BELÉM – Miséria e lotação nas escadarias dos Correios: amanhã, 22, inspeção judicial

A Justiça Federal do Pará determinou a realização de uma inspeção judicial para amanhã, dia 22 de agosto, no prédio-sede dos Correios em Belém, localizado na avenida Presidente Vargas, no coração da cidade. A medida ocorre em um processo iniciado em maio de 2023, após ação movida pela própria estatal, que pediu providências contra o uso das escadarias do edifício por pessoas em situação de rua e solicitou que o Município de Belém e a Fundação Papa João XXIII (Funpapa) fossem responsabilizados pela criação de medidas adequadas de acolhimento.

Em janeiro de 2024, durante audiência de conciliação, a prefeitura e a Funpapa comprometeram-se a realizar um mutirão de cidadania, regularizando documentos, cadastrando os moradores de rua em programas oficiais e buscando incluí-los em políticas públicas. Também prometeram apresentar um estudo de viabilidade para a instalação de barracas provisórias.

Entretanto, entre junho e julho do mesmo ano, o Ministério Público Federal (MPF), a Defensoria Pública da União (DPU) e os Correios relataram à Justiça que os compromissos foram descumpridos. Segundo essas instituições, houve apenas uma ação pontual, de impacto quase nulo diante da dimensão do problema. Além disso, nenhum estudo sobre as barracas foi entregue.

Em dezembro de 2024, a Justiça reconheceu o descumprimento e deu novo prazo de 90 dias para que a prefeitura e a Funpapa realizassem um diagnóstico detalhado da população em situação de rua, organizassem mutirão de documentação e identificassem espaços alternativos de acolhimento, já que o Município alegou inviabilidade do uso de barracas.

A prefeitura e a Funpapa recorreram em março de 2025, levando o caso ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), em Brasília. Alegaram que a decisão ampliou obrigações além do acordado, criou encargos sem previsão orçamentária e desconsiderou que a União também tem responsabilidade no tema. O recurso ainda não foi julgado.

Recurso judicial e precariedade

Enquanto isso, em junho passado, a prefeitura pediu à Justiça no Pará a suspensão da apuração de descumprimento até que o TRF1 decida, além de requerer que não fosse aplicada multa. Alegou que a Funpapa realizou cinco ações de abordagem social entre fevereiro e março, e que não encontrou permanência fixa de acampamentos nas escadarias dos Correios.

A narrativa, porém, não convenceu. Os Correios anexaram fotos de julho mostrando aumento do número de pessoas vivendo no local. O MPF também reforçou a denúncia, apresentando relatórios, pareceres e laudos periciais que demonstram não apenas o descumprimento das ordens judiciais, mas também a precariedade dos abrigos existentes em Belém.

Segundo o órgão, a cidade tem hoje apenas 40 vagas para acolhimento, e não 90, como a prefeitura informou oficialmente — número considerado inverídico pelo MPF.

Diante disso, o procurador regional dos Direitos do Cidadão, Sadi Machado, pediu a aplicação de multas, além de exigir que a prefeitura e a Funpapa realizem contagem oficial da população em situação de rua, comprovem atendimento individualizado (documentação, cadastros, acesso a políticas públicas) e apresentem medida emergencial de acolhimento para os que vivem nas escadarias dos Correios, na Avenida Presidente Vargas.

A juíza federal Hind Ghassan Kayath, responsável pelo caso, determinou a inspeção judicial para o próximo dia 22.


Comentários críticos

  1. Um problema estrutural mascarado por medidas paliativas
    A Prefeitura insiste em alegar dificuldades orçamentárias e atribuir responsabilidades à União, mas ignora que a omissão diante da população em situação de rua é também reflexo de prioridades políticas locais. O número de vagas em abrigos — apenas 40 — é escandalosamente incompatível com a realidade de uma capital com mais de 1,5 milhão de habitantes.
  2. Omissão e maquiagem de dados
    A denúncia de que a Prefeitura apresentou informações inverídicas sobre a quantidade de vagas em abrigos revela um padrão de maquiagem estatística que não é novidade em gestões públicas. Manipular números não resolve o problema; apenas posterga decisões e cria descrédito institucional.
  3. O conflito entre discurso e prática
    Apesar de prometer mutirões e estudos, a Prefeitura entregou apenas ações pontuais, que servem mais para produzir manchetes temporárias do que soluções efetivas. O contraste entre o discurso oficial e a realidade constatada em relatórios do MPF evidencia a falta de compromisso com a execução das medidas.
  4. Judicialização da política social
    O caso mostra como o Judiciário vem sendo obrigado a assumir um papel de gestor indireto de políticas públicas — algo que deveria ser função prioritária do Executivo. O recurso ao TRF1 soa menos como defesa institucional e mais como estratégia para ganhar tempo.
  5. Impacto simbólico e social
    As escadarias dos Correios, um dos prédios mais emblemáticos do centro de Belém, tornaram-se palco de disputa judicial. Mas, no fundo, o que está em jogo não é apenas a limpeza de uma fachada histórica, e sim a invisibilidade de centenas de pessoas que vivem à margem, sem política habitacional, sem saúde, sem assistência.

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