EXCLUSIVO – Defensivo usado em lavouras de soja devasta rios e ameaça vidas no sul do Pará

Por trás do apelo de produtividade do agronegócio, um rastro de morte avança silenciosamente pelas águas e pela terra. O Roundup, da gigante Bayer, faz estragos, denunciam moradores

O que começou como uma denúncia de pescadores e ribeirinhos da Vila Cristalino, distrito de Santana do Araguaia, no sul do Pará, escancara uma crise ambiental e de saúde pública sem precedentes na região. Espécies de peixes aparecem com manchas, pele e carne se desfazendo ao menor toque — sinais nunca antes vistos pelos moradores. O mais alarmante: mesmo exemplares aparentemente vivos, ao serem limpos, revelam carne podre por dentro.

A denúncia partiu do vereador Professor Jardel, que registrou imagens estarrecedoras e alertou autoridades municipais e estaduais. Técnicos da Secretaria de Meio Ambiente do Pará foram acionados para recolher amostras da água do Rio Cristalino. Mas a população já aponta o dedo para o vilão: o uso intenso de defensivos agrícolas, em especial o herbicida Roundup (comercializado pela multinacional Bayer), pulverizado nas extensas lavouras de soja que margeiam os rios.

O que está acontecendo no Rio Cristalino não é caso isolado. Em entrevistas ao portal Ver-o-Fato, pescadores e agricultores afirmam que a contaminação das águas é uma realidade conhecida também em Paragominas, Ulianópolis, Dom Eliseu, Rondon do Pará e outros municípios do leste e sudeste paraense.

O cenário é sempre o mesmo: monoculturas de soja chegando às margens de rios e igarapés, defensivos agrícolas aplicados em grande escala — muitas vezes por aeronaves — e um aumento perceptível de doenças graves, incluindo câncer, entre a população.

Em Dom Eliseu, o manancial que abastece a cidade — o Rio Água Suja, ironicamente nomeado antes mesmo da chegada da soja — é cercado por plantações que recebem cargas pesadas de agrotóxicos. A estação de captação da Cosanpa está instalada exatamente na beira desse rio.

Moradores afirmam que há uma relação direta entre o uso dos defensivos e o crescimento no número de casos de câncer. No entanto, a pressão política e econômica dos grandes produtores sobre prefeitos e vereadores silencia qualquer reação institucional.

A natureza pede socorro

Na mesorregião de Paragominas — que inclui Paragominas, Ulianópolis, Dom Eliseu, Rondon do Pará, Abel Figueiredo e Bom Jesus do Tocantins — os sinais do envenenamento são claros: diminuição drástica de fauna e flora, aves desaparecendo dos céus e, nos poucos bandos restantes, animais com bicos deformados e penas alteradas. Pequenos pomares, sítios e quintais antes férteis agora secam e morrem, como se o solo tivesse perdido a vida.

Apesar da gravidade, secretarias municipais de Meio Ambiente parecem impotentes ou coniventes. O lobby do agronegócio é tão poderoso que cala vozes e enterra denúncias.

A crise global do veneno

A Bayer, gigante do setor e fabricante do Roundup, enfrenta uma crise sem precedentes em escala mundial. Desde que adquiriu a Monsanto em 2018 por US$ 63 bilhões, herdou não apenas a fórmula do glifosato — princípio ativo do herbicida — mas também um passivo judicial devastador. Só nos Estados Unidos, a empresa já pagou mais de US$ 10 bilhões em indenizações a vítimas que associam o produto a diferentes tipos de câncer. Mais de 67 mil ações judiciais seguem em curso.

Em 2024, a Bayer registrou prejuízo líquido de 2,55 bilhões de dólares e perdeu 80% de seu valor de mercado desde a compra da Monsanto. Em resposta, anunciou a demissão de 12 mil funcionários e estuda medidas drásticas, como um acordo judicial coletivo ou até mesmo recorrer à recuperação judicial da subsidiária Monsanto.

Um veneno que chega ao prato

Enquanto isso, no Brasil, o Roundup continua sendo aplicado livremente nas lavouras, atingindo não apenas pragas e plantas, mas também o ciclo de vida de peixes, aves, animais domésticos e, inevitavelmente, humanos. Cada peixe apodrecendo no Rio Cristalino é mais que um sintoma — é um aviso de que o envenenamento é real, avança rápido e não reconhece fronteiras.

Os órgãos públicos têm a obrigação legal e moral de agir. É inadmissível que, em nome da produtividade e do lucro, rios sejam transformados em esgotos químicos, comunidades ribeirinhas fiquem sem sustento e famílias paguem com a própria saúde o preço de um modelo agrícola insustentável.

Ignorar o grito de alerta do Rio Cristalino é condenar a Amazônia — e todos nós — a um futuro de terra envenenada e água morta.

IMAGENS IMPRESSIONAM


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