Oposição conquista CPI do INSS e voto impresso avança, frustrando Planalto
Brasília – O governo federal sofreu duas significativas derrotas no Senado na quarta-feira (20), marcando um dia de intensa articulação política e reveses para a coordenação do Palácio do Planalto. A oposição conquistou o comando da recém-instalada Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do INSS e garantiu a aprovação do voto impresso em um destaque ao texto do novo Código Eleitoral na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Os acontecimentos revelaram um cenário de surpresa para governistas e uma bem-sucedida articulação de última hora por parte da oposição.
A primeira derrota governista ocorreu durante a instalação da CPI do INSS. Contrariando as expectativas do Palácio do Planalto, que apostava em nomes alinhados para travar as investigações e evitar desgastes, a oposição elegeu seus representantes para os postos mais importantes da comissão. O senador Carlos Viana (Podemos-MG), da oposição, foi eleito presidente com 17 votos, superando Omar Aziz (PSD-AM), que obteve 13 votos e era considerado favorito com o apoio do presidente Lula e do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP).
Para a relatoria, foi indicado o deputado Alfredo Gaspar (União-AL), também da oposição, preterindo o nome apoiado pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que era o deputado Ricardo Ayres (Republicanos-TO). O documento descreve este resultado como uma “tripla derrota” e um “autêntico ‘apagão’ da coordenação política do presidente Lula no Senado”.
A vitória da oposição na CPI do INSS, conforme o líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ), refletiu uma “articulação de última hora” definida em encontro com o próprio Viana e o líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN). A estratégia, que garantiu uma vantagem de três votos, foi articulada a partir da noite anterior à votação. A comissão foi criada para investigar irregularidades em descontos indevidos sobre aposentadorias e pensões, um esquema que, de acordo com a Polícia Federal e a Controladoria-Geral da União (CGU), pode ter causado prejuízos superiores a R$ 6,4 bilhões.
Governistas reconheceram terem sido pegos de surpresa. O líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP), atribuiu a derrota à ausência de parlamentares do MDB, partido de quem o governo contava com votos. “Não contávamos que o deputado Rafael Britto, do MDB, estaria fora do Brasil. Foi uma questão de regimento. Esta situação será contornada”, afirmou Rodrigues, minimizando a perda de comando da CPI como uma “tragédia para o governo”.
Entre os pontos sensíveis para o governo, a instalação da CPI controlada pela oposição pode levar à convocação de figuras como o ministro da Previdência, Carlos Lupi, seu sucessor Wolney Queiroz, o presidente do INSS, Gilberto Waller Júnior, e o ex-chefe do instituto Alessandro Stefanutto.
A estratégia da base governista na comissão será a de associar as fraudes a gestões anteriores, em especial ao período do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Parlamentares petistas como Paulo Pimenta (RS), Alencar Santana (SP), Rogério Carvalho (SE) e Fabiano Contarato (ES) integrarão a linha de frente do Planalto na comissão, buscando explorar essa narrativa. Paralelamente, parlamentares bolsonaristas pressionam pela convocação de Frei Chico, irmão do presidente Lula e vice-presidente do Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos (Sindnapi), cuja verba do sindicato teve um aumento significativo durante o governo Lula, turbinada por descontos na folha de aposentados. A entidade foi citada em relatório da CGU sobre possíveis fraudes, embora Frei Chico não seja investigado e o sindicato negue irregularidades.
Diante do cenário adverso, o governo busca agora reverter o prejuízo, trabalhando para conquistar a maioria dos integrantes no colegiado da CPI e, assim, tentar controlar os trabalhos. O objetivo é barrar convocações que possam prejudicar a imagem governamental. Com a blindagem da maioria, as sessões da CPMI tendem a se tornar um “palco político para discursos inflamados e pouco avanço nos trabalhos”, com a disputa por convocações e quebras de sigilo entre governistas e bolsonaristas.
Composição da CPI do INSS: A comissão é composta por senadores e deputados titulares:
- Senadores titulares: Eduardo Braga (MDB/AM), Renan Calheiros (MDB/AL), Professora Dorinha Seabra (UNIÃO/TO), Carlos Viana (PODEMOS/MG), Plínio Valério (PSDB/AM), Eliziane Gama (PSD/MA), Cid Gomes (PSB/CE), Jorge Seif (PL/SC), Izalci Lucas (PL/DF), Eduardo Girão (NOVO/CE), Rogério Carvalho (PT/SE), Fabiano Contarato (PT/ES), Leila Barros (PDT/DF), Tereza Cristina (PP/MS), Damares Alves (REPUBLICANOS/DF).
- Deputados titulares: Coronel Chrisóstomo (PL/RO), Coronel Fernanda (PL/MT), Adriana Ventura (NOVO/SP), Paulo Pimenta (PT/RS), Alencar Santana (PT/SP), Alfredo Gaspar (UNIÃO/AL), Duarte Jr. (PSB/MA), Julio Arcoverde (PP/PI), Rafael Brito (MDB/AL), Sidney Leite (PSD/AM), Romero Rodrigues (PODEMOS/PB), Beto Pereira (PSDB/MS), Mário Heringer (PDT/MG), Bruno Farias (AVANTE/MG), Marcel van Hattem (NOVO/RS) (78800.pdf).
Voto Impresso aprovado na CCJ em outra derrota governista
Em paralelo à instalação da CPI do INSS, o governo enfrentou outra derrota na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. A CCJ aprovou, por 14 votos a 12 e uma abstenção, um destaque ao texto do novo Código Eleitoral que permite a volta do voto impresso nas eleições. O tema, amplamente debatido nos últimos meses, não havia sido incluído no texto-base do projeto por falta de consenso. O relator da matéria, senador Marcelo Castro (MDB-PI), já havia rejeitado emendas que propunham a impressão de comprovantes em urnas eletrônicas.
O texto do destaque aprovado é “rigorosamente idêntico” ao que foi rejeitado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2021, que o considerou inconstitucional. A expectativa é que, caso o Código Eleitoral seja aprovado com essa inclusão, o PT ou partidos satélites ingressem novamente na Corte Suprema para derrubar a medida, o que “deverá piorar ainda mais a relação entre os dois Poderes”.
O destaque prevê que cada voto terá registro digital assinado digitalmente, garantindo “segurança e auditabilidade”. A urna imprimirá o registro do voto, que será depositado automaticamente e sem contato manual do eleitor. O processo de votação só será concluído após o eleitor confirmar a correspondência entre seu voto e o registro impresso exibido pela urna eletrônica.
A aprovação do destaque sobre o voto impresso, apresentado pelo senador Esperidião Amin (PP-SC), ocorreu com a sessão da CCJ já “esvaziada”, enquanto os governistas testemunhavam a derrota na disputa pela presidência da CPI do INSS. Desde a noite anterior, a oposição havia mobilizado seus correligionários para a sessão.
Outros pontos relevantes foram deliberados na CCJ:
- Financiamento de Campanhas: Foi aprovado, por 15 votos a 10, um destaque que permite o aumento de 100% de recursos próprios para o financiamento de campanhas. As regras atuais limitam a doação para si mesmo em 10% do valor máximo de despesas permitidas; o percentual subirá para 20%. Para valer nas eleições de 2026, o texto ainda precisa passar pelo plenário do Senado, ser aprovado pela Câmara e sancionado até outubro deste ano (78800.pdf).
- Cota de Gênero: A sessão da CCJ foi marcada por discordâncias, incluindo manifestações da bancada feminina do Senado. O substitutivo inicial de Marcelo Castro havia proposto a substituição da cota de 30% de candidaturas femininas por uma reserva de 20% das cadeiras na Câmara dos Deputados, nas assembleias legislativas e nas câmaras municipais (com exceção do Senado). Contudo, um destaque aprovado posteriormente garantiu a manutenção da cota de 30%. A questão ainda deverá ser decidida no plenário da Casa.
- Quarentena para Agentes Públicos: Trechos do projeto foram alterados para possibilitar a aprovação, como em relação à quarentena de agentes públicos que desejam se candidatar. O substitutivo aprovado estabelece um afastamento do trabalho de um ano antes das eleições para agentes de segurança, do judiciário e do Ministério Público. Na primeira versão do texto, o período estipulado era de quatro anos.
- Inelegibilidade: Outro ponto apresentado por Marcelo Castro prevê que políticos condenados passarão a ser inelegíveis por no máximo oito anos, contados da decisão que aplicou a sanção. Atualmente, o prazo é contado a partir do final do cumprimento da pena, legislatura ou mandato.
- Rejeição de Financiamento Empresarial: Em outra negativa a uma pauta bolsonarista, o relator rejeitou uma emenda que pretendia reintroduzir o financiamento empresarial de campanhas, prática proibida desde 2015 pelo STF.
- Penalização por Fake News: As penas estipuladas para quem divulgar fake news durante o período eleitoral foram abrandadas em relação ao texto anterior. O substitutivo manteve a pena atual de detenção de dois meses a um ano, além de multa. Anteriormente, previa-se reclusão de um a quatro anos, além de multa. Peças de campanha feitas com Inteligência Artificial que façam alusão a pessoas físicas também ficam vedadas durante o período eleitoral.
O novo Código Eleitoral substituirá sete leis atualmente em vigor, incluindo o Código Eleitoral de 1965, a Lei Geral das Eleições, a Lei dos Partidos Políticos, a Lei das Inelegibilidades, e legislações sobre plebiscitos, transporte de eleitores e combate à violência política contra a mulher. O projeto foi aprovado pela Câmara em 2021 e estava sob a relatoria de Marcelo Castro desde 2022.
Em suma, o dia no Senado foi marcado por uma série de reveses para o governo, que viu a oposição, através de uma articulação precisa, assumir o controle de uma importante comissão investigativa e avançar com pautas eleitorais caras, como o voto impresso, em meio a discussões sobre o futuro do Código Eleitoral. As implicações dessas movimentações legislativas prometem aquecer o debate político nos próximos meses, com possíveis contestações judiciais e uma redefinição das relações entre o governo e o Congresso.
Reportagem: Val-André Mutran é repórter especial para o Portal Ver-o-Fato e está sediado em Brasília.
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