Ministério da Fazenda listou as dívidas do governo anterior; especialistas criticam pacote de socorro de R$ 9,5 bilhões fora da meta fiscal: ‘Contabilidade criativa’
Brasília – O Ministério da Fazenda, atribuiu 87% do montante de ao menos R$ 387 bilhões em gastos fora da meta fiscal ao governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Segundo o titular da pasta, Fernando Haddad, em entrevista neste final de semana a jornais e emissoras de televisão, Bolsonaro é o responsável pelo rombo fiscal do país. Entretanto, independente de quem é a culpa, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vai totalizar em seu terceiro mandato pelo menos R$ 387,8 bilhões em gastos não contabilizados na meta fiscal. Especialistas criticam o pacote de socorro aos exportadores após o tarifaço de Trump, fora da meta fiscal anunciada por Lula, chamando-o de: “Contabilidade criativa”, que quer excluir R$ 9,5 bilhões em gastos efetivos e renúncia de receitas do cálculo da meta fiscal em 2025 e 2026.
De acordo com a Fazenda, dos R$ 389 bilhões fora da meta levantados, R$ 337 bilhões (87%) “decorrem da necessidade de reverter o calote de precatórios aplicado pelo governo Bolsonaro e de aprovar uma PEC de transição para recompor o represamento artificial de despesas essenciais e cobrir buracos no orçamento deixado pelo governo anterior, como Bolsa Família, Farmácia Popular, entre outros”.
Do restante, a pasta diz que a Lei Paulo Gustavo (R$ 4 bilhões) foi aprovada em 2022 sem previsão orçamentária e que os R$ 9,5 bilhões do pacote antitarifaço, batizado de “Brasil Soberano”, são voltadas a “apoiar empresas e trabalhadores impactados por tarifas unilaterais impostas ao Brasil”.
A pasta também diz que R$ 30 bilhões foram destinados ao enfrentamento do “maior desastre climático da história recente do País, ocorrido no Rio Grande do Sul em 2023″. A Fazenda argumenta ainda que os R$ 8 bilhões restantes representam apenas 2% do total e que “parte decorre de decisões judiciais e determinações de órgãos de controle, sem relação com iniciativas discricionárias do Poder Executivo”.
Fica evidente que a tática dos governos petistas se repetem e transformam-se em mantras: “A culpa sempre é de alguém ou de alguma coisa”. O alguém, é Jair Bolsonaro; alguma coisa pode ser a Natureza, Trump, ou até mesmo a vontade divina.

Projeções
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) projeta atingir um total de, pelo menos, R$ 387,8 bilhões em gastos que não serão contabilizados na meta fiscal até 2026, conforme dados do Tesouro Nacional e análises de especialistas. Esse montante, que já inclui despesas com a PEC da Transição, precatórios e auxílio ao Rio Grande do Sul, foi expandido com a recente inclusão de um pacote de socorro a empresas afetadas por sobretaxas (tarifaço de Trump), adicionando R$ 9,5 bilhões que também ficarão fora do cálculo primário, levantando questionamentos sobre a transparência e a solidez das regras fiscais brasileiras.A cifra acumulada de gastos fora da meta do resultado primário, que compreende o período de 2023 a 2026, alcançará ao menos R$ 387,8 bilhões, segundo o Tesouro Nacional, comum a estimativa similar de R 387,76 bilhões do economista Tiago Sbardelotto, da XP Investimentos. Fábio Serrano, diretor executivo de Pesquisa Macroeconômica do BTG Pactual, calcula um valor ligeiramente superior, R$ 389,7 bilhões em quatro anos, ao considerar R$ 334 bilhões nos três primeiros anos e mais R$ 55 bilhões em precatórios para o próximo ano.
O Ministério da Fazenda, por sua vez, atribui 87% desse total ao governo anterior, de Jair Bolsonaro (PL), justificado pela necessidade de reverter o calote em precatórios e pela aprovação da PEC da Transição, que visava recompor o represamento artificial de despesas essenciais e cobrir lacunas orçamentárias. Os valores fora da meta incluem, de fato, o reajuste do Bolsa Família (via PEC da Transição em 2023), o pagamento dos precatórios atrasados, as medidas de socorro à calamidade climática no Rio Grande do Sul e o ressarcimento a aposentados e pensionistas vítimas de fraude no INSS.
A adição mais recente a essa lista é o pacote de socorro a empresas atingidas pelo “tarifaço” dos Estados Unidos, batizado de “Brasil Soberano”. Esse plano prevê R$ 4,5 bilhões em aportes a fundos garantidores e R$ 5 bilhões em renúncias de receitas do programa “Reintegra”, totalizando R$ 9,5 bilhões. A medida exige um projeto de lei complementar, apresentado pelo líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), para autorizar a exclusão desses valores da meta fiscal, o que demanda aprovação do Congresso Nacional.
Contabilidade criativa
Especialistas, contudo, têm criticado essa prática, apontando-a como uma recorrente estratégia de “contabilidade criativa” que burla a regra fiscal em momentos de emergência, diminuindo a credibilidade da âncora fiscal. Tiago Sbardelotto ressalta que a “multiplicação de deduções, algumas de forma casuística, acaba fragilizando a meta de resultado primário como indicador de esforço fiscal do governo”. Ele e outros analistas alertam que, embora o governo possa cumprir a meta formalmente, o “déficit real, o que impacta efetivamente a dinâmica da dívida pública, continua sendo muito maior”.
Avaliação de Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos, sugere que, em vez de excluir valores da meta, o governo deveria utilizar a banda de tolerância de 0,25% do PIB para absorver tais choques, congelando outras despesas que ultrapassem o limite estabelecido.
A meta de resultado primário é uma regra de equilíbrio entre receitas e despesas públicas (sem contar o endividamento), estabelecida pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) em 2000. O novo arcabouço fiscal, aprovado em 2023, permitiu ao Executivo trabalhar com um piso de tolerância, admitindo resultados piores. Para 2025, o objetivo é zerar o déficit público, com uma tolerância de R$ 31 bilhões de déficit. Para 2026, a meta é gerar um superávit de R$ 34,3 bilhões, com piso de tolerância de déficit zero. A exclusão de despesas da meta significa que o gasto existe, mas não é considerado no cálculo de cumprimento do objetivo.
João Pedro Leme, analista da Tendências Consultoria, pondera que, embora despesas com dívidas judiciais (precatórios, liberadas pelo STF) e socorro a calamidades (Rio Grande do Sul, com flexibilização da LRF) possam ser justificáveis fora da meta, os demais gastos sem essa contabilidade tradicional não seriam defensáveis. Ele afirma que o “atual estado das contas públicas passa a divergir muito daquilo que conta para a meta. A regra fiscal fica como se estivesse balizada em uma ficção. É um mundo onde algumas coisas não importam ou importam menos”.
Apesar das críticas, alguns economistas como Ítalo Franca, do Santander, e Renan Martins, da 4intelligence, acreditam que o pacote de R$ 9,5 bilhões, embora “qualitativamente ruim”, não deve inviabilizar o cumprimento da meta fiscal para este ano, dado seu impacto relativamente menor em comparação ao total do orçamento. No entanto, o debate permanece sobre a consistência das regras fiscais e a percepção de que “um gasto extraordinário está se tornando recorrente”.
Tendência aponta elevação dos gastos do governo
A análise dos dados revela uma tendência de elevação dos gastos governamentais excluídos da meta fiscal, acumulando uma cifra expressiva para os próximos anos.
Enquanto o governo justifica grande parte desse montante como herança ou resposta a emergências, a inclusão de novas despesas, como o pacote “Brasil Soberano”, por meio de manobras legislativas para mantê-las fora da contabilidade primária, reacende o debate sobre a credibilidade da gestão fiscal.
Especialistas alertam que essa prática enfraquece a meta como um indicador confiável do esforço fiscal e mascara o déficit real, com potenciais implicações para a dinâmica da dívida pública e a percepção de solidez orçamentária do País.
Reportagem: Val-André Mutran é repórter especial para o Portal Ver-o-Fato e está sediado em Brasília.
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