O Brasil vive um momento de profunda crise política, marcada por polarização extrema, perseguição à oposição e um governo que, em muitos momentos, parece perdido diante dos desafios nacionais. Nesse cenário, a ausência de lideranças com visão de estadistas — figuras capazes de unir, inspirar e propor soluções acima de interesses partidários — intensifica a instabilidade e deixa a população sem referências de credibilidade e confiança.
Desde as manifestações de junho de 2013, o Brasil entrou em um ciclo de polarização política que se aprofundou com eventos como o impeachment de Dilma Rousseff em 2016, a eleição de Jair Bolsonaro em 2018 e o retorno de Luiz Inácio Lula da Silva ao poder em 2023. A sociedade brasileira, antes unida em demandas por melhores serviços públicos, fragmentou-se em trincheiras ideológicas. A intolerância virou regra do “nós” e “eles”.
Segundo a pesquisa Edelman Trust Barometer de 2023, 78% dos brasileiros consideram o país mais dividido ideologicamente do que no passado, e 80% apontam o aumento da falta de respeito mútuo entre cidadãos. Essa divisão não é apenas política, mas social, permeando relações pessoais e ambientes de trabalho, onde apenas 29% dos brasileiros se dizem dispostos a ajudar quem pensa diferente.
A polarização é alimentada por um discurso de ódio e intolerância, amplificado pelas redes sociais, que substitui o diálogo por ataques pessoais e narrativas maniqueístas. Esquerda e direita, representadas respectivamente por petistas, psolistas e bolsonaristas, entrincheiraram-se em posições irreconciliáveis, dificultando a construção de consensos.
A crise econômica, com inflação persistente e falta de investimentos em áreas como saúde e educação, somada às denúncias de corrupção, como as reveladas pela falecida Operação Lava Jato, intensificou o descontentamento popular, criando um terreno fértil para o extremismo.
Oposição e governo
A oposição, particularmente o bolsonarismo, enfrenta acusações de golpismo dos adversários e denuncia perseguição política, com ações judiciais contra figuras como o ex-presidente Jair Bolsonaro. Ele será julgado no começo de setembro próximo e sua sentença já está carimbada por ministros do STF que o odeiam: a condenação.
Essa percepção de perseguição fortalece a narrativa de vitimização, mantendo a base bolsonarista mobilizada, mas também aprofunda o abismo entre os polos políticos.
Por outro lado, o governo Lula, em seu terceiro mandato, enfrenta desafios de governabilidade e falta de projetos sociais. A popularidade do presidente caiu e a economia patina sob um rombo fiscal que compromete as finanças públicas. É um governo que gasta muito e gasta mal.
A fragmentação do Congresso, com partidos guiados por interesses particulares e emendas parlamentares, por outro lado, dificulta a articulação política e compromete a implementação de políticas públicas eficazes.
O governo, descrito como fraco e perdido, luta para responder às pressões internas e externas. A interferência do Supremo Tribunal Federal (STF) em decisões políticas, como a atuação em temas que caberiam ao Legislativo, agrava a crise de representatividade e reforça a percepção de desequilíbrio entre os poderes.
Essa desorganização institucional, somada à falta de lideranças partidárias com visão nacional, transforma o Congresso em um espaço de barganhas, onde interesses coletivos são frequentemente sacrificados.
Um vazio de lideranças
Em meio a esse cenário, a falta de estadistas é um dos fatores mais críticos. Estadistas são líderes que transcendem interesses partidários ou pessoais, guiados por uma visão de longo prazo para o bem comum. No Brasil, figuras históricas como Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek ou até Tancredo Neves, em momentos de crise, conseguiram articular consensos e inspirar a nação. Hoje, no entanto, a política brasileira é dominada por figuras movidas por interesses imediatistas, sejam financeiros, eleitorais ou ideológicos.
Os partidos políticos, que outrora tinham líderes com influência nacional, tornaram-se “empresas” focadas em negociações opacas. Essa perda de identidade partidária, aliada à fragmentação do sistema político, impede o surgimento de lideranças capazes de unificar o país. A ausência de um “grande grupo orgânico” que proponha saídas democratizantes e inclusivas, como sugerido por Marcos Napolitano, deixa o Brasil refém de um presidencialismo de coalizão disfuncional, onde a governabilidade depende de trocas de favores.
A desconfiança da população
A falta de estadistas tem um efeito devastador na confiança da população. Sem líderes que inspirem credibilidade, os brasileiros veem as instituições democráticas como frágeis e desconexas. A pesquisa Edelman Trust Barometer aponta que apenas as empresas privadas e ONGs mantêm algum grau de confiança, enquanto o governo e o Congresso enfrentam descrédito generalizado. O Judiciário, por sua vez, bate recordes de desconfiança.
A polarização, agravada pela desinformação nas redes sociais, faz com que a população perceba qualquer opinião divergente como uma ameaça, levando ao silenciamento e à autocensura.
A ausência de diálogo, como destacado por Celso Ferreira Nery, transforma a política em um “campo minado de ressentimentos”, onde a razão é substituída pelo ódio. Sem estadistas para mediar conflitos e propor soluções pragmáticas, a população se sente órfã de referências que promovam unidade.
A violência verbal e física, como os episódios de confronto entre apoiadores de diferentes espectros políticos, reflete essa desumanização do adversário, minando a convivência social.
Caminhos para a pacificação
A pacificação do Brasil exige a emergência de lideranças com características de estadistas: visão estratégica, capacidade de diálogo e compromisso com o interesse nacional. Uma reforma política que reduza a fragmentação partidária, como sugerido por Napolitano, poderia fortalecer a governabilidade e incentivar a formação de partidos com projetos claros.
Além disso, o Executivo precisa retomar a liderança na formulação de políticas públicas que atendam às demandas por saúde, educação e segurança, enquanto o Legislativo deve priorizar sua função de legislar e fiscalizar, em vez de se render às emendas e ao “orçamento secreto”.
O Supremo Tribunal Federal (STF), hoje comandado pelo ministro Alexandre de Moraes, espécie de caudilho togado, precisa retornar à posição original de guardião da Constituição. A percepção na maioria da população é de que o STF virou partido político e braço do atual governo. E que, em vez de aplicar a Constituição, passou a interpretá-la de acordo com as idiossincrasias de seus ministros.
A sociedade civil também tem um papel crucial. Resgatar o diálogo, como defendido por Breno Augusto Pinto de Miranda, exige que cidadãos pratiquem a escuta e a empatia, reconhecendo que a pluralidade é a essência da democracia.
Investir na educação política, combatendo a desinformação e promovendo debates baseados em fatos, é essencial para reduzir a polarização e reconstruir a confiança nas instituições.
O Brasil precisa virar essa página. Precisa de líderes, não de vaidosos com projetos pessoais. Precisa de estadistas, não de ditadores. E precisa, mais que nunca, de uma imprensa que seja espelho da verdade e não cúmplice do engano.
O tempo da polarização estúpida, agressiva e desvairada, tem que acabar. Porque, se não acabar, o Brasil é que acaba.
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