Tipificação de assédio sexual no Código Penal Militar e voto eletrônico em clubes esportivos, foram temas secundários em meio a debates acalorados entre os congressistas
Brasília – Debates acaloradosmarcaram a sessão deliberativa da quarta-feira (14), aprovando apenas dois projetos de lei, dos seis previstos na pauta. Debates sobre a soberania nacional frente a tarifas estrangeiras e a proteção de crianças e adolescentes no ambiente digital dominaram os debates. A sessão, iniciada às 13h55 e encerrada às 21h24, contou com a presença de 111 deputadas e deputados, quórum considerado mínimo para manter a sessão de pé.
O que era uma impressão está se tornando verdade consolidada, uma vez que a constatação é que o ano legislativo ainda não começou, tal a diminuta produção da Câmara dos Deputados.
A pauta do dia foi dominada por discussões abrangentes, que variaram da segurança pública à economia, passando por questões sociais e regulatórias. Dois projetos de lei, em particular, alcançaram a aprovação final na Casa e seguirão para o Senado Federal: o Projeto de Lei nº 582, de 2015, que tipifica o assédio sexual no Código Penal Militar, e o Projeto de Lei nº 3.163, de 2023, que visa assegurar o voto eletrônico em processos eleitorais de organizações esportivas.
Debate sobre soberania nacional e “tarifaço” dos EUA
Um dos temas mais recorrentes e polarizados durante as Breves Comunicações que antecede a votação em Plenário, foi a reação do Brasil ao que diversos parlamentares chamaram de “tarifaço” imposto pelos Estados Unidos. O debate girou em torno das implicações econômicas e da postura diplomática do país.
O deputado Daniel Almeida (PCdoB-BA) saudou as medidas anunciadas pelo presidente Lula (PT) para enfrentar o bloqueio, mencionando um pacote de 30 bilhões de reais em crédito e a busca por alternativas comerciais. Ele afirmou que “o Brasil defende sua soberania, sua democracia, suas instituições, e busca alternativas, saídas para preservar a economia, os setores que são afetados por esse bloqueio econômico.”
A deputada Dandara (PT-MG) destacou que o “tarifaço” afetava diretamente Minas Gerais, com projeção de perdas de mais de 1 bilhão de reais na exportação de carne bovina. Ela elogiou o pacote de crédito do Governo Federal, reforçando que o Brasil não será “refém dos Estados Unidos.” Enquanto que a deputada Ana Pimentel (PT-MG) endossou a defesa do presidente Lula contra os ataques que “ferem a nossa autonomia, que ferem a nossa soberania.”
Em contraponto, o deputado Otoni de Paula (MDB-RJ) criticou o que chamou de “covardia do Governo Lula” por, segundo ele, usar a tragédia da pedofilia para “desviar o assunto” para a regulação de plataformas digitais, acusando a esquerda de hipocrisia por votar contra o aumento da pena para crimes hediondos. Ele defendeu que as redes sejam responsabilizadas por não inibir pedófilos, mas sem censura.
O deputado Zucco (PL-RS) atribuiu a culpa da taxação diretamente ao “Governo Lula,” que ele caracterizou como tendo “diplomacia zero” e não buscando diálogo com os Estados Unidos. Já o deputado Ivan Valente (PSOL-SP) elogiou o “Plano Brasil Soberano” de Lula, destacando a abertura de 30 bilhões de reais em crédito e criticando aqueles que apoiam a taxação, chamando-os de “capachismo” e “traição à pátria.”
Proteção infantil e regulação de redes sociais
OS blocos do governo e da oposição apresentaram nesta quinta-feira (14), na reunião do Colégio de Líderes, dentre mais de 32 opções, projetos que tratam da questão da proteção de crianças e adolescentes, especialmente no ambiente digital, que ganhou destaque após o vídeo do youtuber Felca ser mencionado por vários deputados.
O deputado Lucas Redecker (PSDB-RS) trouxe o tema da “adultização de crianças e adolescentes e a exploração sexual” à tona, mencionando projetos de lei de sua autoria desde 2019, como o PL nº 3.628, de 2020, que aumenta a pena para estupro de vulnerável e tipifica o estupro virtual.
O deputado Marx Beltrão (PP-AL) enfatizou a necessidade de uma legislação eficaz para combater a “adultização e a sexualização infantil na Internet,” propondo a responsabilização de indivíduos e plataformas.
O deputado Bacelar (PV-BA) ressaltou que o vídeo de Felca unificou o tema dos discursos na Casa sobre como “as redes sociais no Brasil roubam a infância,” mas expressou pessimismo sobre a regulamentação, citando que o PL 2.630 já havia sido “enterrado.”.
A deputada Duda Salabert (PDT-MG) informou a aprovação, na Comissão de Comunicação, de seu projeto de lei que regulamenta mini-influenciadores, exigindo autorização do poder público para monetização, proibindo conteúdo sexualizado, e garantindo que o dinheiro seja resgatado após a maioridade e o direito ao esquecimento.
Aprovação do PL 582/2015: Assédio Sexual no Código Penal Militar
A sessão culminou na aprovação do Projeto de Lei nº 582, de 2015, que acrescenta o art. 232-A ao Código Penal Militar (Decreto-Lei 1.001/1969), tipificando o assédio sexual. O projeto, relatado pela deputada Coronel Fernanda (PL-MT), foi amplamente debatido e recebeu apoio de diversas bancadas.
Inicialmente, houve um requerimento para a retirada do projeto de pauta, que o PL, após comunicação com a relatora, decidiu retirar a obstrução. O PT, por meio do deputado Helder Salomão, posicionou-se contra a retirada, considerando a matéria importante. O União Brasil e o Progressistas também votaram contra a retirada.
Na discussão, o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) saudou a iniciativa, afirmando que “a democracia se consolida com a igualdade radical de todos perante a lei,” e que a tipificação é crucial em um ambiente de hierarquia como o militar.
O deputado Pedro Aihara (PRD-MG), em discussão favorável, destacou que o assédio sexual é uma realidade “muito mais presente do que a gente imagina” nas corporações militares e que o projeto “dá condições para que as pessoas sejam responsabilizadas.”
O deputado Hildo Rocha (MDB-MA) citou um caso concreto no Maranhão onde a falta de legislação impediu a punição adequada.
A relatora, deputada Coronel Fernanda, apresentou uma subemenda substitutiva que, além da tipificação, assegura a militares vítimas de assédio sexual o direito a atendimento imediato e integral, acompanhamento psicológico, transferência funcional protetiva, acesso sigiloso à ouvidoria e medidas protetivas de urgência. Ela mencionou as contribuições de outros parlamentares, como Pedro Aihara e Talíria Petrone (PSOL-RJ).
A subemenda foi submetida a votação e aprovada, com a proposição inicial e as apensadas sendo prejudicadas. A redação final do Projeto de Lei nº 582, de 2015, também foi aprovada e a matéria seguirá para o Senado Federal.
Aprovação do PL 3.163/2023: Voto Eletrônico em Clubes Esportivos
Outro projeto que gerou debates e votações importantes foi o PL nº 3.163, de 2023, de autoria do deputado Bandeira de Mello (PSB-RJ), que visa determinar que os processos eleitorais das organizações esportivas assegurem votação não presencial, imune a fraudes.
Requerimentos para retirada de pauta e adiamento de discussão foram apresentados pelo PL e NOVO, mas foram rejeitados em ambas as votações. O requerimento de retirada de pauta foi rejeitado por 119 votos “sim” contra 295 votos “não”. O requerimento de adiamento de discussão foi rejeitado por 110 votos “sim” contra 294 votos “não.”
Os que apoiavam a medida, como a deputada Jack Rocha (PT-ES), argumentaram que o projeto é importante para “modernizar, principalmente, os processos eletivos no setor do esporte” e democratizar o acesso.
O deputado Duarte Jr. (PSB-MA) citou o exemplo do Flamengo, afirmando que a medida legitimaria o que já existe em muitos clubes.
Por outro lado, o deputado Luiz Lima (NOVO-RJ) expressou preocupação de que a medida, ao tornar “assegurada” a votação não presencial, poderia “inviabilizar a eleição num clube pequeno,” que talvez não tenha capacidade financeira ou organizacional para implementar sistemas imunes a fraudes.
O deputado Gilson Marques (NOVO-SC) criticou a “interferência pública no setor privado” e questionou se essa seria a prioridade do Parlamento.
Apesar da oposição, o Projeto de Lei nº 3.163, de 2023, foi aprovado, com sua redação final também aprovada, e seguirá para o Senado Federal.
Outros destaques da sessão
A sessão também abordou uma vasta gama de outros temas. A deputada Silvia Cristina (PP-RO) e o deputado Duarte Jr.defenderam a PEC 169/2019, que visa permitir que professores acumulem cargos públicos, porém, embora a matéria estivesse na pauta, sua votação foi adiada.
O deputado Alberto Fraga (PL-DF) e o colega Capitão Alden (PL-BA) mencionaram o PLP 42/2023, sobre aposentadoria especial para profissões de risco, com previsão de votação para o dia 27 de agosto.
A preocupação com a segurança pública foi expressa por deputados como Miguel Ângelo (PT-MG), que lamentou o assassinato de um gari em Belo Horizonte, e Roberto Monteiro Pai (PL-RJ), que destacou a violência no Rio de Janeiro, com mortes de policiais e falhas na saúde.
Questões regionais e setoriais também foram pautas. A deputada Fernanda Pessoa (UNIÃO-CE) alertou sobre os preços abusivos da logística para a COP30 em Belém, enquanto que nenhum dos 17 deputados da bancada paraense se manifestaram, num hiato que impressiona e preocupa.
O deputado Pauderney Avelino (UNIÃO-AM) denunciou a “taxa de pouca água” cobrada por armadores para Manaus e defendeu a pavimentação da BR-319.
A deputada Gisela Simona (UNIÃO-MT) criticou a decisão da Anatel de remover o prefixo 0303 para chamadas de telemarketing.
A sessão, portanto, demonstrou a ampla gama de preocupações e a intensa atividade legislativa e política da Câmara dos Deputados, noves fora a baixíssima aprovação de projetos.
Reportagem: Val-André Mutran é repórter especial para o Portal Ver-o-Fato e está sediado em Brasília.
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