Brasil: até que ponto o pensamento “gado” se alimenta no pasto do crescimento do rebanho bovino?

Foto: Arquivo/Agência Brasil

Por Glauco Alexander Lima

No ano 2000, o rebanho bovino no Brasil girava em torno de 145 milhões de cabeças de gado. Hoje, as estimativas de estudiosos do setor são de que esse rebanho ultrapasse 280 milhões de cabeças em 2022. E é sempre bom lembrar que a população de humanos no Brasil hoje é de uns 213 milhões de pessoas. Ou seja, já somos mais um país de bois e vacas do que de pessoas. E nem vamos falar de porcos e galinhas. Em algumas cidades do interior da Amazônia, isso mesmo, da Amazônia, a população de gado é muitas e muitas vezes maior do que a população de humanos.

Mato Grosso tem menos de 3 milhões e meio de humanos e mais 32 milhões de cabeças de gado, respondendo por mais de 14% no rebanho nacional. Isso faz com que a região Centro-Oeste permaneça líder em participação no efetivo de bovinos no país, com mais de 74 milhões de cabeças . O maior município produtor de gado fica na Amazônia, São Félix do Xingu no Pará, tem 2,2 milhões de cabeças de gado e menos de 150 mil cabeças pensantes humanas.

Não precisa ser cientista para perceber os impactos bons, ruins e péssimos dessa realidade. Desde a questão ambiental, climática, até as músicas que ocupam o topo das paradas de sucesso. O boi é cada vez mais onipresente. Mesmo que os líderes do setor da pecuária afirmem com orgulho, que a área de pasto diminuiu e que a tecnologia está reduzindo estragos no ecossistema, basta dar uma voltinha pelo país para perceber como o boi faz cada vez mais parte das terras, da alma e do raciocínio brasileiros.

E quando se fala de boi, é bom não pensar apenas nos grandes pecuaristas. É bom olhar também para o jovem motoboy de Itumbiara ou de Marabá, que sonha em comprar o seu primeiro boi e colocar para engordar no terreno de um grande proprietário de terras. O boi é um pensamento, uma moeda, uma estética cada vez mais dominante, um jeito de ver o mundo e de estruturar uma outra sociedade.
Essa estética está nas pick-ups SUV 4×4, no jeito de se vestir, no entretenimento, nos hábitos alimentares, nas relações sociais e até conjugais. A trilha sonora do boi, que já foi country, sertanejo, hoje é piseiro, pisadinha e outros estilos, se alastra pelo país com a velocidade de um touro em fuga. Essa fundo musical saiu dos limites interioranos do Goiás, Minas, São Paulo e Paraná e agora domina grandes centros urbanos, mesmo os praianos, como Florianópolis e Rio de Janeiro.

Os três estilos musicais mais ouvidos na plataforma de streaming Spotfy em 2021 no Brasil foram sertanejo pop, sertanejo universitário e sertanejo pisadinha. O dado mostra a força do gênero no país, um estilo totalmente conectado com o boi. Os Barões da Pisadinha lideram o ranking, seguidos por Gusttavo Lima, Marília Mendonça, Jorge e Matheus, e Henrique e Juliano. Os verdadeiros reis do gado, num mercado de consumo de bilhões de reais, que vai do uísque com Red Bull ao jatinho particular.

Some-se ao crescimento do boi, a avassaladora transformação das comunicações e das mídias desde o começo desta década e a expansão alucinante do pensamento neopentecostal e a sua teologia da prosperidade. Pronto, temos um cenário desafiador para todos os que estudam ou atuam na antropologia, na sociologia, na cultura, na educação, na comunicação e, principalmente na política. Até que ponto esse Brasil cada vez mais bovino está ligado ou não com o crescimento do pensamento superconservador? Há relação com o crescimento pensamento dessa ultra extrema direita? Até ponto o modelo mental brasileiro está sendo mexido ou modificado por essa matriz econômica que transborda do campo dos negócios?
Como pensar governos, políticas públicas, eleições, campanhas eleitorais sem tentar entender, mesmo que minimante esse Brasil Boi? O Brasil do churrasco ao invés da feijoada, da loirinha ao invés da morena sestrosa, da moda de viola ao invés do Paulinho da Viola, do pasto ao invés do gramado de futebol. Um Brasil que, mesmo batendo seguidos recordes de produção de carne, vê cada vez mais gente voltando para a pobreza, a miséria e a fome.

Ainda são poucos os estudos científicos investigando essa relação, de cabeças de boi e a cabeça do eleitor, a cabeças dos ativistas on-line e off-line. Mas é fácil perceber um Brasil pecuário tomando espaços, seja nas agrovilas do Brasil profundo ou nas Vilas Mix e Vilas Countries das grandes metrópoles. É um país individualista, meritocrático, patrimonialista, pecuarista, que cada vez influencia em maior proporção o pensar e o votar? Precisamos dar nome aos bois.

Glauco Alexander Lima é publicitário

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