Prepare-se para rir com desespero. O Alienista, essa pequena joia da ironia escrita por Machado de Assis em 1882, não só continua atual — ela parece ter sido escrita anteontem, depois de um passeio do autor pelas notícias do Brasil de hoje. Troque a cidade fictícia de Itaguaí por Brasília, e o Dr. Simão Bacamarte por um certo tipo de gestor tecnocrata com “especialização em Harvard” e fé cega na própria genialidade, e voilà: estamos todos trancados na Casa Verde, achando normal.
A história gira em torno de Bacamarte, um médico renomado que volta à sua Itaguaí natal e resolve aplicar a ciência psiquiátrica com o entusiasmo de um adolescente em seu primeiro curso de coach. Para isso, ele constrói o manicômio Casa Verde e começa a internar todos que, segundo ele, apresentam algum desvio da “normalidade”.
A tal normalidade, claro, é definida por ele mesmo — um critério tão subjetivo que faria inveja a certas decisões judiciais, relatórios técnicos e laudos “independentes” do nosso tempo. Resultado? Quando o médico vê que quase toda a cidade está internada, inclusive sua esposa, seus aliados e até o presidente da Câmara, ele faz o que qualquer gênio faz quando o plano dá errado: muda de teoria e recomeça o ciclo.
E, no fim, conclui que o único louco verdadeiro é ele mesmo — e se interna.
Sim, um homem que prende todo mundo por loucura, solta, prende de novo, e no final acha que o problema é ele. A essa altura, o leitor brasileiro já está rindo com lágrimas nos olhos.
Agora vamos brincar de “Itaguaí ou Brasil de hoje”?
Internar os diferentes – Bacamarte via loucura em tudo que destoava da sua norma. Já no Brasil atual, temos especialistas em “fascismo”, “extrema direita”, “comunismo”, “ideologia de gênero”, “lacração endêmica” e “terrorismo cultural”, todos prontos a trancar quem pensa diferente — se não em manicômios, pelo menos em bolhas de internet ou no xilindró midiático.
Tecnocratas desvairados – Bacamarte é o retrato do tecnocrata obcecado por números e teorias, incapaz de lidar com a complexidade humana. Troque os tratados psiquiátricos pelas planilhas do Ministério da Fazenda, do Banco Mundial ou as diretrizes de “modernização” da educação e da saúde, e verá que o Brasil está cheio de Bacamartes com crachá.
O povo se rebela – No conto, o barbeiro Porfírio lidera uma revolta popular contra o hospício. Hoje, temos redes sociais, panelaços, dancinhas de TikTok. A diferença? Em Itaguaí, a revolta termina com os revoltosos também internados. No Brasil, às vezes termina com eles nomeados para algum cargo de confiança ou com título de honra ao mérito.
A mulher como apêndice reprodutivo – D. Evarista, a esposa escolhida por Bacamarte com base em sua “boa saúde reprodutiva”, serve como crítica sutil à objetificação da mulher. Em 2025, ainda ouvimos candidatos a cargos públicos dizerem que “mulher tem que cuidar da família”, enquanto votam contra licença-maternidade.
Loucura ou método?
Machado de Assis nos mostra que a fronteira entre sanidade e loucura é frágil — especialmente quando o poder entra na equação. O Alienista é uma sátira feroz sobre como a razão, quando usada sem empatia, vira instrumento de opressão. E o Brasil parece ter lido o conto como um manual de instruções.
Na dúvida se estamos todos sãos ou se é hora de bater à porta da Casa Verde, o conselho é simples: se você ainda se espanta com o absurdo, talvez ainda não tenha sido internado. Mas cuidado: por essas bandas, pensar demais ainda pode ser diagnosticado como subversão. Ou, pior: “desvio de conduta”. Nesse caso, vai precisar de “reeducação”.
Machado, se estiver lendo isso aí do céu: pode mandar outro conto. A Casa Verde virou um condomínio de luxo, e a loucura agora se vende como inteligência estratégica.
O alienista socialista e o burguês
Na república tropical de Tupiniquínia, um doutor muito distinto chamado Simão Vermelhante voltou da Sorbonne carregado de livros, teses e uma certeza: o mundo só seria curado pelo Estado. Quanto maior, melhor. Não havia problema — de fome a crise de autoestima — que não pudesse ser resolvido com uma nova secretaria, um imposto criativo ou um programa com sigla bonita.
Vermelhante fundou, com apoio de artistas engajados e de um influenciador vegano com PhD em narrativas pós-coloniais, a Casa Vermelha, destinada a curar os cidadãos contaminados pela praga do “individualismo burguês”.
Começou internando quem não acreditava em revolução cultural permanente. Depois, trancafiou os que se recusavam a usar a linguagem neutra — “quem insiste em dizer ‘o aluno’ ou ‘o cidadão’ precisa de reeducação lexical urgente!”, dizia.
Em pouco tempo, a paranoia tomou conta. Funcionários que ousavam duvidar de políticas públicas que fracassavam (mas eram “históricas”) eram acusados de reacionarismo técnico. Uma jovem professora foi presa na Casa Vermelha por citar George Orwell sem ironia.
Um gari foi internado por varrer uma calçada onde havia um cartaz do Che Guevara. “Iconoclastia de direita!”, berraram.
A revolta veio, liderada por um velho socialista raiz, que ainda acreditava em liberdade de expressão e debate honesto. Ele reuniu alguns centristas, liberais cansados e um anarquista tímido, e protestaram em frente à Casa Vermelha.
Resultado? Todos foram diagnosticados com “alienação estrutural de consciência de classe” e trancados no pavilhão 3, entre os que comiam carne, usavam desodorante aerosol e assistiam a filmes de super-heróis.
No fim, o próprio Simão Vermelhante, após perceber que sua nova teoria sobre sanidade revolucionária excluía até ele mesmo (“afinal, ainda leio Machado de Assis, um burguês mulato do Império!”), decidiu internar-se voluntariamente.
E lá permanece, estudando dia e noite maneiras de reinventar o marxismo usando memes e emojis.
Moral da história:
Quando a ideologia é mais importante que o ser humano, qualquer dissidência vira loucura. E todo o país pode virar um grande manicômio — com financiamento público, claro.
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