União Africana apoia campanha contra mapa que diminui continente

A União Africana, composta por 55 Estados-membros, declarou apoio à campanha “Correct the Map” (Corrija o mapa, em português), que defende a alteração do mapa-múndi adotado como padrão mundial. Para a organização, a projeção de Mercator é “ultrapassada” e distorce o tamanho real do continente.

O mapa de Mercator não se trata apenas de representar de forma incorreta o tamanho do Sul Global –trata-se de poder e percepção. Isso precisa mudar”, lê-se no texto da campanha. No Brasil, o presidente do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), Marcio Pochmann, apoia a iniciativa. Ele já apresentou mapas invertidos ou com o país no centro do documento.

A campanha, iniciada pelas organizações Africa No Filter e SpeakUp Africa, conta com um abaixo-assinado com 4.636 assinaturas até a publicação desta reportagem.

OS MAPAS

Por causa do formato do planeta, os países apresentam distorções quando transpostos para o plano, por se tratar de uma superfície tridimensional representada de forma bidimensional.

A depender do cartógrafo, as diferenças podem ser mais ou menos perceptíveis, já que podem ser controladas de certa forma. No caso da projeção de Mercator, os países do norte do globo aparentam ser maiores do aqueles do Hemisfério Sul.

Por mais de 450 anos, baseamos nossa compreensão da África e do mundo em um mapa que está errado. Na verdade, seria possível encaixar os Estados Unidos, China, Índia, Japão, México e grande parte da Europa dentro da África e ainda sobraria terra”, diz a “Correct the Map”.

O professor de geocartografia da Uerj (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e filiado à AGB (Associação dos Geógrafos Brasileiros), Phillipe Valente, afirmou que há uma “intencionalidade” na distorção dos mapas. No caso da projeção de Mercator, o intuito era auxiliar na navegação. “Mercator não estava errado”, disse.

Este tipo de mapa foi criado por Gerardus Mercator em 1569 e, desde então, é o formato mais comum usado na representação da Terra. Segundo Valente, essa popularidade se deu por causa do contexto histórico em que o modelo foi desenvolvido. A prensa de Gutenberg fez com que mais pessoas tivessem acesso a mapas e, por causa do período das Grandes Navegações, Mercator se tornou o padrão que perdura até hoje.

Além disso, a internet também contribuiu para que essa projeção permaneça relevante com o Web Mercator: o modelo criado no século 17 é fácil de adaptar às telas. Até 2018, este era o padrão do Google Maps. Hoje, a plataforma exibe, também, o planeta em formato esférico.

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Reprodução/The New York Public Library

O mapa acima é um exemplo de modelo de Mercator, disponibilizado pela The New York Public Library. Nele, é possível ver que a Groenlândia (ao Norte) é quase do tamanho do continente africano (ao Sul). Na realidade, o território do continente é de 30.370.000 km², enquanto o da ilha equivale a 2.166.000 km². Ou seja, a África é cerca de 14 vezes maior. “Há, também, implicações políticas e a afirmação de questões como o colonialismo”, afirmou Valente.

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Reprodução/The New York Public Library

Nesta outra imagem (também de Mercator), além da distorção entre os tamanhos dos países, os EUA estão posicionados de forma central. A escolha reforça o papel político dos mapas, questão debatida pelas organizações africanas que reivindicam o uso de uma nova projeção.

O mapa é um instrumento de poder. Um grande problema da história da cartografia é reunir esses mapas nas mãos de poucas pessoas”, disse o professor.

No “Equal Earth” (“Terra Igual”, em português), o novo modelo defendido pela campanha africana, os países do Sul global são alongados de forma a reduzir as distorções. No site, outras versões do mapa são disponibilizadas –incluindo opções com diferentes continentes no centro e invertidas, com o Sul no topo.

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Reprodução/Equal Earth

Eis a comparação entre a projeção de Mercator (em azul) e o mapa sugerido pelas organizações africanas (em vermelho):

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Reprodução/Correct The Map

Os Estados africanos não são os únicos que optam por outra forma de representação do planeta. Em países asiáticos, como Japão, China e Coreia, é comum que eles estejam representados no centro do mapa.

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Reprodução/Reddit Zakoura

O IBGE

Em seu perfil no X, o presidente do IBGE demonstrou apoio à campanha. Na publicação, Pochmann mencionou que o instituto também apresentou outras possibilidades de representação do mapa-múndi.

Desde 2024, o IBGE inova com mapas do Brasil no centro do mundo e com o mapa-múndi invertido diante do protagonismo do Sul Global”, disse.

Em abril do ano passado, o instituto lançou a 9ª edição do Atlas Geográfico Escolar. Nele, o Brasil foi posicionado centralmente. Também em publicação no X, Pochmann relacionou o mapa às representações de símbolos nacionais, como o hino e a bandeira.

É um dever do IBGE destacar a importância desta publicação na formação do povo brasileiro”, escreveu.

Veja o mapa:

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Reprodução/IBGE

Já em 2025, outro modelo foi apresentado: além do Brasil centralizado, a imagem também é invertida.

A novidade busca ressaltar a posição atual de liderança do Brasil em importantes fóruns internacionais, como no Brics, Mercosul e na realização da COP30 no ano de 2025”, afirmou Pochmann na rede social.

Eis o modelo:

O Poder360 procurou a União Africana por meio de e-mail para perguntar se gostaria de se manifestar a respeito da campanha “Correct The Map”. Não houve resposta até a publicação desta reportagem. O texto será atualizado caso uma manifestação seja enviada a este jornal digital.