O Brasil produziu mais um episódio que expõe, de forma escandalosa, como a burocracia e a desarticulação entre órgãos do sistema de Justiça podem gerar situações surreais — e trágicas. Otto Luiz Soares, de 42 anos, preso por crime de violência doméstica, foi brutalmente espancado dentro do Centro de Remanejamento do Sistema Prisional (Ceresp) Gameleira, em Belo Horizonte, e morreu ao meio-dia de ontem (13). Horas depois, às 18h08, a Justiça concedeu a ele um alvará de soltura.
O boletim de ocorrência aponta que Otto foi encontrado inconsciente por agentes penitenciários durante a troca de plantão, na galeria A do presídio, apresentando vários hematomas pelo corpo. Levado à enfermaria e depois entubado pelo SAMU, acabou encaminhado ao Hospital Odilon Behrens, mas não resistiu. A morte foi registrada cerca de seis horas antes de o documento de liberdade ser expedido.
O mais impressionante: a audiência de custódia foi realizada mesmo sem Otto estar presente. A ata registra que o juiz foi informado da hospitalização, mas, sem detalhes sobre o estado de saúde, prosseguiu com a sessão. A Defensoria Pública representou o preso, e o Ministério Público chegou a pedir liberdade provisória, que foi concedida pelo magistrado.
Na prática, a Justiça libertou um homem que já estava morto.
Ainda segundo o registro policial, Otto havia sido transferido para aquela cela na noite anterior, onde estavam outros 13 detentos. Nenhum deles assumiu participação na agressão, alegando que ele teria caído da rede e ingerido medicamentos controlados. O G1 procurou a Polícia Civil, que informou estar apurando o caso.
Caso grotesco
Eis o retrato cruel de um sistema que, muitas vezes, opera em piloto automático. Não há outro termo para descrever a sequência de eventos: um homem é espancado até a morte em um presídio; a Justiça é informada de que ele está hospitalizado; a audiência de custódia acontece sem a presença do réu, mas, mesmo assim, é concedida liberdade provisória — para um cadáver.
Não se trata apenas de um detalhe burocrático. É o sintoma de um Judiciário que, por excesso de formalismo e pela falta de comunicação entre órgãos, se torna incapaz de lidar com a realidade dos fatos. É como se o processo valesse mais que a vida, e a assinatura num papel tivesse mais peso do que o estado físico da pessoa a quem se refere.
Pior: tudo isso ocorre dentro do sistema prisional brasileiro, que já é historicamente marcado por violência, omissão e mortes que raramente têm culpados. O caso de Otto Luiz Soares não é uma mera “falha de procedimento” — é a prova de que, em certos momentos, a Justiça brasileira funciona como um teatro do absurdo, onde atos são cumpridos apenas para “fechar protocolo”, mesmo que a peça já não tenha protagonista.
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