A semana promete ser quente em Brasília. Comissões e plenários prometem discussões acaloradas sobre proteção digital, fraudes previdenciárias e o futuro da representação política, em meio a pressões sociais e articulações estratégicas
Brasília – A semana no Congresso Nacional se desenha com pautas de alta voltagem, onde temas sensíveis e de grande repercussão social prometem aquecer os debates e as articulações. Desde a proteção de crianças e adolescentes no ambiente digital até a investigação de fraudes previdenciárias e o rearranjo da representação parlamentar, a agenda legislativa reflete pressões sociais, embates ideológicos e manobras políticas estratégicas, em meio a tentativa do governo em surfar na onda anti-americana após tarifaço de Trump.
A Câmara dos Deputados se prepara para uma discussão ainda que atrasada, com o projeto de lei que visa combater a adultização de crianças nas redes sociais, um tema que ganhou notoriedade e urgência após as recentes denúncias do youtuber Felca. A repercussão do vídeo de 50 minutos do influenciador, que viralizou na internet e acumulou mais de 44 milhões de visualizações, culminou na prisão de Hytalo Santos em 15 de agosto, acusado de exploração de menores. O presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), deve levar a matéria para discussão em Comissão-Geral no plenário, em uma decisão vista como uma resposta rápida à mobilização da opinião pública, acelerando um processo que inicialmente previa a criação de um grupo de trabalho para unificar mais de 60 propostas sobre o tema.
O texto em análise, apresentado na última terça-feira (12), estabelece medidas robustas para a proteção de crianças e adolescentes no ambiente digital. Entre suas principais disposições, responsabiliza as plataformas por conteúdos prejudiciais, determinando a retirada imediata de publicações criminosas, mesmo sem decisão judicial. Além disso, prevê a criação de uma autoridade nacional com poder para fiscalizar e aplicar sanções a empresas que descumprirem a lei, incluindo a suspensão temporária de suas atividades. No entanto, a proposta enfrenta forte resistência da oposição e de alguns setores, que criticam dois pontos específicos: a expressão “acesso provável”, que poderia expandir excessivamente o alcance da lei sobre produtos ou serviços digitais, e a concentração de poder na futura autoridade nacional, gerando receios de interferência política e risco de censura.
O senador Alessandro Vieira (MDB-SE), autor do PL 2628/22 – uma das propostas que inspira o debate –, rebate as críticas, afirmando que “Não existe liberdade de expressão para criminosos ou pedófilos” e que a legislação se aplica a usuários, crianças e adolescentes, não a adultos, desmistificando, em sua visão, qualquer alegação de censura ou cerceamento de liberdade. Felca, por sua vez, defende que crianças não devem produzir conteúdo digital sem supervisão, pois “Internet é um ambiente para adultos”, e relatou ter vivenciado “dias de trevas” ao pesquisar o tema, recebendo ameaças de morte, mas reforçou sua intenção de não parar.
Roubalheira no INSS
Paralelamente, a semana será marcada pela instalação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) sobre as fraudes no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), prevista para a próxima quarta-feira (20), às 11h. O colegiado, cujo objetivo é investigar descontos indevidos em benefícios de segurados, será presidido pelo senador Omar Aziz (PSD-AM) e terá o deputado Ricardo Ayres (Republicanos-TO) como relator.
O pedido de criação da CPMI foi apresentado em 12 de maio pelas senadoras Damares Alves (Republicanos-DF) e Coronel Fernanda (PL-MT), embasado em investigações da Polícia Federal e da Controladoria-Geral da União, divulgadas em abril, que apontaram a existência de um esquema de cobrança de mensalidades não autorizadas sobre os benefícios de aposentados e pensionistas.
A CPMI foi criada em junho, com leitura do requerimento durante sessão do Congresso, e obteve apoio superior ao mínimo exigido (223 deputados e 36 senadores). Composta por 15 senadores e 15 deputados, além de um integrante extra de cada Casa representando a Minoria, totalizando 32 titulares e igual número de suplentes, a comissão tem sua composição nos bastidores vista como favorável ao governo, o que frustra planos da oposição de “desgastar” o Palácio do Planalto.
O ministro da Previdência, Wolney Queiroz, declarou estar tranquilo para depor, mas manifestou preocupação com a escalada da polarização política que poderia “contaminar” os trabalhos da CPMI.
Aumento do número de deputados federais
Outro ponto de intensa articulação política se refere ao veto presidencial ao projeto que buscava aumentar o número de cadeiras na Câmara dos Deputados de 513 para 531. A proposta, aprovada em junho pelo Congresso, visava driblar a redistribuição de cadeiras proporcionalmente à população brasileira computada pelo Censo de 2022, que faria sete estados ganharem vagas e outros sete perderem. O aumento serviria para contemplar os estados que teriam direito a mais cadeiras sem retirar vagas de outros, diminuindo o risco de deputados com mandato não conseguirem a reeleição.
A medida, contudo, é rejeitada por 76% da população, conforme pesquisa Datafolha.
O presidente Lula vetou a medida, contrariando pedidos de sua própria articulação política, que temia retaliação da Câmara. Para derrubar um veto presidencial, são necessários 257 votos na Câmara e 41 no Senado. Uma reviravolta decisiva ocorreu com o recuo da bancada do PT no Senado: os senadores petistas, que haviam dado 5 dos 41 votos favoráveis à proposta durante a deliberação, agora votarão pela manutenção do veto, conforme confirmado por líderes como Rogério Carvalho (PT-SE) e Randolfe Rodrigues (PT-AP). Este posicionamento é vital, pois, sem o apoio petista, o número de votos para derrubar o veto no Senado seria insuficiente.
O Supremo Tribunal Federal (STF), em 2023, estabeleceu um prazo até 30 de julho de 2025 para o Congresso adequar o número de deputados federais à população de cada estado, e, caso não haja providências, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) determinará a distribuição até 1º de outubro deste ano.
Setores do Congresso consideram não deliberar sobre o veto até 4 de outubro, buscando evitar que a redistribuição do TSE afete as eleições de 2026, que exigem alterações com um ano de antecedência. No entanto, senadores mais alinhados ao projeto discordam, argumentando que a Justiça Eleitoral pode redistribuir as vagas independentemente da votação do veto, dada a determinação expressa do STF.
Outros projetos
Além desses pontos de destaque, a pauta legislativa da semana inclui a instalação e apresentação do plano de trabalho sobre a proposta que extingue a escala de trabalho 6×1 na subcomissão do Projeto de Emenda Constitucional (PEC) nº 8/2025.
A Comissão Especial de Inteligência Artificial deve discutir infraestrutura, fomento e sandbox regulatório, com representantes do governo, empresas de tecnologia e academia.
No Conselho de Ética, está previsto o sorteio de nomes para compor a lista tríplice que definirá o relator do processo contra o deputado André Janones (Avante-MG).
No Senado Federal, além da CPMI, o plenário pode votar nesta terça-feira (19) o projeto que oficializa o nome Lei Maria da Penha (PL 5.178/2023) à legislação de combate à violência contra a mulher, e regras para nomes de escolas indígenas, quilombolas e rurais (PL 3.148/2023).
Na quarta-feira (20), senadores devem analisar a PEC que limita o pagamento de precatórios e refinancia a dívida previdenciária de estados e municípios (PEC 66/2023), além da prorrogação do uso de saldos dos Fundos de Saúde (PLP 58/2025) e a criação do Selo Cidade Mulher (PL 2.549/2024).
Em síntese, o Congresso Nacional vivencia uma semana de intensa atividade legislativa e de significativas articulações políticas. A celeridade na tramitação do projeto sobre a adultização infantil reflete uma pressão pública e uma resposta a casos de grande impacto social, ao mesmo tempo em que acende o alerta sobre os limites da regulamentação digital e a liberdade de expressão.
A instalação da CPMI do INSS, por sua vez, insere um novo foco de investigação sobre a gestão pública, em um ambiente de polarização que pode testar a autonomia dos trabalhos.
Paralelamente, a reversão da bancada petista em relação ao veto ao aumento de deputados federais ilustra a fluidez das alianças e a complexidade das votações em torno de temas sensíveis e de grande custo político. A convergência desses debates sinaliza um Legislativo em busca do tempo perdido, uma vez que a atividade legislativa desse ano é criticada pela baixa produtividade.
Reportagem: Val-André Mutran é repórter especial para o Portal Ver-o-Fato e está sediado em Brasília.
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