Megaoperação revela conexão do PCC com Faria Lima

Operação ‘Carbono Oculta’ mobiliza 1.400 agentes, mira 350 alvos em 10 estados e revela a surpreendente infiltração do crime organizado no coração financeiro do Brasil e no setor de combustíveis

Brasília – A “Operação Carbono Oculta” deflagrada nesta quinta-feira (28), não é apenas mais uma ação policial; ela representa a maior e mais abrangente investida contra o crime organizado na história do País, e busca revelar a surpreendente infiltração do crime organizado no coração financeiro do Brasil e no setor de combustíveis.

A dimensão da operação é impressionante, mobilizando 1.400 agentes de diversas forças — Polícia Federal, Polícia Militar, promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público de São Paulo (MP-SP), além de fiscais das Receitas Estadual e Federal. O escopo geográfico abrange dez Estados do País, com um total de 200 mandados de busca e apreensão e a identificação de 350 alvos, demonstrando uma capilaridade e coordenação que desafiam a própria complexidade das redes criminosas.

O principal objetivo da operação é claro: desmantelar a infiltração do crime organizado na economia formal. As investigações revelam uma dezena de práticas criminosas que corroem as bases do sistema econômico brasileiro, incluindo crimes contra a ordem econômica, adulteração de combustíveis, crimes ambientais, lavagem de dinheiro — com destaque para o dinheiro proveniente do tráfico de drogas — além de fraude fiscal e estelionato.

Esta vasta gama de delitos evidencia a versatilidade e a audácia das organizações criminosas em buscar lucro por qualquer meio.

Em entrevista coletiva no Comando da Operação, nesta manhã, em São Paulo, as autoridades estimam prejuízos aos cofres públicos alarmantes. A Receita Federal calcula uma sonegação de R$ 1,4 bilhão em tributos federais, enquanto os tributos estaduais sonegados atingem a cifra de R$ 7,6 bilhões. Somando-se, o esquema criminoso teria subtraído mais de R$ 9 bilhões em impostos, recursos que poderiam ser aplicados em serviços essenciais para a população.

Os tentáculos do PCC no coração da Faria Lima
Um dos aspectos mais chocantes da “Operação Carbono Oculta” é o foco direto na Avenida Faria Lima, coração financeiro do Brasil. Dos 350 alvos, 42 estão concentrados nesta região, incluindo fintechs, corretoras e fundos de investimentos. Isso aponta para uma sofisticada engenharia financeira utilizada para dar aparência de legalidade a ativos ilícitos.

Entre as instituições financeiras investigadas, o BK Bank é apontado como uma peça central. Esta instituição de pagamentos registrou a impressionante marca de R$ 17,7 bilhões em movimentações financeiras suspeitas. O principal cliente do BK Bank, no período sob investigação, foi a distribuidora de combustíveis Aster, que recebeu R$ 2,22 bilhões dessas movimentações suspeitas.

Outra instituição sob escrutínio é a Reag Investimentos. A Reag administrava o fundo de investimentos Location, onde Renato Camargo, identificado como “testa de ferro”, depositou R$ 54 milhões. O banco Santander alertou o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) sobre a incompatibilidade desses depósitos com o patrimônio de Camargo, revelando que R$ 45 milhões daquele montante tinham como origem uma aplicação financeira de uma conta pertencente a Mohamad Hussein Mourad, figura chave da trama. Walter Martins Ferreira III, um dos sócios da Reag, é acusado de auxiliar na ocultação do verdadeiro beneficiário do fundo Location.

O setor de combustíveis usado como elo essencial na trama da teia criminosa
O setor de combustíveis emerge como o outro pilar da investigação. A atuação da distribuidora Aster e da formuladora Copape, ambas ligadas a Mohamad Hussein Mourad e Roberto Augusto Leme da Silva, conhecido como “Beto Louco”, é central para o esquema. A Aster teve suas atividades suspensas pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) em 2024. A investigação aponta que o grupo formado por Copape e Aster era, na verdade, gerenciado por Mourad e “Beto Louco”, com Renato Steinle de Camargo atuando como “testa de ferro”.

“A análise de materiais eletrônicos apreendidos na 1ª fase da Operação Cassiopeia revelou que Renato Steinle de Camargo, diretor administrativo das empresas Copape/Aster, é na verdade ‘testa de ferro’, e que as empresas são geridas, de fato, por Mohamad Hussein Mourad e Roberto Augusto Leme da Silva.”

A teia de conexões familiares e empresariais é complexa. Himad Abdallah Mourad, primo de Mohamad, é diretor da GCX, que controla 103 postos de combustíveis, e da GT Formuladora, que gerencia a distribuidora Arka e os terminais portuários TLOG Terminais e Riolog Terminais. Tharek Majide Bannout, outro parente de Mohamad Mourad, é vinculado ao ramo dos postos de combustíveis por meio da RCG Investimentos e Participações.

A conexão com o crime organizado
Um dos desdobramentos mais graves da operação é a suposta conexão com uma das maiores facções criminosas do país. A RCG Investimentos e Participações, que teria pertencido a Renan Cepeda, investigado na “Operação Rei do Crime” em 2020 por supostas ligações com operadores de Marcola, entra nesse cenário. Renan é sócio de Natalício Pereira Gonçalves Filho na Rede Boxter de Combustíveis, que, segundo os investigadores, é identificada como a rede de postos de gasolina do Primeiro Comando da Capital (PCC).

Esta revelação, se confirmada em todas as instâncias judiciais, sublinha a profunda e perigosa penetração do crime organizado nas camadas mais sensíveis da economia. Não se trata apenas de lavagem de dinheiro, mas de um controle estrutural que distorce mercados, sonega impostos e alimenta a engrenagem do crime com recursos gerados por atividades aparentemente lícitas.

Como resultado direto das investigações, a justiça paulista decretou a indisponibilidade de quatro usinas de álcool, cinco administradoras de fundos de investimentos e cinco redes de postos de gasolina, totalizando 300 endereços de venda de combustíveis pelo País. Além disso, 17 distribuidoras de combustível, quatro transportadoras de cargas, dois terminais de portos, duas instituições de pagamentos, seis refinadoras e formuladoras de combustível, além de 21 pessoas físicas e até uma rede de padarias estão sob investigação.

A “Operação Carbono Oculta” é um divisor de águas. Ela expõe a face mais insidiosa do crime organizado, que não se restringe às ruas e prisões, mas se aninha em centros financeiros, em setores estratégicos da economia e se disfarça sob a roupagem de negócios respeitáveis. A capacidade de atuação da Polícia Federal, Receita e do Ministério Público em desvendar essas camadas de ilegalidade é um testemunho da resiliência das instituições brasileiras.

O caminho para desmantelar completamente essas redes é longo e complexo. Exigirá aprofundamento das investigações, colaboração entre as esferas de fiscalização e justiça, e uma vigilância constante da sociedade civil. O desafio agora é garantir que essa megaoperação se traduza em condenações e na recuperação dos bilhões sonegados, enviando uma mensagem clara de que a economia formal brasileira não será um refúgio para o dinheiro do crime. Esta operação não é apenas sobre números e mandados; é sobre a integridade de um país e a capacidade de suas instituições de defenderem o Estado de Direito e a ordem econômica.
Reportagem: Val-André Mutran é repórter especial para o Portal Ver-o-Fato e está sediado em Brasília.

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