Cientistas anunciaram nesta quarta-feira (20) um avanço que pode transformar a pesquisa sobre o Alzheimer.
Pela primeira vez, minicérebros humanos (uma versão reduzida do nosso mais complexo órgão) cultivados em laboratório amadureceram de forma acelerada com a ajuda do grafeno, um material ultrafino derivado do carbono.
O estudo, publicado na revista “Nature Communications”, contou com a participação de pesquisadores da Universidade da Califórnia em San Diego (UCSD), entre eles o brasileiro Alysson Muotri.
A equipe também mostrou que esses organoides foram capazes de enviar sinais elétricos a um robô simples, que respondeu com movimentos.
Embora ainda em estágio experimental, o feito abre novas possibilidades para compreender doenças do cérebro e desenvolver futuras interfaces entre humanos e máquinas (entenda mais abaixo).
“O grafeno responde à luz, então a gente usa essa luz para estimular os neurônios. Diferente de outras técnicas, conseguimos fazer isso de forma crônica, por dias, semanas e até meses”, explica Muotri ao g1.
“Foi assim que percebemos que, com essa estimulação, as redes neurais amadurecem muito mais rápido e de um jeito muito mais próximo do que acontece no cérebro humano”, acrescenta o pesquisador.
Como funciona a técnica
O cérebro humano é um dos órgãos mais difíceis de estudar, já que se forma dentro do útero e depois fica protegido pelo crânio.
Para contornar essa limitação, cientistas vêm criando organoides cerebrais a partir de células-tronco.
Essas estruturas são versões em miniatura do nosso cérebro, com capacidade de reproduzir parte da sua organização celular.
O problema é que esses minicérebros costumam se desenvolver de forma lenta, o que dificulta pesquisas sobre doenças ligadas ao envelhecimento, justamente como o Alzheimer.
ENTENDA: nesse tipo doença, os neurônios vão morrendo aos poucos, comprometendo memória e cognição. Assim, para investigar esse processo em laboratório, seria preciso esperar anos até que os organoides amadurecessem.
Para contornar esse problema, os pesquisadores utilizaram então o grafeno como uma espécie de “ponte de estímulo”.
Ele permitiu acelerar o processo de maturação dos organoides sem modificar o DNA das células, ao contrário de outras técnicas que exigem alterações genéticas ou que podem danificar os neurônios com estímulos elétricos diretos.
Segundo os autores, a estratégia funcionou como um “empurrãozinho” para que os neurônios formassem conexões mais rápido.
Assim, em questão de semanas, os organoides apresentaram sinais de atividade semelhantes aos de cérebros mais desenvolvidos.
Um passo adiante no estudo do Alzheimer
A equipe também aplicou a técnica em organoides derivados de células de pacientes com Alzheimer.
Com isso, o resultado foi que essas estruturas envelheceram mais rapidamente em laboratório, permitindo observar os efeitos da doença em menos tempo.
“Com o uso do grafeno, conseguimos estimular os neurônios a formarem conexões e amadurecerem mais rapidamente, sem alterar o código genético”, disse em um comunicado a pesquisadora Elena Molokanova, primeira autora do estudo.
“É como dar um empurrãozinho para que cresçam mais depressa, algo essencial para estudar, em laboratório, doenças ligadas ao envelhecimento.”
Essa aceleração é considerada crucial para testar drogas em fase inicial e entender como o Alzheimer progride nas células humanas.
“O nosso modelo de organoide é excelente para estudar fases iniciais do desenvolvimento e, por isso, sempre usei muito para pesquisas sobre autismo, porque ele recapitula esses estágios iniciais e dá pistas do que pode acontecer lá na frente. Mas, por outro lado, sempre deixou de lado as doenças do envelhecimento, como o Alzheimer. O grafeno acelera esse processo e abre caminho para investigar essas condições de forma muito mais eficiente”, acrescenta Muotri.
Em uma etapa seguinte, os pesquisadores conectaram os organoides a um robô equipado com sensores.
O sistema foi montado em circuito fechado: quando os organoides recebiam estímulos, eles geravam sinais elétricos que eram transmitidos para a máquina. O robô, por sua vez, respondia se movimentando em um pequeno trajeto com obstáculos.
Segundo Muotri, esse tipo de experimento mostra o potencial de criar sistemas neuro-biohíbridos, ou seja, em que um tecido vivo se comunica diretamente com máquinas.
“Ainda estamos longe de falar em consciência ou algo parecido, mas já é um primeiro passo para entender como integrar circuitos biológicos a dispositivos tecnológicos”, disse ele.
Ao g1, o pesquisador lembra que já havia tentado essa interface no passado usando estímulos elétricos, mas os neurônios não resistiam e acabavam sendo danificados.
Com o grafeno, pela primeira vez, foi possível manter essa comunicação de forma crônica e estável, sem comprometer as células.
Ainda segundo ele, esse avanço permite imaginar organoides sendo usados para computação biológica ou até para movimentar robôs durante anos, sem perda de viabilidade.
O teste com o robô teve dois objetivos: mostrar que a estimulação crônica era possível e verificar se o organoide conseguia aprender tarefas simples. No ensaio, o robô precisou desviar de obstáculos em um labirinto e conseguiu ter 100% de sucesso após o treinamento, de maneira semelhante ao aprendizado de um bebê que começa a evitar bater em móveis. — Alysson Muotri, cientistas brasileiro e pesquisador da Universidade da Califórnia em San Diego (UCSD).
Limitações e próximos passos
Apesar do impacto, os próprios cientistas ressaltam que a pesquisa está ainda bastante no início.
Os organoides não chegam perto da complexidade de um cérebro humano completo e, portanto, não podem reproduzir de forma fiel todas as funções neurológicas.
Além disso, a conexão feita com o robô foi bastante básica, servindo mais como uma prova de conceito do que como uma aplicação prática. “Estamos apenas começando a explorar esse território”, afirma Muotri.
Os próximos passos da equipe incluem refinar o uso do grafeno, aplicar a técnica em outras doenças neurológicas — como Parkinson e epilepsia — e testar como esses organoides podem interagir com sistemas computacionais mais avançados.
“O mais interessante é que começamos a ver a capacidade dos organoides de armazenar memórias e resgatar essas informações quando necessário. Isso abre a possibilidade de treinar esses minicérebros para realizar tarefas e lembrá-las até anos depois”, acrescenta o cientista.
O post Alzheimer: cientistas aceleram amadurecimento de ‘minicérebros’ apareceu primeiro em Correio de Carajás.