Garimpos ilegais, portos e hidrelétricas pressionam comunidades. Em audiência pública do MPF e MPPA foi criado o Comitê Gestor da Bacia do Tapajós
A Bacia do Tapajós, no oeste do Pará, é muito mais do que um recurso hídrico. É território de vida, de cultura e de memória para povos indígenas, comunidades ribeirinhas e quilombolas. No entanto, esse patrimônio natural, afluente da margem direita do rio Amazonas, está no centro de uma disputa que envolve grandes empreendimentos, crise climática, garimpo ilegal e ausência de políticas públicas eficazes.
A pressão sobre o Tapajós cresce a cada ano e ameaça não apenas a biodiversidade da região, mas a própria sobrevivência de milhares de pessoas que dele dependem.
Foi nesse contexto que o Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) realizaram, na última terça-feira (12), em Santarém, uma audiência pública sobre a criação de um Comitê Gestor da Bacia do Tapajós. O objetivo: construir um espaço de gestão descentralizada, com protagonismo das comunidades locais, diante de uma realidade em que decisões históricas sobre o destino do rio foram tomadas “de cima para baixo”.
A procuradora da República Thais Medeiros da Costa abriu o encontro destacando que o Tapajós “é um rio de vida, que dá existência a grupos inteiros, mas também atrai interesses econômicos que ignoram seu caráter simbólico e espiritual”. Ela lembrou que 2023 e 2024 registraram a pior escassez hídrica da história do rio, reflexo direto da crise climática, sem que houvesse preparo institucional para lidar com a emergência.
A promotora de Justiça Lílian Braga, do MPPA, reforçou a necessidade de planejamento: “O comitê pode nos ajudar nesse diálogo, para que não enfrentemos os problemas apenas quando já estão instalados e pouco pode ser feito”.
Participando de forma virtual, o procurador da República Vitor Vieira Alves citou precedentes emblemáticos da atuação do MPF na região, como o caso do porto da Cargill, nos anos 2000, e o porto da Embraps, em 2016, ambos questionados por ausência de estudos adequados ou de consulta prévia às populações atingidas. “Ao longo desses anos, vimos decisões guiadas quase sempre por interesses econômicos, desconsiderando o que o rio representa para as comunidades”, criticou.
Resistência popular
Cerca de 40 pessoas se manifestaram na audiência, levando denúncias e propostas. O padre Edilberto Sena, do movimento Tapajós Vivo, entregou uma carta ao MPF e MPPA com alertas sobre os riscos de grandes empreendimentos para a segurança hídrica da região. O documento defendeu a criação urgente do comitê, capaz de assegurar a participação efetiva da sociedade civil.
A indígena Maria Leusa, da Associação das Mulheres Munduruku-Wakaborûn, foi categórica: “Hoje não é só o garimpo que traz impactos ao nosso povo Munduruku. Existem projetos que querem privatizar o nosso rio. Temos locais sagrados sendo destruídos. A nossa mãe, o rio onde a gente vive, está em risco”.
Esses depoimentos ecoam uma preocupação central: a invisibilidade das comunidades na definição do futuro do Tapajós, enquanto atividades como o garimpo ilegal, a contaminação por mercúrio, os portos privados e os projetos de hidrelétricas avançam sobre o território.
Encaminhamentos
Ao final, ficou definido que o MPF e o MPPA oficiarão a Agência Nacional de Águas (ANA) e a Secretaria de Meio Ambiente do Pará (Semas) para articular a realização de oficinas em diversos municípios do oeste do Pará, garantindo representatividade no processo. Também será criado um grupo técnico para realizar estudos socioambientais, identificando áreas críticas de poluição, escassez de água e impactos diretos sobre as populações locais.
A criação de um Comitê Gestor para a Bacia do Tapajós não é apenas uma demanda técnica, mas um gesto político e civilizatório. A região carrega um histórico de violações, em que os interesses do agronegócio, da mineração e da logística portuária se sobrepuseram ao direito das populações de decidir sobre seu próprio território. Se for conduzido de forma transparente e participativa, esse comitê pode inaugurar um modelo de gestão que respeite a diversidade cultural e ambiental da Amazônia.
O desafio, no entanto, é imenso: transformar em prática a promessa de “participação social” e evitar que o comitê seja apenas mais um espaço burocrático, incapaz de conter a devastação que já atinge o Tapajós.
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