Durante muitos anos, Antônio Lemos, o prefeito da Belle Époque de Belém recebeu a carga de preconceito contida no primarismo de uma certa visão de mundo.
Aquela visão que se quer reconhecida como revolucionária e avançada, quando, de fato, mal consegue esconder pouca ilustração.
A de quem julga poder reduzir a análise de um personagem histórico complexo como Lemos à simples atribuição a ele da pecha de “elitista”.
Marcada, naturalmente, de conotação ideológica negativa.
Com a pecha se pretende ignorar o valor das valiosas obras ainda hoje usufruídas pela população de Belém, todas realizadas nas gestões dele frente à Prefeitura – antiga Intendência – de Belém, há mais de cem anos.
Embora seja inegável que estas obras modernizaram Belém, tornaram-na bela, e, a elevaram à condição de terceira cidade mais importante do País, no início dos anos de 1900.
Felizmente, na História da Cultura do Pará, houve um jornalista talentoso, falecido no ano 2.000, Carlos Rocque, experimentado na lide das grandezas e misérias da condição humana.
E que, ao longo de sua produtiva carreira, desempenhada, sobretudo, na área de pesquisas históricas jornalísticas, fez questão de ignorar quem cultivava esta visão de Lemos, apoiada em grande arrogância intelectual.
Rocque, ao contrário, jamais deixou de se impressionar com a trágica figura trágica do maranhense apaixonado por Belém.
O qual, conquistou, com a passagem dos anos, um duradouro reconhecimento como melhor prefeito da nossa cidade.
E, no entanto, já envelhecido, tinha sido expulso de Belém, com humilhação pública e destruição de seus bens.
Sobre os altos e baixos da carreira política de Lemos, de sua vida pessoal, do jornal dele, Rocque escreveu incessantemente.
Não escondeu nenhum de seus méritos, nem de seus defeitos, em dois livros e num extenso verbete da enciclopédia que produziu sobre a Cultura Amazônica.
E, quando pôde, Rocque, no desempenho de um cargo oficial, se empenhou e conseguiu trazer os restos mortais de Lemos.
Depois que foram mantidos por 60 anos num cemitério do Rio de Janeiro, pela inacreditável permanência do ódio com o qual ele fora banido da cidade que tanto beneficiara, em1912.
Mas, um assunto como Lemos, com sua riqueza, amplidão e multiplicidade de ângulos, fascinante para um jornalista como Rocque, não poderia mesmo ser esgotado apenas por ele, ainda que não lhe faltassem talento, nem dedicação.
Na verdade, Rocque era um pesquisador atraído também por outras aventuras intelectuais.
Com as quais oferecia a seus leitores os meandros de outras movimentadas, tumultuadas e atormentadas narrativas não ficcionais amazônicas;
Como as dos cabanos e a do general Magalhães Barata, mal comparando, uma espécie de Getúlio Vargas da nossa região.
Não surpreende, assim, que Rocque, falecido no ano 2.000, não tenha talvez podido estudar mais detidamente a fase juvenil da trajetória de Lemos.
Embora, tenham sido amplamente conhecidos alguns poucos dados gerais sobre o nascimento, a infância e a adolescência de Lemos, enquanto Rocque viveu.
Dados como o ano e o local de seu nascimento: São Luís, no Maranhão, 1843.
Sua ascendência.
Ele fora filho de outro Antônio Lemos, chefe do Partido Liberal, no Maranhão, tendo se tornado órfão muito cedo, aos 5 anos.
Aos doze anos, ele emigrou para o Rio de Janeiro.
No Rio, se incorporou à Marinha de Guerra.
E passou a exercer a função de “escrevente da Armada”, numa corveta, um tipo de navio de guerra, geralmente menor que uma fragata, usado em diversas funções como escolta, patrulha e exploração.
O nome da corveta: Paraense.
O que não era sabido sobre Lemos, enquanto Rocque esteve vivo, só recentemente se tornou público, quando um pesquisador anônimo postou na internet informações localizadas por ele, numa edição de jornal antigo.
Uma pena!
Porque aquela edição do jornal antigo – O Pará – circulou no dia 17 de dezembro de 1898, portanto, quando completava um ano da chegada de Lemos ao cargo de Intendente de Belém, no qual ele permaneceria até 1911.
Isto é, num momento do período da trajetória de Lemos pesquisado por Rocque.
Tais dados registrados, em 1898, pelo jornal, correspondem ao ano de 1865, quando Lemos tinha 22 anos.
Àquela altura, o Brasil havia se envolvido numa série de conflitos, resultantes de disputas políticas, econômicas e territoriais na região da Bacia do Prata, que desembocaram, mais tarde, na sangrenta Guerra do Paraguai.
Envolvendo nosso país, o Uruguai, a Argentina e o Paraguai.
Em certo momento daqueles conflitos, uma esquadra da nossa Marinha de Guerra, sob o comando do Almirante Tamandaré, apoiou a invasão do Uruguai por tropas brasileiras em defesa do Partido Colorado, adversário do Partido Blanco liderado pelo presidente Atanásio Cruz Aguirre.
A corveta em que Lemos servia fazia parte daquela esquadra comandada pelo futuro Patrono da Marinha.
E, como registrou O Pará, Lemos “tomou parte no Bloqueio de Montevideo”.
Sua atuação no episódio levou o Imperador do Brasil, dom Pedro II, a conceder-lhe a Medalha da Campanha do Uruguai.
A condecoração foi oficializada por um decreto – o de número 3488 – assinado, no dia 28 de junho de 1865, por dom Pedro II e por José Antônio Saraiva, Ministro dos Negócios da Marinha, do Império Brasileiro.
Dizia seu texto que aquela honraria só era concedida a quem havia prestado “relevantes serviços na Campanha do Uruguai pela esquadra sob o comando em chefe do Vice-Almirante Visconde de Tamandaré”.
Desde modo, surgiram, assim, inesperadamente, no campo de conhecimento dos pesquisadores do passado de Belém, dados sobre Lemos até, então, desconhecidos.
Só podemos imaginar o proveito que Rocque tiraria destes dados.
*Oswaldo Coimbra é escritor e jornalista
Translation (tradução)
The decoration of de young hero who would later become mayor of Belém
For many years, Antônio Lemos, the mayor of Belém during the Belle Époque, bore the weight of the prejudice contained in the primitiveness of a certain worldview.
A worldview that sought recognition as revolutionary and advanced, when, in fact, it barely managed to conceal its lack of refinement.
The worldview of those who believe they can reduce the analysis of a complex historical figure such as Lemos to the mere label of “elitist.”
Naturally, a label marked by negative ideological connotations.
With that label, one attempts to ignore the value of the significant works still enjoyed today by the population of Belém, all carried out under his administrations at the head of the City Hall – then called the Intendência – of Belém, more than a century ago.
It is undeniable that these works modernized Belém, beautified it, and elevated it to the status of the third most important city in Brazil at the beginning of the 1900s.
Fortunately, in the cultural history of Pará, there was a talented journalist, Carlos Rocque, who passed away in 2000, seasoned in dealing with the grandeur and misery of the human condition.
Throughout his productive career, mainly devoted to historical and journalistic research, Rocque chose to disregard those who upheld such a view of Lemos, sustained by sheer intellectual arrogance.
Rocque, on the contrary, never ceased to be impressed by the tragic figure of the man from Maranhão who became passionately attached to Belém.
Over time, he earned lasting recognition as the best mayor the city ever had.
And yet, in his old age, he had been expelled from Belém, suffering public humiliation and the destruction of his property.
Rocque wrote incessantly about the highs and lows of Lemos’s political career, his personal life, and his newspaper.
He concealed neither his merits nor his flaws, publishing them in two books and in an extensive entry of the encyclopedia he produced on Amazonian Culture.
And when he had the chance, while holding an official position, Rocque dedicated himself to – and succeeded in – bringing back Lemos’s mortal remains.
They had been kept for 60 years in a cemetery in Rio de Janeiro, due to the incredible persistence of the hatred with which he had been banished from the very city he had so greatly benefited, in 1912.
But a subject like Lemos – with its richness, breadth, and multiplicity of angles – so fascinating to a journalist like Rocque, could never have been fully exhausted, even with all his talent and dedication.
In truth, Rocque was a researcher also drawn to other intellectual adventures.
Through them, he offered his readers the intricate stories of other turbulent, tumultuous, and tormented Amazonian non-fictional narratives:
such as the uprisings of the Cabanos and the life of General Magalhães Barata – roughly speaking, a sort of Getúlio Vargas of our region.
It is not surprising, therefore, that Rocque, having passed away in 2000, may not have been able to study in greater detail the youthful phase of Lemos’s trajectory.
Although some general facts about Lemos’s birth, childhood, and adolescence were widely known during Rocque’s lifetime.
Facts such as his year and place of birth: São Luís, Maranhão, 1843.
His ancestry.
He was the son of another Antônio Lemos, leader of the Liberal Party in Maranhão, and became an orphan very early, at the age of five.
At twelve, he emigrated to Rio de Janeiro.
In Rio, he joined the Navy.
He served as a “Navy clerk” aboard a corvette – a type of warship generally smaller than a frigate, used for various functions such as escort, patrol, and exploration.
The name of the corvette: Paraense.
What was not known about Lemos during Rocque’s lifetime only recently became public, when an anonymous researcher posted online information he had found in an old newspaper.
A pity!
Because that edition of the old newspaper – O Pará – circulated on December 17, 1898, when Lemos had just completed one year as Intendente of Belém, a post he would hold until 1911.
That is, during the very period of Lemos’s trajectory researched by Rocque.
The information recorded by the newspaper in 1898 refers to the year 1865, when Lemos was 22 years old.
At that time, Brazil was involved in a series of conflicts arising from political, economic, and territorial disputes in the Río de la Plata basin, which would later lead to the bloody Paraguayan War.
The conflict involved Brazil, Uruguay, Argentina, and Paraguay.
At a certain point in those disputes, a squadron of our Navy, under Admiral Tamandaré’s command, supported Brazil’s invasion of Uruguay in defense of the Colorado Party, opponent of the Blanco Party led by President Atanasio Cruz Aguirre.
The corvette on which Lemos served was part of that squadron commanded by the future Patron of the Navy.
And, as O Pará recorded, Lemos “took part in the Blockade of Montevideo.”
His role in that episode led the Emperor of Brazil, Dom Pedro II, to grant him the Campaign Medal of Uruguay.
The decoration was made official by Decree No. 3488, signed on June 28, 1865, by Dom Pedro II and José Antônio Saraiva, Minister of the Navy of the Brazilian Empire.
The text stated that the honor was granted only to those who had rendered “outstanding services in the Campaign of Uruguay with the squadron under the chief command of Vice Admiral Viscount of Tamandaré.”
Thus, unexpectedly, new data about Lemos – until then unknown – emerged in the field of research on Belém’s past.
We can only imagine how much Rocque would have made of these findings.
Oswaldo Coimbra is a writer and journalist
(Illustration: the Campaign Medal of Uruguay)
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