restringe a limites geográficos impostos por regulamentações existentes, eis que a terra, os rios, a fauna e a flora são elementos interconectados e essenciais para sua cultura, subsistência e cosmovisão”, escreveu a procuradora Thaís Medeiros da Costa na petição.

O MPF pede que a Justiça Federal:

anule a Licença Prévia nº 2016/2024;

suspenda todo o processo de licenciamento até sua regularização;

proíba qualquer atividade da mineradora na área;

determine a realização da CPLI com o povo Kayapó e a elaboração do ECI;

e fixe multa diária de R$ 10 mil em caso de descumprimento das ordens.

Em tom enfático, a ação do MPF conclui com uma citação do escritor quilombola Antônio Bispo dos Santos, sobre a resistência dos povos tradicionais:

“Mesmo que queimem a escrita, não queimam a oralidade, mesmo que queimem os símbolos, não queimam os significados, mesmo que queimem os corpos, não queimam a ancestralidade.”

Decisão judicial adiada

No entanto, o pedido de liminar do MPF ainda não foi apreciado. Em decisão assinada no dia 1º de agosto, o juiz federal Alexsander Kaim Kamphorst optou por ouvir primeiro os envolvidos no processo. Determinou a citação da Semas e da mineradora, além da intimação da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), para que apresentem suas manifestações antes que qualquer medida de urgência seja tomada.

A ação tramita na 1ª Vara Federal de Altamira sob o número 1001921-48.2025.4.01.3908. O caso promete acender novos debates sobre os limites do desenvolvimento econômico diante dos direitos dos povos originários e da preservação ambiental na Amazônia.

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