Sem acordo, votação da PEC da Blindagem e do Foro Privilegiado são adiados

Projeto de energia solar e agrofloresta divide plenário; apoio a Apaes e georreferenciamento aprovados, enquanto oposição critica ‘jabutis’ e perseguição política

Brasília – Principal item da pauta da sessão de quarta-feira (27), a votação do Projeto de Emenda à Constituição (PEC) 3/2021, mais conhecida como PEC da Blindagem, frustou seus defensores. A votação foi suspensa após a falta de consenso entre os líderes partidários em uma reunião na residência oficial da Presidência da Câmara, que ocorreu paralelamente ao início da sessão deliberativa do Plenário. A sessão que se estendeu por quase dez horas, navegou por uma agenda legislativa recheada de pautas sociais, econômicas e intensos debates políticos. Dos 15 itens da pauta, 7 foram aprovados e 8 nem chegaram a ser analisados.

A atuação do Judiciário e a situação de ex-líderes do Executivo foram temas recorrentes nas manifestações dos parlamentares durante o período das Breves Comunicações, que antecedeu o início da Ordem do Dia. Votações importantes que impactam desde a regularização fundiária até o apoio a entidades beneficentes foram deliberados.

Requerimentos e projetos aprovados
A Ordem do Dia, que começou sob a presidência do deputado Altineu Côrtes (PL-RJ), concentrou-se na votação de requerimentos de urgência e projetos de lei.

Requerimento de Urgência para PL 1.532/2025 (Georreferenciamento de Imóveis Rurais em Faixa de Fronteira)
Proposta:
Ampliar o prazo para certificação de georreferenciamento e atualização do Sistema Nacional de Cadastro Rural para imóveis em faixas de fronteira.

Discussão: Parlamentares como Rodolfo Nogueira (PL-MS) e Cobalchini (MDB-SC) argumentaram que a prorrogação é “meritória e oportuna”, fundamental para a “segurança jurídica” de produtores rurais, que há “falha” no sistema federal e que muitos “trabalham e lutam para sobreviver” nessas regiões. Em contrapartida, parlamentares do PSOL, como Glauber Braga (PSOL-RJ), Chico Alencar (PSOL-RJ) e Duda Salabert (PDT-MG), opuseram-se, afirmando que a matéria “fragiliza o controle fundiário”, “abre margem para grilagem de terras públicas” e viola “direitos indígenas e quilombolas”, além de ser “contraproducente” no contexto das mudanças climáticas.

Votação: O requerimento foi aprovado com 349 votos “sim” e 11 votos “não” (da bancada PSOL/REDE).

Resultado: O Projeto de Lei nº 1.532/2025 foi aprovado pelo Plenário e segue para sanção presidencial.

Requerimento de Urgência para PL 1.533/2024 (Sistema Nacional de Informação sobre o Desenvolvimento Integral da Primeira Infância)
Proposta: Criar um sistema nacional de informação sobre o desenvolvimento integral da primeira infância.

Discussão: Os deputados Chico Alencar (PSOL-RJ) e José Airton Félix Cirilo (PT-CE) defenderam a importância da medida para fortalecer políticas públicas e garantir a “sobrevivência da humanidade”.

Votação: O requerimento foi aprovado por unanimidade, com o consentimento de todos os partidos.

Resultado: Requerimento aprovado, permitindo que a matéria seja apreciada com urgência.

Requerimento de Urgência para PL 3.865/2025 (Dia de São Miguel Arcanjo)
Proposta: Instituir o dia 29 de setembro como o Dia de São Miguel Arcanjo.

Votação: Aprovado por unanimidade.

Requerimento de Urgência para PLP 128/2022 (Fundo Penitenciário Nacional – FUNPEN)
Proposta:
Definir um percentual mínimo de aplicação de recursos do FUNPEN na capacitação de servidores do sistema penitenciário e policiais penais.

Discussão: Chico Alencar (PSOL-RJ) defendeu a medida, classificando-a como “meritória” para melhorar a formação e dignificar as condições dos apenados. Gilson Marques (NOVO-SC) se opôs, argumentando que a medida “engessa o orçamento”, retira autonomia administrativa e que o valor fixo de 5% não é justificado.

Votação: O requerimento foi aprovado, com ressalva dos votos contrários do Partido NOVO.

Requerimento de Urgência para PL 6.139/2023 (Sistema Brasileiro de Apoio Oficial ao Crédito à Exportação)
Proposta: Estabelecer um sistema de apoio oficial ao crédito para exportações.

Discussão: Eli Borges (PL-TO) e Helder Salomão (PT-ES) defenderam o projeto como crucial para a “segurança jurídica” das empresas e para fomentar as exportações, especialmente para micro, pequenas e médias empresas. Gilson Marques (NOVO-SC) criticou, alegando que transfere o risco do empresário para os “cofres públicos”, “subsidiando” com dinheiro do contribuinte, e que o projeto contém “jabutis” que beneficiam setores específicos e “países como Cuba e Venezuela”.

Votação: O requerimento foi aprovado com 349 votos “sim” e 11 votos “não”, com a bancada do Partido NOVO votando contra.

Projeto de Lei nº 1.707/2024 (Cooperativas Solares, Agroflorestais e Florestas Produtivas)
Autor: Deputado Pedro Uczai (PT-SC)
Relator: Deputado Nilto Tatto (PT-SP)

Proposta original: Incluir cooperativas solares entre as entidades elegíveis para garantia de risco de operações de crédito do Fundo de Garantia de Operações (FGO).

Controvérsia: A proposta foi ampliada com um substitutivo que incluiu a criação de dois novos programas: o Programa Nacional de Desenvolvimento de Sistemas Agroflorestais de Base Agroecológica (PROSAFs) e o Programa Nacional de Florestas Produtivas.

Debate: A discussão foi acalorada. O deputado Gilson Marques (NOVO-SC) e Carlos Jordy (PL-RJ) argumentaram que as adições eram “jabutis”, matérias estranhas ao texto original que viciavam o projeto e beneficiavam “movimentos sociais” e o governo em ano eleitoral, “inchando a máquina pública”. Eles defenderam a versão original do projeto, que consideravam meritória.

Por outro lado, Pedro Uczai (PT-SC), Nilto Tatto (PT-SP), Helder Salomão (PT-ES) e Erika Kokay (PT-DF) defenderam o substitutivo, afirmando que ele aprimora o projeto, promove a “transição energética justa e inclusiva”, fortalece a agricultura familiar, “gera renda” e combate a “crise climática”, enfatizando que o crédito seria para micro e pequenas cooperativas.

O relator Nilto Tatto destacou que a versão final do texto, que incluiu as novas temáticas, buscou “corrigir uma injustiça histórica” com agricultores familiares e que foi fruto de “amplo diálogo” com diversas lideranças partidárias.

Votação Final: A subemenda substitutiva global, incluindo as novas temáticas, foi aprovada por 278 votos “sim”, 110 votos “não” e 1 abstenção. A matéria segue ao Senado Federal.

Projeto de Lei nº 754/2021 (Isenção Tributária para Entidades Beneficentes)
Autor:
Deputado Aureo Ribeiro
Relator: Deputado Amom Mandel (CIDADANIA-AM)

Proposta: Conceder isenção, anistia e remissão de créditos tributários para Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAEs), Associações Pestalozzi e outras entidades beneficentes de assistência social que abriguem idosos e pessoas com deficiência.

Discussão: O relator Amom Mandel ressaltou a “alta relevância” do tema e o “papel social inestimável” dessas entidades. Deputados como Rodrigo de Castro (UNIÃO-MG) e Gilson Daniel (PODE-ES) pediram apoio unânime, destacando o trabalho de acolhimento a idosos e crianças, e a necessidade de “perdão de dívidas” e “extinção de créditos tributários” para essas instituições.

Votação: O substitutivo foi aprovado por aclamação (“por unanimidade”, segundo o Presidente), com acordo da oposição e da base governista.

Resultado: A matéria segue para o Senado Federal.

Votação das PECs adiadas
A PEC 3/2021 busca alterar significativamente as regras para a prisão e o afastamento de parlamentares de seus mandatos por meio de medidas judiciais, além de outras restrições ao controle externo sobre a atuação legislativa, e a PEC 333/2017, que propõe extinguir o foro especial por prerrogativa de função no caso dos crimes comuns, e revoga o inciso X do art. 29 e o § 1º do art. 53 da Constituição Federal tiveram a votação adiadas. Para ser aprovada, uma PEC exige o apoio de, no mínimo, 308 votos em dois turnos.

O eixo da controvérsia
O cerne do embate reside na interpretação dos defensores e críticos da proposta. De um lado, parlamentares da oposição argumentam que a PEC é fundamental para fortalecer o Congresso Nacional e garantir a proteção do exercício do mandato, evitando o que consideram abusos de autoridade.

O deputado Cabo Gilberto Silva (PL-PB) expressou o sentimento de intimidação entre colegas, afirmando que a situação atual configura uma “chantagem explícita” ao Legislativo. Em uma linha semelhante, o deputado Carlos Jordy (PL-RJ), que foi alvo de uma operação policial em 2024, defende que a aprovação da PEC trará “equilíbrio entre os Poderes”, conforme consta no texto analisado.

Do outro lado da balança, a base governista e parlamentares de esquerda rechaçam veementemente a proposta, classificando-a como uma clara tentativa de “blindagem parlamentar”. A deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP) alertou para o risco de a PEC criar uma “autoautorização” para proteger congressistas até mesmo de crimes graves, citando, inclusive, assassinato e pedofilia, com a preocupação de que parlamentares se sintam “acima da lei”. O deputado Ivan Valente (Psol-SP) foi ainda mais categórico, chamando o texto de “absurdo total” e apelando ao relator, Lafayette de Andrada (Republicanos-MG), para que não leve a matéria à votação.

O vice-líder do governo, Márcio Jerry (PCdoB-MA), trouxe uma perspectiva adicional, distinguindo o debate sobre prerrogativas da ideia de blindagem. Segundo ele, as críticas ao funcionamento do Judiciário muitas vezes partem daqueles que se sentem “incomodados com a cobrança da lei por parte do Supremo”, sugerindo que a resistência à PEC reflete a aplicação da lei a quem estaria “fora da lei”.

As mudanças propostas
A PEC 3/2021 propõe alterações substanciais no artigo da Constituição que trata da imunidade parlamentar. As principais modificações detalhadas no documento são:

Inelegibilidade com duplo grau de jurisdição: As restrições da Lei da Ficha Limpa só teriam efeito após confirmação por duas instâncias judiciais, buscando garantir a revisão das decisões antes da retirada de direitos políticos.

– Imunidade material ampliada: Deputados e senadores seriam invioláveis civil e penalmente por suas opiniões, palavras e votos. Abusos seriam tratados apenas no âmbito ético-disciplinar da própria Casa legislativa.

Prisão de parlamentares restrita: A prisão em flagrante só seria permitida para crimes inafiançáveis previstos na Constituição. Mesmo nesses casos, o parlamentar deveria ser entregue imediatamente ao Congresso, que decidiria sobre a manutenção da prisão.

– Vedação ao afastamento judicial: A proposta proíbe o afastamento cautelar de parlamentares por decisão judicial. A perda do mandato só ocorreria nas hipóteses já previstas no artigo 55 da Constituição, como quebra de decoro ou condenação criminal definitiva.

– Controle do STF sobre medidas cautelares: Decisões que interfiram no mandato, como busca e apreensão ou restrições ao exercício da função, só teriam validade após a confirmação do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) e não poderiam ser tomadas em regime de plantão.

– Busca e apreensão com limites: Essas medidas só poderiam ser autorizadas pelo STF e, se realizadas nas dependências do Congresso ou nas residências dos parlamentares, deveriam ser acompanhadas pela Polícia Legislativa. As provas obtidas só poderiam ser analisadas após ratificação do plenário da Corte.

– Direito ao duplo grau de jurisdição: A PEC prevê que ações penais julgadas em instância única por STF, tribunais superiores, TRFs ou tribunais estaduais possam ser objeto de recurso ordinário, reforçando a possibilidade de revisão das decisões.

Essas propostas, em sua totalidade, visam claramente a expandir as salvaguardas legais para congressistas, gerando um tensionamento considerável com o Poder Judiciário. A resistência do Palácio do Planalto e do próprio Supremo Tribunal Federal à PEC é um indicativo da seriedade das implicações.

O adiamento da votação da PEC das Prerrogativas reflete a complexidade e a polarização de um tema que toca diretamente nos pilares da independência dos Poderes. A ausência de um consenso evidencia a dificuldade em conciliar a necessidade de proteção ao livre exercício do mandato parlamentar com a garantia de que a lei se aplique a todos, sem privilégios que possam configurar impunidade. O futuro da PEC permanece incerto, e o debate, longe de ser encerrado, promete novas rodadas de negociação e embates políticos.

Reportagem: Val-André Mutran é repórter especial para o Portal Ver-o-Fato e está sediado em Brasília.

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