Ações orquestradas e a “lógica de mercado” escondem o silêncio dos ricos que não querem pagar a conta climática, preferindo desqualificar Belém a investir na sustentabilidade real da região
Belém, Brasília, Santa Catarina – Produzido peloPortal Ver-o-Fato, o programa semanal Linha de Tiro, promoveu na quinta-feira (7), uma mesa redonda com o professor, sociólogo e doutor em Ciências Socioambientais,Manuel Alves da Silva, da Universidade Federal do Pará (UFPA), que examinou a ofensiva orquestrada por setores econômicos, políticos e da imprensa nacional e internacional, colocando em xeque a capacidade de Belém do Pará, na Amazônia brasileira, de sediar, em novembro, a COP 30, a conferência climática da ONU (veja a íntegra do programa aqui).
Participaram do programa, mediados pelo editor-chefe do Ver-o-Fato, Carlos Mendes, os jornalistas Jorge Reis, direto de Santa Catarina; Emanuel Vilaça, Belém; e Val-André Mutran, de Brasília.
O professor-doutor, Manuel Alves da Silva, é o autor do artigo “Querem ‘salvar’, mas não querem passar uma semana na Amazônia”, publicado (aqui) no Ver-o-Fato,
cuja enorme repercussão pautou a realização do programa transmitido ao vivo pelas redes sociais do portal.
Numa conversa franca, Alves da Silva analisou a importância da escolha de Belém, no coração da Amazônia brasileira, para sediar a 30ª Conferência das Partes (COP30) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, agendada para 10 a 21 de novembro, que desencadeou uma polarizada discussão que transcende a questão ambiental, expondo complexas camadas de interesses políticos, econômicos e sociais. O debate, muitas vezes orquestrado pela mídia nacional e internacional, coloca em xeque a capacidade da cidade de hospedar um evento de tal envergadura, mas também revela preconceitos e estratégias geopolíticas.
A decisão de trazer a COP30 para Belém foi celebrada como um reconhecimento do protagonismo brasileiro na agenda climática e uma oportunidade ímpar para a Amazônia demonstrar sua realidade e contribuir para soluções globais. No entanto, essa escolha rapidamente se tornou alvo de uma campanha de desqualificação.
Diversos atores entraram em cena: de um lado, defensores da Amazônia e da capacidade de Belém, representados por figuras como o professor e sociólogo Manuel Alves da Silva e jornalistas locais; de outro, setores da imprensa ocidental e nacional, e até mesmo líderes estrangeiros, que levantam dúvidas e propõem a transferência do evento, em razão de suposta deficiência logística da cidade, e preços exorbitantes de diárias em hotéis, e imóveis colocados para aluguel no período da COP.
Foi discutido o papel dos principais atores políticos e sociais envolvidos com interesses diversos no evento:
Defensores de Belém e da Amazônia: O governo do Pará, o governo federal (com o presidente defendendo um “modelo Amazônia” para a COP), intelectuais, acadêmicos e setores da sociedade civil local que veem o evento como uma chance de visibilidade e de debater as questões socioambientais e econômicas da região sob sua própria ótica.
Eles defendem o Estado do Pará e a oportunidade de “sediar um evento de envergadura internacional, mundial, que vai colocar e já está colocando Belém, no centro da mídia mundial”, destacou Manuel Alves.
Há os críticos e propagadores da narrativa de inviabilidade:
Grandes veículos de mídia nacional (como os jornais O Globo e Folha de São Paulo) e internacional (The New York Times, The Guardian, Wall Street Journal, The Economist), que publicam reportagens e editoriais questionando a infraestrutura de Belém e os custos de hospedagem.
O presidente da Áustria, Alexander van der Bellen, foi o primeiro a alegar inviabilidade por “falta de orçamento”, mesmo com a COP definida com anos de antecedência. A motivação, segundo os debatedores, parece ser uma “ação orquestrada” e uma “estratégia geoeconômica” para “ocultar o interesse político”.
O contexto remete a outros momentos de grandes mobilizações e debates no Brasil, onde a legitimidade das reivindicações e a resposta institucional são cruciais. Os protestos de 2013, por exemplo, inicialmente focados em tarifas de transporte, escalaram para demandas por serviços públicos e reformas políticas, evidenciando uma “percepção crescente de desconexão entre a classe política e a população”. Embora o cenário da COP30 não seja de protestos de rua, a dinâmica de insatisfação e a busca por mudanças estruturais ressoam, com a Amazônia sendo o palco de uma disputa narrativa.
Análise das reivindicações e demandas: do discurso técnico ao preconceito velado
As “reivindicações” e “demandas” neste contexto da COP30 não emanam de manifestantes em vias públicas, mas sim das críticas veiculadas por setores da mídia e figuras internacionais que se opõem à realização do evento em Belém, bem como das contra-argumentações dos defensores locais.
A principal crítica gira em torno da suposta falta de estrutura de Belém para comportar 50 mil pessoas, com foco em saneamento, mobilidade, e, sobretudo, a capacidade hoteleira. Editorial do Jornal O Globo, por exemplo, afirma que “Belém não terá condições de hospedar de modo satisfatório a Conferência do Clima COP30” e que “o custo proibitivo reflete a escassez de acomodação para todos os participantes”. Chegou-se a citar diárias exorbitantes, como um hotel na 1º de Março cobrando “quase R$ 7 mil reais” ou quartos simples em Belém com valores entre R$ 28.700 e R$ 85.000, superando até mesmo hotéis de luxo em São Paulo e Rio de Janeiro.
Orçamento
Questões orçamentárias emergem como justificativa para possível ausência do evento. A alegação de “falta de orçamento” por parte de países ricos, como a Áustria, para participação na COP em Belém também é levantada como um obstáculo, sugerindo que a cidade seria cara ou inacessível.
Contra-argumentações e defesas
Os defensores da COP30 em Belém categorizam as críticas como parte de uma “ação orquestrada” com “interesses políticos” e “estratégia geoeconômica” ocultos sob um “discurso técnico”.
Xenofobia explícita e discriminação descarada
O professor Manuel Alves argumenta que as críticas são “discurso preconceituoso”, “discurso de discriminação” e uma forma de “xenofobia” contra a Amazônia e suas cidades. A percepção de que “aqui só tem jacaré” é um exemplo de tal preconceito. A crítica à infraestrutura seria uma “intolerância com a pobreza e com a miséria”, com a busca por uma “higienização social” que impede o contato com a realidade da cidade. A intenção seria “tirar a Amazônia da pauta” se ela não se adequar a um modelo “limpinho, tudo higienizado”. Desta-se também, no artigo de sua autoria a afirmação a frase: “Tornar visível o que historicamente foi invisibilizado”, num resumo irretocável e que chama à responsabilidade, quem quer se recusar a pagar a conta climática, como se nada tivesse a haver com isso.

Modelo “COP Amazônia” vs. “COP Dubai”
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) defendeu que a COP em Belém seria um “modelo Amazônia” e “não é uma COP modelo Dubai”, o que significa que não foram prometidos “hotel cinco estrelas” aos participantes. Os preços especulativos de hospedagem são rebatidos com a lógica de mercado (“ninguém vai, ninguém compra”) e a informação de que os preços já caíram drasticamente (de 500 mil para 150-200 mil por grandes propriedades; de 600-700 mil para 150-200 mil por apartamentos de três quartos), desmascarando a narrativa inicial.
A campanha contra Belém é interpretada como uma forma de evitar que os países ricos sejam “cobrados” a investir na Amazônia. Manuel Alves argumenta que, no cerne da questão, está a relutância em “pagar a conta” da sustentabilidade e reflorestamento. Ele questiona a contribuição de grandes centros urbanos (Tóquio, Nova Iorque, Paris) para a emissão de carbono per capita, em contraste com a Amazônia, e aponta a hipocrisia de nações que condenam combustíveis fósseis enquanto suas próprias empresas exploram grandes reservas de petróleo.
Há um “forte lobby por trás” de interesses comerciais e novas tecnologias, onde a ecologia é secundária ao negócio, elencou o professor-doutor.
A “farsa” da mídia, acusada de “má-fé” ao focar em esgotos a céu aberto e outras deficiências, desvirtuando o propósito da COP30. O editorial do Jornal O Globo é classificado como “canalha” por sua proposta de transferir grande parte dos eventos para o Rio de Janeiro, evidenciando um “alinhamento editorial similar” entre grandes veículos, que parece ser uma “ação orquestrada” e “planejada”.
As respostas dos governos e instituições à polêmica da COP30 em Belém têm sido multifacetadas, envolvendo desde esforços proativos até omissões notáveis e medidas de segurança.
O governo do estado tem realizado um “esforço hercúleo” para garantir a realização da COP, com o governador e ministros defendendo a cidade e suas capacidades. O presidente da república, por sua vez, reforçou a ideia de uma “COP modelo Amazônia”, que reflete a realidade local, não a opulência de Dubai. Medidas como a convocação do Ministro do Turismo a Belém para garantir a infraestrutura também foram observadas.
Mobilização inédita para segurança
Para conter as preocupações com a segurança, haverá uma robusta mobilização das Forças Armadas e forças policiais. Serão cerca de “12 mil homens das Forças Armadas” (Marinha, Exército, Aeronáutica), além de “1.250 policiais federais” e “1.300 policiais rodoviários federais”, totalizando um “maior contingente de militares” fora de um período de guerra. Essa força tem como objetivo “proteger as autoridades” e garantir a tranquilidade do evento.
Questão tributária na hospedagem
O debate revelou que o governo federal não abriu mão de cobrar “27,5% do imposto de renda” dos donos de imóveis alugados para a COP30. Somando com 40% para imobiliárias e 10% para plataformas internacionais, o proprietário pode ficar com apenas “entre 45 e 50 mil” de um aluguel de 100 mil reais, evidenciando uma alta carga tributária que, para os críticos, não ajuda a atrair ofertas de hospedagem a preços razoáveis, mas, para os defensores, mostra que o governo não cedeu a pressões especulativas.
Omissão da elite local
Um ponto crítico levantado é o “silêncio sepulcral” de parte da elite política, acadêmica e econômica da região frente aos ataques. Questiona-se a ausência de posicionamento de universidades (como a UFPA, UNAMA, UEPA), do parlamento amazônico, do consórcio de governadores da Amazônia, do fórum de reitores da Amazônia e das federações empresariais (Fiepa, Fecomércio, Faepa). Essa omissão é vista como uma “falta de experiência” ou uma falta de proatividade em “criar uma cultura da proposição” e defender os interesses da região.
Reações dos críticos à resposta governamental
Apesar dos esforços, a mídia crítica mantém a pressão. O editorial do Globo reforça a ideia de uma “crise instalada” e menciona que “delegações estrangeiras já fizeram uma reunião de emergência exigindo mudança da sede”. A sugestão de uma “operação de guerra para preparar a base carioca” para receber os eventos da COP30 reflete a intensidade da campanha para desqualificar Belém.
Uma reunião convocada para o dia 12 de agosto volta a reunir todos os atores da cúpula da COP30.
Conclusões
O debate em torno da COP30 em Belém e as campanhas midiáticas associadas têm tido impactos significativos em diversas esferas, revelando as profundas interconexões entre a questão ambiental e as realidades socioeconômicas da Amazônia.
A campanha negativa na mídia visa depreciar a imagem de Belém e, por extensão, da Amazônia urbana. Ao focar em problemas como saneamento e criminalidade, busca-se criar uma “narrativa” que desqualifica a cidade, insinuando que ela não merece sediar um evento internacional. Isso gera um impacto social ao reforçar estereótipos e preconceitos (“aqui só tem jacaré”, “não querem pisar na Amazônia”), e ao tentar tirar a dignidade dos povos locais. No entanto, o contra-ataque visa mostrar a “realidade, a verdade dos fatos e desmontando mitos e mentiras”.
A especulação inicial nos preços de hospedagem, embora desmentida pela posterior queda nos valores, causou um impacto negativo na percepção econômica da COP30. A discussão sobre a alta tributação dos aluguéis para a COP30 revela a complexidade da cadeia econômica e a necessidade de políticas que incentivem a oferta de serviços. O debate expôs a lógica de mercado versus a realidade de um evento com propósito socioambiental.
Politicamente, a controvérsia forçou um debate sobre o papel da Amazônia no cenário global e a capacidade de seus líderes em defendê-la. A crítica à “omissão” de parte da elite política e acadêmica da região visa estimular uma maior “proatividade” e “proposição” por parte desses atores. A discussão também ressaltou a importância de integrar as “pautas dos trabalhadores” e das comunidades locais (mulheres trabalhadoras rurais, agricultura familiar, povos indígenas e quilombolas) na agenda da COP, enfatizando que a sustentabilidade não se limita a métricas de carbono, mas abrange “desigualdades sociais e racismo ambiental”.
O objetivo é que a COP30 não seja apenas um evento para “ricos”, mas que garanta a “presença dos países mais pobres” e debata a pobreza na Amazônia como um fator crucial para a questão climática.
A discussão da COP30 em Belém ampliou o questionamento sobre a “responsabilidade” dos países ricos na crise climática. Manuel Alves defende que “os países ricos paguem a conta” da insustentabilidade e que a Amazônia, com sua “bioeconomia” e potencial de reflorestamento, é parte da “solução”, não do “problema”. A conferência é vista como uma oportunidade de cobrar esses países sobre “quanto é que tu vais entrar pra ajudar na nossa cadeia produtiva do cacau?” ou para “reflorestar a Amazônia”, algo que, segundo o entrevistado, os “ricos não querem dar dinheiro” e, por isso, “estão inventando desculpa” para não vir.
Em resumo, a controvérsia da COP30 em Belém transcende as questões de infraestrutura e revela uma profunda disputa de narrativas sobre a Amazônia, seus povos, seus recursos e seu papel no futuro do planeta. É um chamado para que o debate climático incorpore a justiça socioambiental e a realidade das populações locais, indo além dos interesses puramente econômicos e políticos.
Reportagem: Val-André Mutran é repórter especial para o Portal Ver-o-Fato e está sediado em Brasília.
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