O governo do Brasil refutou na 2ª feira (18.ago.2025) as acusações dos Estados Unidos sobre práticas desleais de comércio. O posicionamento foi enviado ao USTR (Representante de Comércio dos EUA), que abriu investigação com base na Seção 301 da Lei de Comércio de 1974.
A apuração norte-americana questiona atos e políticas brasileiras em comércio digital, serviços de pagamento eletrônico, tarifas, combate à corrupção, propriedade intelectual, mercado de etanol e desmatamento ilegal.
Na resposta, o Brasil declarou que não adota medidas “injustificáveis, discriminatórias ou onerosas ao comércio dos EUA”. Disse, ainda, que suas normas são compatíveis com os tratados internacionais e seguem os padrões da OMC (Organização Mundial do Comércio).
Leia a íntegra do documento (PDF – 1 MB) e da nota do Itamaraty (PDF – 189 kB).
O governo destacou que a relação comercial tem beneficiado os Estados Unidos. Em 2024, os norte-americanos exportaram US$ 78,4 bilhões em bens e serviços ao Brasil e importaram US$ 49 bilhões, acumulando superavit de US$ 29,3 bilhões –o 4º maior saldo positivo global.
Desde 2007, o superavit acumulado é de US$ 436 bilhões. Além disso, companhias norte-americanas estão entre os principais investidores no Brasil.
“Medidas unilaterais só fragilizariam uma parceria estratégica de mais de 2 séculos e imporiam custos ainda maiores ao comércio norte-americano”, disse trecho do documento.
O governo brasileiro questionou a legitimidade do processo. Segundo o Itamaraty, a Seção 301 é um instrumento “unilateral e incompatível com o sistema multilateral de comércio”, já que ignora os mecanismos de resolução de controvérsias da OMC.
“Não reconhecemos a legitimidade de investigações e retaliações fora do marco da OMC”, disse o texto.
O Brasil reiterou que disputas dessa natureza devem ser levadas ao órgão multilateral, sob risco de violar tratados internacionais e enfraquecer a relação bilateral.
Eis os principais argumentos do governo Lula contra as acusações dos EUA sobre práticas desleais de comércio:
- disse que as políticas brasileiras não violam tratados internacionais nem prejudicam de forma injusta empresas americanas;
- afirmou que suas medidas protegem direitos fundamentais, estimulam a concorrência, ampliam a inclusão financeira e contribuem para o desenvolvimento sustentável;
- alertou que sanções unilaterais dos EUA teriam efeito contrário: prejudicariam mais o comércio norte-americano e minariam a relação estratégica entre os dois países.
Etanol
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (Republicano), havia mencionado em fevereiro de 2025 a cobrança de 18% que o Brasil faz sobre o etanol que compra dos norte-americanos. A menção foi feita em decreto que instituiu tarifas recíprocas no comércio bilateral.
No memorando chamado de “Plano Justo e Recíproco”, o governo norte-americano reiterou que “a tarifa dos EUA sobre o etanol é de apenas 2,5%”, mas que o Brasil cobra uma taxa de 18% sobre as exportações de etanol norte-americano.
A tarifa de 18% é cobrada sobre o etanol importado de países fora do Mercosul.
A insatisfação da Casa Branca levou, em abril, à imposição de tarifa recíproca de 10% sobre o etanol brasileiro. Em agosto, Washington elevou a sobretaxa em mais 40%, fazendo com que a carga total aplicada ao etanol do Brasil chegasse a 52,5%.
- acusação dos EUA:
- o Brasil teria restrições tarifárias e não tarifárias que dificultam a entrada do etanol americano no mercado brasileiro. As políticas brasileiras de biocombustíveis (como o RenovaBio) favoreceriam produtores locais e limitariam a competitividade do etanol de milho norte-americano.
- argumentos do Brasil:
- disse que a tarifa aplicada pelo Brasil não é discriminatória, pois vale para todos os países exportadores, inclusive os EUA;
- afirmou que a alíquota brasileira é inferior àquela que os Estados Unidos aplicam sobre o etanol importado do Brasil;
- lembrou que a maior parte de seu etanol é feito de cana-de-açúcar, com menor impacto ambiental que o etanol de milho predominante nos EUA;
- afirmou que suas exportações ao mercado americano caíram 70% desde 2019 (de US$ 664 milhões para US$ 203 milhões em 2024), sem que houvesse medidas adicionais;
- declarou que não concede subsídios específicos à cana, ao milho ou ao etanol, enquanto os EUA subsidiam fortemente o milho e o açúcar;
- criticou a exclusão do Brasil do crédito tributário 45Z, que concede até US$ 1 por galão para produtores de baixo carbono nos EUA, no Canadá e no México;
- reforçou que a discussão sobre etanol não pode ser isolada, pois depende também das barreiras tarifárias e não tarifárias no açúcar e no milho.
Comércio digital e plataformas
- acusação dos EUA:
- decisões judiciais brasileiras e leis sobre redes sociais seriam discriminatórias contra empresas americanas, restringindo sua capacidade de operar livremente no mercado digital brasileiro.
- argumentos do Brasil:
- defendeu as decisões do STF que responsabilizam plataformas digitais só em casos específicos de crimes graves, como terrorismo, pornografia infantil, tráfico humano, crimes contra a democracia e violência contra mulheres;
- disse que não há censura nem responsabilidade automática das empresas, e que as regras são semelhantes às de legislações de países como EUA, Reino Unido e Austrália;
- declarou que as decisões não discriminam companhias americanas e lembrou que o Brasil é um dos maiores mercados para redes sociais dos EUA (165 milhões de usuários no WhatsApp, por exemplo).
Proteção de dados
- acusação dos EUA:
- Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) brasileira criaria barreiras ao fluxo transfronteiriço de dados e poderia afetar de forma desproporcional empresas norte-americanas que processam grandes volumes de informações.
- argumentos do Brasil:
- disse que a lei foi inspirada no GDPR europeu e está alinhada às melhores práticas internacionais;
- declarou que as regras não proíbem transferências de dados aos EUA, só exigem garantias de segurança e privacidade;
- comparou a lei brasileira a legislações americanas setoriais, como a HIPAA (saúde) e a COPPA (proteção infantil), para mostrar que são compatíveis.
Serviços de pagamento
- acusação dos EUA:
- a regulação brasileira de pagamentos digitais, especialmente o Pix, seria uma intervenção estatal que limita a competição e prejudica a entrada de prestadores de serviços dos EUA no mercado financeiro brasileiro.
- argumentos do Brasil:
- O Pix, criado pelo Banco Central, foi apresentado como exemplo de inclusão financeira e inovação;
- disse que é uma infraestrutura pública, aberta a instituições estrangeiras, que já alcançou 165 milhões de usuários e processa mais de 270 milhões de transações por dia;
- disse que a ferramenta não discrimina competidores estrangeiros e reduz custos, estimulando a concorrência no sistema financeiro.
Açúcar e impacto regional
- acusação dos EUA:
- o Brasil teria práticas que, direta ou indiretamente, distorcem o mercado internacional do açúcar. Os EUA sustentaram também que subsídios e regras brasileiras dariam vantagem competitiva injusta aos produtores nacionais, afetando exportadores americanos.
- argumentos do Brasil:
- disse que suas exportações de açúcar enfrentam cotas rígidas nos EUA (TRQ de 1,1 milhão de toneladas) e tarifas de até 100% acima da cota;
- afirmou que a cota brasileira é só de 152 mil toneladas — cerca de 14% do total, muito abaixo da fatia de 50% que o Brasil detém no mercado mundial;
- esse cenário, segundo o governo, prejudica especialmente produtores do Nordeste, região com IDH mais baixo.
Propriedade Intelectual e Pirataria
- acusação dos EUA:
- o Brasil não faria cumprimento efetivo das normas de propriedade intelectual. Indicaram falhas em combater pirataria, falsificação e contrabando, alegando que esses problemas prejudicam empresas norte-americanas de tecnologia, entretenimento, bebidas e tabaco.
- argumentos do Brasil:
- disse manter um regime legal abrangente e de alto padrão, alinhado e até superior a tratados internacionais;
- listou grandes operações de repressão à pirataria e contrabando em centros como a Rua 25 de Março (SP);
- citou a operação Barba Negra (2024), da Receita Federal e da PRF, que apreendeu cerca de 1 milhão de itens falsificados avaliados em US$ 92 milhões;
- mencionou a operação Afluência (2023), que desarticulou quadrilha que movimentou R$ 62 milhões em bebidas alcoólicas ilegais, com 50 mandados de busca em 9 cidades;
- afirmou que autoridades brasileiras atuam contra o contrabando de tabaco, bebidas e produtos falsificados em portos, aeroportos e fronteiras (17.000 km de fronteira terrestre e 7.000 km de costa marítima);
- citou a Lei 14.815/2024, que autoriza a Ancine a ordenar a retirada de conteúdos piratas na internet;
- reforçou que o USTR reconheceu avanços e rebaixou o Brasil da “Priority Watch List” para a “Watch List” em 2025.
Setor Aeroespacial
- acusação dos EUA:
- o Brasil adota políticas industriais e subsídios que beneficiam empresas nacionais, como a Embraer, em detrimento da concorrência justa com companhias dos EUA. O argumento americano era de que isso poderia afetar exportações e contratos de fornecedores do setor aeronáutico dos EUA.
- argumentos do Brasil:
- lembrou que o Brasil é investidor relevante nos EUA em diversos setores, incluindo aeronáutica;
- disse que empresas brasileiras do setor, como a Embraer, aparecem como exemplo de integração econômica, com presença no mercado americano e criação de empregos;
- reforçou que a relação não é só de comércio de bens primários, mas também de indústria de alta tecnologia, defendendo a solidez e equilíbrio da parceria bilateral.
Desmatamento ilegal
- acusação dos EUA:
- o Brasil falharia em coibir o desmatamento ilegal na Amazônia, o que criaria vantagem competitiva indevida ao agronegócio brasileiro em mercados globais. Argumentou que a soja, a carne e outros produtos agrícolas brasileiros poderiam ser associados a áreas desmatadas, afetando a concorrência com produtores americanos.
- argumentos do Brasil:
- competitividade: o governo rejeitou a alegação de que o desmatamento ilegal traga vantagem competitiva, dizendo que o setor agrícola não depende de áreas desmatadas ilegalmente e que só 2% dos proprietários rurais descumprem a legislação ambiental;
- reforço institucional: desde 2023, o Brasil aumentou o orçamento de órgãos de fiscalização ambiental, como Ibama e ICMBio. O orçamento operacional do Ibama cresceu 38% em relação a 2022, resultando em aumento de 120% nas operações de campo contra desmatamento, extração ilegal de madeira e mineração;
- retomada de multas ambientais: o governo destacou o fim da moratória de aplicação de multas ambientais, o que fortaleceu a aplicação das leis já existentes;
- base legal sólida: o Brasil citou a aplicação do Código Florestal (Lei 12.651/2012), do Sinaflor (Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais), da Lei de Crimes Ambientais e do Decreto 6.514/2008 como pilares da política ambiental;
- Integração de sistemas: o Conama discute resolução para integrar os cadastros federais e estaduais (SICAR/Sinaflor) e tornar mais transparentes as autorizações de supressão de vegetação nativa;
- resultados concretos: segundo o governo, a área sob alertas de desmatamento na Amazônia caiu 50% em 2023 em comparação com o ano anterior;
- meta climática: o Brasil reafirmou o compromisso de zerar o desmatamento até 2030, incluído no Plano Plurianual (2024-2027);
- reflorestamento: o governo mencionou o Planaveg (Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa), atualizado em 2024, com meta de restaurar 12 milhões de hectares até 2030, apoiado por R$ 1 bilhão do Fundo Amazônia e do Fundo Clima;
- cooperação internacional: destacou a reativação do Fundo Amazônia (US$ 1,2 bilhão), com apoio de EUA, Alemanha e Noruega, além de compromissos no Marco Global de Biodiversidade de Kunming-Montreal (2022);
- produtos agrícolas: argumentou que culturas de exportação como soja, cana-de-açúcar, café, laranja e tabaco são majoritariamente cultivadas em áreas consolidadas (Centro-Sul e Sul), sem relação com desmatamento da Amazônia ou do Pantanal;
- madeira: afirmou que suas exportações de madeira seguem um sistema robusto de rastreabilidade, com monitoramento por satélite, auditorias, relatórios e inspeções in loco.
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