Desde março passado, porém, ela não consegue ser citada por oficial de justiça por se encontrar em “endereço não sabido”. E o MP, o que diz?
Mesmo respondendo a uma série de processos por improbidade administrativa, danos ao erário, peculato, fraude em licitação, lavagem de dinheiro e organização criminosa, Cíntia Teixeira ocupa a diretoria de Previdência do Instituto de Gestão Previdenciária do Estado do Pará (Igepps), antigo Iasep. Ela foi nomeada em 26 de março deste ano, de acordo com publicação no Diário Oficial.
O padrinho dessa indicação teria sido o atual presidente do órgão, Washington Costa de Albuquerque, conhecido como Nenê Albuquerque, ex-vereador e pré-candidato a deputado estadual em 2026.
Cintia, de acordo com documentos obtidos pelo Ver-o-Fato, era diretora do Departamento de Administração e Serviço da Secretaria de Saúde do Pará (Sespa), em 2020, quando a PF realizou buscas e apreensões contra ela e outros envolvidos nas investigações sobre a compra de respiradores durante a pandemia de covid-19.
As investigações da Polícia Federal e do Ministério Público do Pará, por meio do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), apontam que, em 2020, durante a crise sanitária da Covid-19, licitações da Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sespa) foram manipuladas para favorecer fornecedores específicos, com sobrepreço e divisão de lucros.
Em depoimento prestado à Polícia Federal em 27 de agosto de 2020, a então diretora da Sespa admitiu que houve montagem de documentos com datas retroativas em licitações, como no caso da compra de bombas de infusão (Dispensa nº 2020/257432).
Cíntia declarou que “todos os processos passavam pelo seu conhecimento” e que todos precisavam da aprovação de seu chefe imediato, Peter Cassol, então secretário adjunto de Gestão Administrativa, responsável por autorizar os empenhos. Ela ainda afirmou que “todos [os processos] passavam pelo secretário de Saúde”, ( Alberto Beltrame) para ratificação ou autorização do prosseguimento junto à Comissão Permanente de Licitação (CPL).
A ex-diretora também confessou ter solicitado a confecção de um documento com data retroativa relacionado ao hospital de campanha, ciente de que se tratava de ato ilícito. Segundo disse, agiu por determinação de Cassol, o que, segundo os investigadores, reforça a atuação de uma estrutura hierárquica criminosa.
Parcerias e ilegalidades
As apurações indicam que havia contato e troca de informações com futuros fornecedores — inclusive por e-mail — para acertar previamente preços que seriam formalizados nas licitações, com sobrepreço e posterior divisão de lucros.
Outro depoimento, colhido em 29 de junho de 2020, reforça o quadro. Ana Lúcia, também investigada, então gerente de Compras da Sespa, relatou que Cíntia Teixeira lhe enviava e-mails com a relação das empresas que deveriam ser contratadas, para elaboração do Mapa de Cotação de Preços.
Ana Lúcia afirmou que chegou a receber de Cíntia o contato de um fornecedor para que fosse procurado diretamente. Peter Cassol também repassava dados e contatos de fornecedores à equipe de compras. Cassol, para quem não lembra, foi preso pela PF e na casa dele foi encontrado um cooler com mais de R$ 700 mil em espécie.
No dia 02/06/20, poucos dias antes de deflagrada a Operação “Para Bellum”, da Polícia Federal, Leonardo Maia, também diretor da Sespa, questiona Cintia sobre a necessidade de atualizar o preço das propostas para aquisição de EPIs, pois já haveria passado bastante tempo desde que fizeram isso pela primeira vez. Leonardo ainda combina com Cíntia qual o melhor valor a ser colocado na proposta, de modo a ser aprovado e contratado sem que chamasse atenção dos órgãos de controle.
A atual diretora do Igepps então orienta que seja enviada uma proposta com a data retroativa de 18/04. Durante as tratativas para direcionar o próximo chamamento da Sespa para aquisição de equipamentos de proteção individual, em benefício da empresa Levon, Cíntia orienta Leonardo a encaminhar proposta com data de 18/04/2020, consistindo em data retroativa.
Em outro processo, segundo a investigação contida na denúncia do Ministério Público do Estado à Justiça, a diretora é citada como a pessoa que “centralizou e assinou boa parte das movimentações processuais, que ocorreram durante a dispensa montada de licitações, todas unicamente no dia 24.03.2020, mesmo havendo visíveis elementos de ilicitude, tais como, a ausência de documentos da empresa contratada e até de sua proposta de preços colacionada aos autos. Ressalte-se que ela era a Diretora do Departamento de Administração e Serviços e, ainda, advogada, de modo que possuía conhecimento e formação jurídica para entender as graves ilicitudes que estavam sendo praticadas”.
Para a PF e o MPPA, esses elementos comprovam o direcionamento e a fraude em contratos públicos durante o enfrentamento da pandemia no Pará.
Endereço não sabido
O caso levanta sérias questões sobre os critérios adotados na escolha de ocupantes de cargos públicos sensíveis — especialmente num órgão que administra bilhões de reais em recursos previdenciários, como é o caso do Igepps. A nomeação de Cíntia se dá em meio a diversas acusações e fatos preocupantes.
Entre eles, o registro, por meio de certidões emitidas por oficiais de justiça, de que a ré encontra-se em “endereço não sabido”, mesmo exercendo uma função estratégica no governo estadual. A última certidão com essa constatação foi emitida em 25 de janeiro de 2025, poucos dias antes de sua nomeação. O MP deve tentar a nova intimação dela nos próximos dias.
No total, Cíntia responde às seguintes ações judiciais:
Por danos ao erário – Processo nº 0806334-55.2020.8.14.0000; Por peculato – Processo nº 0802379-79.2021.8.14.0001; Por organização criminosa – Processo nº 0810162-83.2025.8.14.0000; Por fraude em licitação e lavagem de dinheiro – Processo nº 0013216-27.2020.8.14.0401, referente a compra de EPIs durante a pandemia, objeto de ação penal movida pelo MPPA.
Com a palavra, a diretora e o presidente do Igepps
Cíntia Teixeira foi procurada pelo Ver-o-Fato para se manifestar sobre os processos e a nomeação para o órgão cuja função ocupa como diretora. O presidente do Igepps, Nenê Albuquerque, autor da indicação, também foi procurado. Mas ambos não retornaram aos pedidos de entrevista ou nota. O espaço continua aberto às manifestações.

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