Bolsonaro movimentou R$ 44 milhões e é alvo de novo relatório da PF sobre lavagem de dinheiro

A PF mapeia ainda a possibilidade de dinheiro proveniente do exterior ter sido internalizado por meio de remessas fracionadas ou operações de câmbio em espécie. O relatório destaca movimentações que totalizam R$ 105,9 mil em câmbio

Por Sandra Venancio – Foto Gustavo Moreno/STF

O cerco da Polícia Federal a Jair Bolsonaro (PL) ganhou novos contornos explosivos. Relatório obtido pela Folha de S.Paulo aponta que o ex-presidente movimentou R$ 44,3 milhões entre março de 2023 e junho de 2025, em operações que levantam suspeitas de lavagem de dinheiro e dissimulação patrimonial. A análise foi feita com base em dados do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e integra o inquérito sobre a tentativa de obstrução do julgamento da trama golpista, que já resultou no indiciamento de Bolsonaro e de seu filho Eduardo Bolsonaro (PL-SP).

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O levantamento mostra que o período de maior concentração de recebimentos ocorreu entre março de 2023 e fevereiro de 2024, quando Bolsonaro acumulou pouco mais de R$ 30 milhões. Depois, entre 20 de dezembro de 2024 e 5 de junho de 2025, foram mais R$ 11,1 milhões em depósitos. Só em operações via Pix, o montante atingiu R$ 20,7 milhões, sendo R$ 19,3 milhões concentrados em menos de um ano.

Repasses para a família

A PF identificou transferências diretas para familiares em momentos considerados estratégicos:

  • R$ 2 milhões para Eduardo Bolsonaro em 13 de maio de 2025, confirmados em depoimento;
  • R$ 2 milhões para Michelle Bolsonaro em 4 de junho, um dia antes de prestar esclarecimentos à Justiça;
  • Repasse de R$ 30 mil em março e R$ 40 mil em abril para Eduardo, quando ele já se encontrava nos Estados Unidos;
  • Valores enviados também à conta da esposa de Eduardo, Heloísa Bolsonaro, usados para “escamotear” recursos, segundo a PF.

Além disso, Bolsonaro realizou 40 operações em espécie entre janeiro e julho de 2025, totalizando R$ 130,8 mil — prática que chamou a atenção dos investigadores pela ausência de rastreabilidade.

Suspeitas de ocultação

A PF aponta que o ex-presidente recorreu a mecanismos típicos de dissimulação: uso de contas de terceiros, movimentações em dinheiro vivo e operações de câmbio (que somaram R$ 105,9 mil), mesmo estando com o passaporte retido e proibido de deixar o país. Para os investigadores, esses indícios revelam um esquema para sustentar atividades ilícitas no exterior.

Possível origem do dinheiro

As investigações da Polícia Federal ainda não apontaram de forma definitiva a origem dos R$ 44,3 milhões movimentados por Jair Bolsonaro, mas relatórios preliminares indicam que parte relevante pode estar ligada a três frentes principais:

  1. Arrecadações via Pix – Lançadas em 2023 por aliados para custear multas e honorários advocatícios, as campanhas digitais renderam pelo menos R$ 20,7 milhões ao ex-presidente. O volume elevado, no entanto, levanta dúvidas sobre a real natureza dos depósitos e sobre a possibilidade de que os Pix tenham servido como canal de entrada para recursos de origem ilícita.
  2. Doações de apoiadores e empresários – Investigações paralelas do STF apontam que empresários próximos ao bolsonarismo podem ter utilizado as vaquinhas como fachada para transferências disfarçadas, pulverizadas em milhares de operações para escapar da detecção do sistema financeiro.
  3. Operações internacionais – A PF mapeia ainda a possibilidade de dinheiro proveniente do exterior ter sido internalizado por meio de remessas fracionadas ou operações de câmbio em espécie. O relatório destaca movimentações que totalizam R$ 105,9 mil em câmbio, mesmo com Bolsonaro proibido de sair do Brasil.

Para os investigadores, o padrão indica um sistema de ocultação patrimonial que se vale de múltiplos canais — arrecadações populares, transferências para familiares e uso de interpostas pessoas — para dissimular a real origem dos valores. O cruzamento das operações financeiras com vínculos políticos e empresariais ainda está em andamento, mas a suspeita é de que parte dos recursos tenha conexão direta com financiamento de atividades ilegais no exterior e manutenção da rede bolsonarista após o 8 de janeiro.

Defesa reage

A defesa de Bolsonaro não comentou os detalhes da movimentação financeira, mas disse, em nota, que recebeu com surpresa o indiciamento e que “jamais houve o descumprimento de qualquer medida cautelar imposta pelo Supremo Tribunal Federal”. Eduardo Bolsonaro classificou as acusações como um “crime absolutamente delirante”.

Enquanto isso, os investigadores reforçam que o padrão das transações aponta para lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio e tentativa de blindagem de valores diante das medidas judiciais em curso. O inquérito segue em andamento e pode abrir caminho para pedidos de bloqueio de bens e novas medidas cautelares.