Trump mira problemas de outros países enquanto crise de sem-teto bate recorde nos EUA

Número chegou a 771 mil em 2024, alta de 18% em um ano; governo prioriza medidas de remoção e internação compulsória, enquanto especialistas apontam crise estrutural de moradia

Por Sandra Venancio – Jornal Local – Foto Reprodução redes sociais

O número de pessoas em situação de rua nos Estados Unidos atingiu, em 2024, o maior patamar desde o início dos registros: 771.480 pessoas, segundo o Departamento de Moradia e Desenvolvimento Urbano (HUD). O dado expõe o contraste entre a maior economia do planeta, com PIB estimado em US$ 30 trilhões, e a incapacidade de enfrentar uma crise habitacional que cresce de forma generalizada.

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O aumento de 18% em relação a 2023 — que já havia registrado alta de 12% sobre 2022 — foi mais intenso entre famílias com filhos, com salto de cerca de 40%. Quase 150 mil menores de idade estavam sem moradia no início do ano.

Em resposta, o presidente Donald Trump anunciou uma nova ofensiva contra os sem-teto. Em publicação na rede TruthSocial no último domingo (10), afirmou que “os sem-teto precisam sair imediatamente” de Washington DC e prometeu deslocá-los “para longe da capital”. No dia seguinte, convocou a Guarda Nacional, assumiu o comando direto da polícia local e ordenou reforço nas patrulhas noturnas com agentes do FBI.

As ações seguem uma ordem executiva assinada em julho, que facilita a prisão de pessoas em situação de rua, prioriza verbas federais para estados e cidades que proíbam acampamentos e consumo de drogas em áreas públicas e permite a internação civil de indivíduos com doenças mentais graves.

A prefeita democrata de Washington DC, Muriel Bowser, classificou as medidas como “desconcertantes e improcedentes”, apontando que a criminalidade violenta na capital caiu em 2024 para o menor nível desde 2023. Organizações como a União Americana das Liberdades Civis (ACLU) e especialistas em saúde pública criticaram a criminalização da pobreza e a ampliação da vigilância.

Causas e impactos
De acordo com a Aliança Nacional para o Fim dos Sem-Teto e a Coalizão Nacional pela Moradia de Baixa Renda (NLIHC), o problema é estrutural. Faltam 7,1 milhões de unidades de moradia acessível para famílias de renda extremamente baixa, e apenas 35 imóveis estão disponíveis para cada 100 famílias elegíveis.

O relatório da NLIHC indica que um trabalhador com salário mínimo precisa trabalhar 104 horas por semana — o equivalente a 2,4 empregos em tempo integral — para alugar um apartamento de um quarto a preço de mercado considerado “justo”. A ONU define como acessível uma moradia cujo custo não ultrapasse 30% da renda familiar.

A crise foi agravada pelo fim de auxílios emergenciais da pandemia, como a moratória de despejos e o Programa de Assistência para Aluguel, e pela chegada de dezenas de milhares de imigrantes em busca de asilo. Nas 13 comunidades que mais receberam imigrantes, o número de famílias sem-teto mais que dobrou; nas demais, a alta foi de 8%.