A Justiça de Belém determinou que o Consórcio Boulevard Shopping Belém, antigo Doca Boulevard, instale e mantenha barreiras físicas definitivas, como redes de contenção, nos vãos de seus andares para evitar casos de suicídio. A decisão, proferida pela magistrada Rachel Rocha Mesquita, da 5ª Vara da Fazenda Pública, atende parcialmente a uma Ação Civil Pública movida pela Associação de Educação, Cultura, Proteção e Defesa do Consumidor e Meio Ambiente do Brasil (Adecambrasil).
A sentença destaca a falha do shopping em seu dever de segurança, classificando a reiteração de suicídios no local como um “fortuito interno” inerente ao risco do negócio, e não como um evento imprevisível.
A Adecambrasil argumentou na ação que, desde sua inauguração, o shopping tem sido palco de inúmeros suicídios, facilitados pela sua arquitetura de múltiplos andares com grandes vãos. A associação anexou vídeos de um dos incidentes mais recentes, ocorrido em maio de 2023, para reforçar a alegação de negligência.
A defesa do shopping, por sua vez, refutou as acusações, alegando que os suicídios são atos imprevisíveis, decorrentes de transtornos mentais, e que a responsabilidade primária pela prevenção seria do Estado. O Consórcio afirmou ainda que as medidas de segurança, como a instalação de redes e a criação de uma sala de acolhimento com profissionais, foram tomadas de forma proativa.
Juíza aponta “Inércia” do Shopping
A magistrada Rachel Rocha Mesquita, ao analisar o caso, rejeitou todas as preliminares do shopping. Em sua decisão, ela considerou que o interesse da causa pública, que busca reverter uma possível indenização para um fundo estadual, justifica a competência da 5ª Vara da Fazenda Pública.
A juíza também considerou a legitimidade da associação para a proposição da ação e descartou a alegação de perda do objeto, ao notar a cronologia dos fatos. A sentença aponta que a petição inicial foi protocolada em 29 de maio de 2023, enquanto as medidas de segurança no shopping foram iniciadas em 2 de junho, reforçando que as ações foram uma reação à ordem judicial e não iniciativas voluntárias.
“A conduta pretérita de abandonar medidas paliativas… demonstra a inércia da ré em agir de forma definitiva sem a coerção judicial”, escreveu a magistrada. No caso em tela, a reiteração de suicídios nas dependências do Boulevard Shopping Belém, ao longo de mais de uma década, não pode ser tratada como mero “infortúnio” ou evento imprevisível.
A própria arquitetura do local, com seus vãos e andares elevados, aliada à notória recorrência dos fatos, segundo a magistrada, transformou o shopping em um local que, por sua configuração e histórico, se tornou propício a tais ocorrências. A omissão da administração em adotar medidas preventivas eficazes e definitivas, mesmo diante da publicidade e da pressão social, configura uma falha no dever de segurança que se espera de um estabelecimento de grande porte e circulação.
Risco-proveito
A alegação da ré de que os suicídios decorrem de “conduta exclusiva dos seus próprios agentes causadores” ou de “transtornos de saúde mental” não afasta sua responsabilidade. Embora a decisão de tirar a própria vida seja complexa e envolva fatores psicossociais, a conduta do shopping em não mitigar os riscos de seu ambiente, que se tornou um local para tais atos, estabelece um nexo de causalidade. A omissão do fornecedor, ao não implementar barreiras físicas adequadas e definitivas, facilitou a consumação desses atos, tornando-se uma condição sine qua non para a ocorrência dos eventos em suas dependências.
“Nesse contexto, os eventos de suicídio não podem ser enquadrados como caso fortuito ou força maior externos, mas sim como fortuito interno, inerente aos riscos da atividade empresarial. O risco-proveito ou risco do empreendimento impõe ao fornecedor a responsabilidade pelos ônus decorrentes de sua atividade lucrativa, incluindo os danos que dela possam advir, mesmo que indiretamente. A jurisprudência pátria tem reconhecido a responsabilidade objetiva de shopping centers em situações de segurança, como furtos em estacionamentos, e, por analogia, o mesmo raciocínio se aplica à segurança da vida e integridade física de seus frequentadores em face de riscos previsíveis e evitáveis dentro de suas instalações”, diz trecho da sentença.
A tese defensiva de que a responsabilidade pela prevenção do suicídio seria exclusiva do Estado é igualmente insubsistente. O dever de proteção à vida e à dignidade da pessoa humana é um valor fundamental que permeia todo o ordenamento jurídico, vinculando não apenas o Estado, mas também as relações privadas. Trata-se da eficácia horizontal dos direitos fundamentais amplamente reconhecida.
Responsabilidade solidária
“A responsabilidade do shopping é complementar e solidária, especialmente quando sua omissão contribui para a concretização de riscos à vida de seus consumidores. A confissão da ré de que as medidas de segurança foram implementadas após o ajuizamento da presente ação, e a sugestão de que tais medidas seriam temporárias, reforçam a necessidade da intervenção judicial para garantir a efetividade e a permanência das proteções. A conduta pretérita de abandonar medidas paliativas, conforme narrado na inicial, demonstra a inércia da ré em agir de forma definitiva sem a coerção judicial.
Dessa forma, a conduta omissiva da ré, ao não adotar medidas eficazes e definitivas para prevenir os suicídios em suas dependências, configura ato ilícito que gerou danos e impõe o dever de repará-los, sob a ótica da responsabilidade objetiva consumerista. Considerando a falha na prestação do serviço e o dever de segurança do fornecedor, o pedido de instalação de barreiras físicas definitivas nos vãos entre os andares do shopping mostra-se plenamente procedente. A solução de uma rede de contenção de queda com suporte metálico, conforme detalhado na petição inicial, é a medida mais adequada, eficaz e menos invasiva à arquitetura do local, capaz de mitigar o risco de novas tragédias. A própria ré, embora tardiamente, iniciou a instalação de telas de proteção, o que demonstra a viabilidade técnica e econômica da medida. A imposição judicial visa garantir a permanência e a adequação dessas barreiras, impedindo que sejam removidas ou se tornem ineficazes no futuro”, resume a juíza Rachel Mesquita.
A decisão dela foi parcialmente favorável à Adecambrasil.
Obrigação de fazer: O shopping foi condenado a instalar, em até 90 dias, redes de contenção de queda com suporte metálico de 1,80 a 2,00 metros de altura nos vãos arquitetônicos. O descumprimento da medida resultará em multa diária de R$ 10.000,00, limitada a R$ 200.000,00. A sentença justifica essa intervenção pela necessidade de proteger a vida e a segurança dos consumidores, superando o direito de propriedade privada.
Pedidos Rejeitados: Por outro lado, a magistrada negou os pedidos de indenização por danos morais coletivos e de implementação de programas de prevenção ao suicídio. A juíza argumentou que a condenação à obrigação de fazer já cumpre a função preventiva e que a reparação financeira, neste caso, se aproxima mais da esfera individual das vítimas e testemunhas. Além disso, a magistrada pontuou que a prevenção ao suicídio é uma responsabilidade do Estado e de políticas públicas de saúde, não de uma empresa privada.
A decisão ainda não transitou em julgado, cabendo recurso por parte do Consórcio Boulevard Shopping Belém.
LEIA AQUI A ÍNTEGRA DA DECISÃO
The post EXCLUSIVO – Justiça obriga Boulevard Shopping a instalar telas definitivas contra suicídios appeared first on Ver-o-Fato.