Com China reduzindo delegação e analistas preocupados com o quórum, questão hoteleira pode comprometer agendas climáticas em Belém
Brasília – A realização da COP30 em Belém, capital do Pará, a três meses de sua data, enfrenta um desafio significativo de logística e diplomacia. Apenas 47 das 196 delegações esperadas confirmaram sua acomodação até o momento, acendendo um alerta no governo brasileiro e gerando insatisfação expressa por um dirigente da Organização das Nações Unidas (ONU). Este cenário, marcado por discussões tensas sobre os custos de hospedagem e o volume de subsídios, mobiliza uma força-tarefa da Casa Civil e preocupa especialistas quanto ao impacto nas negociações climáticas globais.
A baixa taxa de confirmação foi revelada pelo próprio governo brasileiro após uma reunião com o bureau da UNFCCC (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas), onde o país-sede respondeu a 48 questões relativas à organização e logística do evento. A hospedagem dominou as conversas, que uma fonte descreveu como “muito tensas”. O governo federal adotou a postura de recusar a ampliação de subsídios para delegações de países com renda semelhante ou superior à do Brasil. Além disso, defendeu a revisão do teto da diária subsidiada pela ONU em Belém, atualmente fixada em US$ 144, buscando equipará-la a preços compatíveis com os praticados em grandes centros urbanos brasileiros como Rio de Janeiro e São Paulo.
A insatisfação com a situação ganhou visibilidade internacional através das redes sociais. Juan Carlos Monterrey Gómez, representante do Panamá e um dos vice-presidentes do bureau da UNFCCC, manifestou-se em uma publicação no LinkedIn, qualificando os problemas de hospedagem como “inaceitável fingir que está tudo bem enquanto as delegações enfrentam condições impossíveis”, além de considerá-los “insanidade e um insulto”. Gómez relatou ainda que, durante a reunião, a presidência brasileira teria respondido que ele não compreendia “as regras de procedimento, nem de diplomacia” e que suas palavras eram “inaceitáveis”, evidenciando o clima de atrito nas negociações.
Em termos de dados, há uma discrepância que reflete a complexidade do problema. Enquanto a Secretaria Extraordinária para a COP30 afirma que os dados do governo brasileiro estão mais atualizados, indicando as 47 delegações confirmadas, uma pesquisa interna da própria UNFCCC, à qual o jornal O Globo teve acesso, apontava que apenas 18 delegações haviam confirmado acomodação nas semanas anteriores. O levantamento da UNFCCC, que coletou 147 respostas, revelou que 87% dos entrevistados citaram os preços como o principal entrave para a não confirmação da hospedagem.
Diante do cenário, o governo brasileiro, por meio de Miriam Belchior, secretária-executiva do Ministério Casa Civil, e Valter Correia, secretário-extraordinário para a COP30, expressou a expectativa de que o anúncio das respostas governamentais aos problemas mobilizaria um número maior de delegados a buscar acomodação. Das delegações que já garantiram hospedagem, 39 o fizeram por meio de uma plataforma oficial de reservas, que oferece um número limitado de quartos com preços controlados, enquanto oito optaram por pagar as diárias de mercado, consideradas mais inflacionadas. Notavelmente, a maioria dos países que utilizaram a plataforma oficial são nações desenvolvidas. Para acelerar o processo, uma força-tarefa coordenada pela Casa Civil iniciou contato direto com os países, com foco prioritário nas nações em desenvolvimento, para auxiliar na finalização de suas reservas.
Valter Correia assegurou que o volume de leitos disponíveis não é mais um problema para a COP30 em Belém. “Já temos mapeados e estamos disponibilizando mais de 33 mil quartos, o que que representa mais de 53 mil leitos”, afirmou, superando a demanda da ONU por cerca de 24 mil quartos. Correia enfatizou que a questão a ser atacada agora é a dos preços. Segundo ele, os valores dos quartos especiais negociados pelo governo brasileiro estão em linha com o praticado em outras edições da COP, e seria difícil para o governo avançar muito mais nessa redução. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) também reforçou a particularidade da escolha de Belém como sede, destacando que: “Não é como Paris, não é como Dubai, não vai ser num lugar chique desse. É a Amazônia”, contextualizando a logística e os desafios da região.
Apesar das garantias do governo, o panorama é visto com preocupação por especialistas. Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima, classificou a situação como “bem preocupante”, notando que em COPs anteriores, as reservas eram garantidas com até dez meses de antecedência. Astrini relembrou os percalços da edição de Glasgow, em 2021, que enfrentou problemas por conta da pandemia e baixa oferta, mas sem atingir o nível de tensão atual em Belém. Ele criticou o atraso no lançamento da plataforma oficial de hospedagem, prometida para fevereiro e lançada “só agora”, e a estratégia de “ficar torcendo para os preços baixarem”. Astrini projeta que a maioria dos países provavelmente confirmará presença, mas teme que uma redução no tamanho das delegações possa afetar as negociações, usando a analogia de um “carro sem combustível” para descrever a diminuição da capacidade de avanço.
Tatiana Oliveira, líder de estratégia internacional do WWF-Brasil, reforça esse alerta, apontando que as negociações estão “sob risco” devido à possibilidade de delegações reduzidas. Ela destaca que uma COP possui cerca de 20 itens de negociação, demandando muitos representantes, e a falta de quórum ou a redução das comitivas pode “impedir a adoção de medidas em função do quórum ou deslegitimar as decisões da COP30”. Para Oliveira, as medidas anunciadas até o momento pelo governo são “tardias”, e o número atual de confirmações é “precário para condução das negociações”.
China reduz delegação a metade
A repercussão da crise hoteleira já se manifesta na composição das delegações. A China, por exemplo, planeja enviar uma delegação oficial de cerca de 100 pessoas, um número significativamente menor do que os 190 participantes na COP29 em Baku e os 219 da COP28 em Dubai. Especialistas sugerem que essa redução está relacionada aos problemas de hospedagem em Belém, embora o país asiático não tenha confirmado oficialmente. Li Shuo, diretor do Centro de Clima da China na Asia Society, afirmou seu entendimento de que “eles estão enfrentando os mesmos desafios de hotel que os outros”, questionando a viabilidade financeira para centenas de representantes arcarem com centenas de dólares por noite por duas semanas.
O governador do Pará, Helder Barbalho, por sua vez, defendeu que Belém já possui leitos suficientes para a COP30, reiterando que a crise atual reside nos “abusos dos preços nas diárias cobradas”. Ele revelou que o estado está mobilizando cinco órgãos públicos para mitigar o problema. O impasse da hospedagem é o tema central da reunião agendada para hoje (22/8) entre a ONU e o governo brasileiro. Neste encontro, Valter Correia, responsável pela logística da COP30, reiterou ao jornal Valor que apoia um maior suporte para países menos desenvolvidos e nações insulares, mas manteve uma postura firme em relação aos preços. Correia rechaçou a solicitação da ONU por uma diária máxima de US$ 70, afirmando que “isso não vai acontecer. Vai se pagar o que se paga na cidade, de acordo com oferta e procura”.
Paralelamente a este debate, as obras de preparação em Belém continuam, com um terço dos pavilhões da COP30 já montado e promessa de conclusão até 1º de novembro. Os governos federal e do Pará também se reuniram para tratar do planejamento estratégico de segurança e mobilidade, indicando que, apesar do desafio da hospedagem, outros aspectos organizacionais avançam.
Em suma, a três meses da COP30, o cenário em Belém é de um embate entre a disponibilidade de infraestrutura de leitos e a acessibilidade de seus preços. A baixa adesão das delegações, somada às críticas públicas e às análises de especialistas, aponta para um risco potencial de impacto no quórum e na legitimidade das decisões da conferência climática. Enquanto o governo brasileiro reafirma sua postura em relação aos subsídios e preços, e a cidade avança em outras frentes de preparação, a tensão diplomática e a urgência em resolver o impasse da hospedagem permanecem como o principal foco para garantir o sucesso pleno de um evento de tamanha importância global.
Reportagem: Val-André Mutran é repórter especial para o Portal Ver-o-Fato e está sediado em Brasília.
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