Câmara retoma votações uma semana após motim

Pauta da oposição fica temporariamente de fora e PL entra em obstrução

Brasília – Uma semana após a ocupação da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados que paralisou a retomada dos trabalhos após o fim do recesso do meio do ano, o Colégio de Líderes definiu a pauta geral do 2º semestre. Por decisão do presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), projetos como o fim do foro privilegiado e a anistia aos atos de 8 de janeiro de 2023, reivindicado pelos partidos da oposição ficaram, pelo menos por enquanto, fora da pauta. Com isso, o PL anunciou obstrução às votações. Adicionalmente, 14 deputados podem ser punidos por excessos cometidos durante os processos.Mais tarde, sob esse clima,foi aberta a sessão deliberativa extraordinária de terça-feira (12), marcada por intensos debates e trocas de acusações entre os blocos governista e de oposição. Foram aprovados uma série de requerimentos de urgência e um projeto de lei. A pauta, que mesclou temas sociais sensíveis como a exploração infantil digital e pautas econômicas, refletiu as profundas divergências políticas que persistem na Casa, especialmente em torno do papel do Supremo Tribunal Federal (STF), da anistia e da regulamentação das redes sociais.

A sessão teve início às 14h00, sob a presidência do deputado Charles Fernandes (PSD-BA), com a dispensa da leitura da ata da sessão anterior e a abertura para breves comunicações. As falas iniciais já sinalizaram o tom polarizado que percorreria todo o dia.

Debates iniciais
A questão da exploração sexual de crianças e adolescentes nas redes sociais ganhou destaque logo no início. O deputado delegado Paulo Bilynskyj (PL-SP) trouxe à tona a CPI da Ilha de Marajó, de sua autoria, protocolada em março de 2024, questionando sua paralisação. Ele criticou a “inação” da Câmara e associou a “esquerda” à defesa de pautas que, segundo ele, prejudicam a família e o país, citando a participação de crianças em paradas LGBTQIAP+ e em exibições com “homem nu”. Bilynskyj ainda mencionou a aprovação, na Casa, de aumento de pena para pedófilos e castração química, vetados pelo presidente Lula (PT), e defendeu que “todo esforço para combater o crime é freado pela esquerda” e que eles “vão vir com o discurso: ‘Precisamos regular as redes sociais. Precisamos impor censura’”.

A discussão sobre a liberdade de expressão e o papel do STF escalou com a fala do deputado pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ), que pediu a cassação do mandato de Eduardo Bolsonaro por “fazer lobby contra a soberania nacional” nos Estados Unidos e “cometer crime de lesa-pátria”, recebendo salário público enquanto ausente e “propagando fake news”, a partir do exterior.

O deputado Carlos Jordy (PL-RJ) defendeu a “ocupação” das mesas da Câmara e do Senado na semana anterior como forma de reivindicar a pauta da anistia, “para fazer justiça a todas aquelas pessoas que foram injustiçadas pelo Supremo Tribunal Federal, na figura de Alexandre Moraes”. Ele alegou que um ex-assessor do ministro revelou a falsificação de provas contra pessoas envolvidas no 8 de janeiro, defendendo a “anulação completa do processo” e o impeachment de Moraes, a quem chamou de “violador dos direitos humanos, um criminoso”. Jordy criticou a “chantagem” de ministros do STF contra parlamentares e a não votação do fim do foro de prerrogativa de função, que ele defendeu como urgente.

Economia e clima no centro do debate
O cenário econômico nacional foi abordado pelo deputado delegado Marcelo Freitas (UNIÃO-MG), que classificou o Governo como “perdulário” e “irresponsável”, apontando o aumento da carga tributária e a tarifação imposta pelos Estados Unidos como consequências do “excesso de fala, da verborragia do Presidente da República”. Ele propôs cortes em incentivos fiscais, utilização de bens apreendidos e corte linear de gastos nos três Poderes. O deputado coronel Assis (UNIÃO-MT) corroborou as críticas econômicas, mencionando o cancelamento de uma reunião entre o Ministro da Fazenda e o Secretário do Tesouro americano e o descontrole da dívida pública, que “chega a quase 7,88 trilhões de reais”. Ele citou o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, afirmando que “programas sociais dificultam a redução da inflação no Brasil”.

O deputado Pedro Uczai (PT-SC) rebateu as críticas, acusando a oposição de ser “a favor das classes dominantes, dos bilionários, das bets e dos banqueiros” e de tentar um golpe contra a democracia. Ele defendeu a isenção de Imposto de Renda para quem ganha até 5 mil reais e elogiou o presidente Lula por abrir novos mercados, sem citar quais seriam esses mercados.

Reunião do Colégio de Líderes na terça-feira (12). Foto: Marina Ramos/ Ag. Câmara

Projeto de lei em votação
Ao longo da sessão, foram apreciados e aprovados diversos requerimentos de urgência, refletindo a agenda legislativa da Casa:
PL 2.664, de 2003 (Concursos Públicos): O projeto, que estabelece períodos para realização de concursos e exames vestibulares, preservando o sábado para liberdade religiosa e permitindo adiamento em casos de calamidade, foi aprovado com 397 votos “Sim” e 9 votos “Não”. A discussão destacou o respeito à diversidade religiosa e a segurança jurídica.

Requerimento de Urgência nº 2.780, de 2025 (Carteira Nacional de Docente no Brasil – CNDB): O projeto que autoriza a criação de um documento de identificação para professores, visando valorizar a categoria e facilitar o acesso a benefícios, foi aprovado com 384 votos “Sim” e 13 votos “Não”.

Requerimento de Urgência nº 4.624, de 2024 (Cooperativas Solares): A proposição, que busca incluir cooperativas solares entre as entidades elegíveis para garantia de risco às operações de crédito do Fundo de Garantia de Operações (FGO), foi aprovada por ampla maioria, com 371 votos “Sim” e 49 votos “Não”. A discussão enfatizou a importância do acesso ao crédito para energias limpas.

Requerimento de Urgência nº 2.439, de 2025 (ISS sobre serviços de guincho, guindaste e içamento): Este requerimento, que visa explicitar que o Imposto Sobre Serviço (ISS) incidente sobre esses serviços é devido no local da execução da obra, foi aprovado simbolicamente.

Requerimento de Urgência nº 2.776, de 2025 (Alteração do Código Penal Militar): Propondo a tipificação do assédio sexual no Código Penal Militar para garantir atendimento humanizado e suporte às vítimas, o requerimento foi aprovado com 431 votos “Sim”. A matéria obteve apoio transversal das bancadas.

Requerimento de Urgência nº 3.205, de 2025 (Mensagem sobre COP 30): O requerimento para submeter à consideração do Congresso Nacional o texto de acordo para a 30ª Sessão da Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30), a ser sediada no Brasil, foi aprovado com 323 votos “Sim” e 123 votos “Não”. A oposição criticou os gastos e a desorganização, enquanto o governo defendeu a importância do evento para o reconhecimento internacional do Brasil.

Projeto de Lei nº 1.856, de 2025 (Viaduto Papa Francisco): O projeto que denomina “Viaduto Papa Francisco” o viaduto rodoviário localizado no Km 2,3 da rodovia BR-488, em Aparecida (SP), foi aprovado com 424 votos “Sim” e 4 votos “Não”, após a rejeição de um requerimento de adiamento da votação por 385 votos “Não” e 61 votos “Sim”. A homenagem ao Papa Francisco foi amplamente defendida, apesar das tentativas de obstrução da oposição para pautar outros temas.

Debates acalorados
A sessão foi permeada por temas recorrentes que evidenciaram a polarização política. A atuação do STF e do Ministro Alexandre de Moraes foi alvo constante de críticas da oposição, que o acusou de “abusos” e “chantagem”, enquanto parlamentares da base governista defenderam a legitimidade das decisões judiciais e a necessidade de proteger a democracia. A questão da “anistia” para os envolvidos nos eventos de 8 de janeiro foi uma bandeira constante da oposição, que a via como uma prioridade a ser votada, enquanto o governo a rejeitava veementemente, classificando-a como “impunidade”.

A “regulação das redes sociais” também foi um ponto de intensa controvérsia. Após a repercussão do caso “Felca”, deputados de diversas bancadas defenderam a urgência de uma legislação para proteger crianças e adolescentes. No entanto, a discussão rapidamente se dividiu entre a necessidade de “censura” (criticada pela oposição) e a defesa de “regulamentação” (defendida pelo governo e parte da bancada feminina) para responsabilizar plataformas e combater a exploração.

A sessão deliberativa extraordinária demonstrou a capacidade da Câmara dos Deputados de avançar na pauta legislativa, aprovando matérias diversas, desde questões de infraestrutura e homenagens a figuras religiosas até temas sensíveis como a proteção militar contra assédio e o financiamento de energias limpas. No entanto, o dia de trabalhos também sublinhou a persistente e profunda polarização entre as forças políticas no Brasil. Os debates acalorados sobre o Judiciário, a anistia e a regulamentação das redes sociais, embora permitindo a deliberação, revelaram as fissuras que continuam a moldar o cenário político nacional, com cada lado acusando o outro de deturpar fatos e prejudicar o país em busca de interesses políticos. A “obstrução regimental” tornou-se um palco para a continuidade dessas disputas, evidenciando que a Casa, mesmo tentando caminhar na trilha da produtividade, segue dividida em suas visões de país e prioridades.

Reportagem: Val-André Mutran é repórter especial para o Portal Ver-o-Fato e está sediado em Brasília.

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