Judah Levy estendeu sobre Belém a generosa marca de seu talento

Quando morreu em 2002, Judah era chamado pela imprensa do Pará de “inventor de edifícios”.

Isto porque foi ele quem, nos anos de 1940, construiu o Piedade e o Renascença, os dois primeiros prédios elevados de Belém.

 Estes prédios não foram apenas propulsores da verticalização de Belém.

Também deram origem ao setor de comercialização de apartamentos, até então inexistente na economia paraense.

Judah, depois de construir os apartamentos, teve de assumir a função de vendedor de apartamentos novos, porque ninguém queria começar a exercê-la.

Assim, se para ver Judah como uma figura relevante na História da Urbanização da capital do Pará já não for bastante o fato de ele ter iniciado o processo de crescimento vertical de Belém, quem pesquisar sua carreira encontrará diversos outros motivos.

Por exemplo, ele foi um pioneiro no setor de comercialização de apartamentos.

E também vendeu terrenos, quando loteou uma área afastada do centro de Belém onde construiu casas, criando ali o Condomínio Lago Azul.

Isto é, inaugurou entre nós o ramo de negócios dedicados à implantação e venda de condomínios, em terrenos desocupados ou usados para outros fins, algo igualmente desconhecido em Belém.

Foi, no entanto, quando teve de vender os apartamentos dos prédios que construiu que se defrontou com grandes resistências.

Pois, em nossa cidade, havia uma convicção generalizada de que as altas temperaturas da cidade transformavam um prédio numa caixa de cimento inapropriada para a instalação de moradores.

Forçado, assim, a atuar neste ramo, o de incorporação de imóveis, Judah criou o Escritório Técnico J. E. Levy.

E teve tanto sucesso que despertou a ambição de outros empresários para aquele setor.

E que, da construção destes novos prédios, resultou o surgimento no Pará de um novo mercado de trabalho para os engenheiros.

Profissionais, durante cem anos, confinados no setor das obras públicas, que tinha de aceitar o destino de funcionários do Estado.

Porque não existia outra área de exercício profissional para eles.

Na verdade, diversos outros títulos poderiam ser atribuídos a Judah, um ex-aluno da antiga EEP – Escola de Engenharia do Pará, origem do atual Instituto de Tecnologia.

Graças à sua capacidade de ampliar a importância da Engenharia até variadas áreas de atividades.

Por exemplo, num dos seus prédios dos anos de 1960, o belo Edifício Palácio do Rádio, localizado na Avenida Presidente Vargas, Judah instalou outra novidade em Belém: um luxuoso cinema, o Cine Palácio.

E esta não foi a única incursão que ele fez num setor no qual colocou a Engenharia a serviço de atividades de lazer e cultura.

No mesmo período, ele levantou, no Largo de Nazaré, outro cinema, o Cinelândia.

Desta vez, o maior que os paraenses já tinham visto, com capacidade para abrigar 1.200 espectadores. 

Depois, Judah voltou sua atenção para um setor carente de bons prédios, naquela época, o de hotelaria.

E estreou neste setor com a construção, equipagem completa e venda do Hotel Gram-Pará, diante da Praça da República.

Esta faceta pública de empreendedor não era a única de Judah, porém.

Porque, em sua vida privada, ele era um judeu movido por sentimentos de respeito às religiões.

E quis servir, como engenheiro,de forma ecumênica, sem cobrar nada, não só aos judeus, mas ainda a diversas comunidades religiosas.

Para seus irmãos judeus,Judah concluiu as obras de construção da sinagoga da Avenida Arcipreste Teodoro.

E levantou outra sinagoga, na Rua Campos Sales.

(E mais uma, em Manaus).

Para os católicos, ele desenhou a capela que foi, depois, construída por um ex-professor seu, na EEP, Domingos Acatauassu Nunes, no sítio que pertencia àquele ex-docente, na Ilha do Marajó.

Em Capanema, projetou uma igreja, a pedido do vigário Inácio de Magalhães.

Para os espíritas, Judah projetou o Lar de Maria, levantado no Largo de São Brás, e, fiscalizou as obras de sua execução.

A rigor, se pode dizer sem temer exagerar que a produção de Judah moldou o panorama urbano de Belém, em sua época.

Nem por isto, contudo, suas realizações se concentraram somente na capital paraense.

Judah foi ainda o primeiro engenheiro, nascido e formado no Pará, a montar uma empresa de construções, fora do seu Estado.

Ele criou, no Rio de Janeiro, no início dos anos de 1940, a Imobiliária Sul-americana, com a intenção de construir em bairros nobres da valorizada Zona Sul, como o Jardim Botânico, Copacabana, Botafogo, Flamengo e Catete.

Em Copacabana, introduziu, na Rua Sá Ferreira, número 73, em 1943, o nome de um personagem da História do Pará.

Até hoje, está lá, de pé, o Edifício Visconde de Arari.

Naquele mesmo período, no Catete, à Rua Bento Lisboa, 159, apareceu um prédio dele, com o nome de Barão do Marajó.

Uma homenagem de Judah ao brilhante diretor da Secretaria de Obras Públicas do Pará, cujo nome de batismo era José Coelho da Gama e Abreu.

Foi quem construiu, na segunda metade dos anos de 1800, o Palácio Antônio Lemos, atual Museu de Arte de Belém.

Estas e outras obras de Judah, no Rio de Janeiro, despertaram, em 1999, o interesse de Alex Nicolaeff, então, subprefeito, do Centro Histórico daquela cidade.

Naquele momento, Alex estava organizando a publicação de um álbum com imagens de imóveis do Jardim Botânico, dos anos de 1940.

Informado pelo Grupo de Memória da Engenharia da UFPA de que Judah Levy havia levantado prédios naquele bairro carioca, naquele período, Nicolaeff, ordenou que a fotógrafa Selma Tavares fotografasse as obras do paraense.

*Oswaldo Coimbra é escritor e jornalista

English translation (tradução para o inglês)

Judah Levy left Belém the generous mark of his talent.

When he passed away in 2002, Judah was referred to by the press in Pará as an “inventor of buildings.”

This was because, back in the 1940s, he was the one who built the Piedade and the Renascença, the first two high-rise buildings in Belém.

These buildings were not only the catalysts for the city’s vertical expansion.

They also gave rise to the apartment sales sector, which until then did not exist in Pará’s economy.

After building the apartments, Judah himself had to take on the role of selling them, since no one else wanted to start in that business.

Thus, if initiating Belém’s vertical growth were not already enough to establish Judah as a relevant figure in the history of urbanization in Pará’s capital, anyone who researches his career will find many other reasons.

For example, he was a pioneer in the commercialization of apartments.

He also sold lots of land, when he subdivided an area away from downtown Belém and built houses there, creating what became the Lago Azul Condominium.

In other words, he inaugurated in Belém the business sector dedicated to developing and selling residential condominiums on previously vacant or repurposed land—something entirely new at the time.

It was, however, when he had to sell the apartments of the buildings he had constructed that Judah faced strong resistance.

In the city, there was a widespread conviction that Belém’s high temperatures would turn any building into a cement oven, wholly unsuitable for housing.

Thus forced to enter the real estate development business, Judah created the J. E. Levy Technical Office.

He was so successful that he stirred the ambitions of other entrepreneurs in the sector.

And from the construction of these new buildings emerged a new labor market in Pará for engineers.

For a hundred years, professionals in this field had been confined to public works and forced into careers as state employees.

There simply was no other professional arena for them.

In truth, many other titles could be attributed to Judah, a former student of the old EEP – Escola de Engenharia do Pará (School of Engineering of Pará), the institution that would become today’s Institute of Technology.

Thanks to his ability to expand the scope of engineering into a variety of activities.

For example, in one of his 1960s buildings, the beautiful Palácio do Rádio Building on Avenida Presidente Vargas, Judah introduced another novelty to Belém: a luxury cinema, the Cine Palácio.

This was not the only instance in which he placed engineering at the service of leisure and cultural activities.

Around the same time, in Largo de Nazaré, he built another movie theater, Cinelândia.

This time, it was the largest theater the people of Pará had ever seen, with seating capacity for 1,200 spectators.

Later, Judah turned his attention to a sector then lacking quality buildings: hospitality.

He entered this field by designing, fully equipping, and selling the Hotel Gram-Pará, located across from Praça da República.

Yet, this public side of Judah as an entrepreneur was not the only one.

In his private life, he was a Jew guided by respect for different religions.

He chose to serve ecumenically, as an engineer, free of charge—not only to Jews, but also to other faith communities.

For his fellow Jews, Judah completed the construction of the synagogue on Avenida Arcipreste Teodoro.

He also built another synagogue on Rua Campos Sales (and another one in Manaus).

For Catholics, he designed a chapel later built by one of his former professors at the EEP, Domingos Acatauassu Nunes, on that professor’s property in Marajó Island.

In Capanema, he designed a church at the request of Father Inácio de Magalhães.

For the Spiritists, Judah designed the Lar de Maria home, built in Largo de São Brás, and supervised its construction.

Strictly speaking, it is no exaggeration to say that Judah’s works shaped Belém’s urban landscape in his time.

Nevertheless, his accomplishments were not confined to Pará’s capital.

Judah was also the first engineer born and educated in Pará to establish a construction company outside his state.

In the early 1940s, he founded Imobiliária Sul-Americana in Rio de Janeiro, aiming to build in prestigious neighborhoods of the city’s South Zone, such as Jardim Botânico, Copacabana, Botafogo, Flamengo, and Catete.

In Copacabana, in 1943, at 73 Rua Sá Ferreira, he introduced the name of a historical figure from Pará.

Still standing today is the Visconde de Arari Building.

Around the same time, in Catete, at 159 Rua Bento Lisboa, another of his buildings appeared, named Barão do Marajó.

This was Judah’s tribute to the brilliant director of Pará’s Public Works Department, José Coelho da Gama e Abreu, known by that noble title.

It was he who, in the second half of the 1800s, built the Palácio Antônio Lemos, today the Museum of Art of Belém.

These and other works by Judah in Rio de Janeiro eventually drew the attention, in 1999, of Alex Nicolaeff, then sub-mayor of Rio’s Historic Center.

At that time, Nicolaeff was preparing the publication of an album featuring images of buildings in Jardim Botânico from the 1940s.

Informed by the Memory Group of Engineering at UFPA that Judah Levy had erected buildings in that neighborhood during that period, Nicolaeff ordered photographer Selma Tavares to document the works of the engineer from Pará.

*Oswaldo Coimbra is a writer and journalist

(Illustration: Announcement of the Cine Palácio inauguration)

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