Dona da Therezópolis fabricará cervejas Cerpa

A Andina, gigante do sistema Coca-Cola, fecha contrato de produção com a cervejaria paraense, mirando o disputado mercado do Sudeste e provocando reação da Heineken

Brasília – O mercado cervejeiro brasileiro, um dos mais dinâmicos e competitivos do mundo, está prestes a testemunhar um novo capítulo em sua intrincada “guerra do chope”. Uma movimentação estratégica envolvendo a tradicional cervejaria paraense Cerpa e a gigante engarrafadora Andina, parte do influente Sistema Coca-Cola, promete agitar as águas e, mais uma vez, colocar a holandesa Heineken em posição de alerta máximo. O acordo de fabricação de cervejas da Cerpa nas unidades da Andina no Rio de Janeiro não é apenas um passo audacioso para a expansão da marca amazônica, mas também um catalisador para uma provável e intensa reação de uma das maiores players do setor.

Cerpa: Do Norte para a conquista do Sudeste
A Cerpa, uma cervejaria com seis décadas de história e fundação pela família Seibel, em Belém do Pará, consolidou sua presença no Norte do Brasil com marcas como Cerpa Export, Tijuca e Nevada. No entanto, o desejo de expandir sua relevância para mercados mais ao sul, especialmente o populoso e estratégico Sudeste, tem sido uma meta clara da empresa. A estratégia da Cerpa tem sido metódica e progressiva.

O primeiro grande movimento nessa direção foi revelado ainda no início do ano, quando a Cerpa assinou um contrato de distribuição de suas cervejas pelo próprio Sistema Coca-Cola.

Essa parceria de distribuição já representou um salto significativo na capacidade de alcance da Cerpa, alavancando a vasta e capilar rede logística da Coca-Cola no país. Agora, o novo contrato eleva essa parceria a um patamar ainda mais estratégico: a fabricação direta.

A Andina, uma das principais engarrafadoras do sistema Coca-Cola e dona (junto com a Femsa) da Therezópolis, assume a produção das cervejas Cerpa em suas instalações no Rio de Janeiro. Isso não apenas otimiza custos logísticos e de produção para a Cerpa, mas também garante uma maior agilidade e volume para atender à demanda do mercado do Sudeste, pavimentando o caminho para uma penetração de mercado mais profunda e agressiva.

Para compreender a magnitude dessa movimentação e a esperada reação da principal concorrente, a holandesa Heineken, é fundamental mapear as relações complexas que permeiam o mercado de bebidas no Brasil.

O Sistema Coca-Cola, através de suas engarrafadoras como Andina e Femsa, não se limita à distribuição de refrigerantes. Ele é um player multifacetado que já possui e/ou distribui diversas marcas de cerveja.

As engarrafadoras da Coca-Cola já são proprietárias da Therezópolis e atuam na distribuição da Estrella Galicia. Mas o ponto de maior fricção, e a origem da tensão com a Heineken, reside no fato de que o Sistema Coca-Cola também distribui algumas cervejas do portfólio da própria Heineken no Brasil, especificamente Kaiser, Bavaria e Sol. Essa dinâmica é um resquício de um arranjo feito para pacificar anos de litígios entre a gigante holandesa e o Sistema Coca-Cola no Brasil.

Este cenário cria um ambiente de concorrência e colaboração simultânea, onde informações sensíveis de um competidor podem, em tese, circular dentro da estrutura de um distribuidor que também atende a rivais. A decisão da Andina de não apenas distribuir, mas fabricar as cervejas Cerpa, intensifica essa interconexão e, por extensão, as preocupações concorrenciais.

A reação anunciada da Heineken
A Heineken, com seu histórico de vigilância e ações em defesa da concorrência, não é estranha a esse tipo de embate. O contrato de distribuição inicial da Cerpa com o Sistema Coca-Cola, ocorrido no início do ano, já havia sido o suficiente para gerar desconforto e ação por parte da subsidiária brasileira da cervejaria holandesa.

O contrato de distribuição já foi suficiente para incomodar a Heineken. Ao tomar conhecimento do acordo, a subsidiária brasileira da cervejaria holandesa foi ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) alertar para potenciais riscos concorrenciais.

A preocupação central da Heineken, explicitada na época junto ao Cade, era a possibilidade de “colusão entre a Cerpa, Estrella Galicia e Therezópolis”, um risco que poderia ser “agravado mediante o compartilhamento indevido de informações sensíveis da Heineken.

A base para essa alegação é a intricada rede de distribuição e propriedade que conecta as engarrafadoras da Coca-Cola a múltiplas marcas de cerveja, algumas delas diretamente concorrentes da Heineken, e outras do próprio portfólio da holandesa.

O novo contrato, que envolve a fabricação – um nível de integração e cooperação ainda mais profundo do que a mera distribuição – naturalmente eleva as preocupações da Heineken.

Sobre o acordo de fabricação entre Andina-Cerpa, a Heineken ainda não se mexeu para se queixar do novo contrato, mas, o caminho é previsível. Pelo retrospecto, a reação não deve demorar, porém, a história recente do mercado cervejeiro e a natureza agressiva das estratégias de expansão e defesa de mercado sugerem que a Heineken não ficará inerte diante dessa nova aliança.

Este movimento é um indicativo claro da intensidade da “guerra” por fatia de mercado no Brasil. Com a Cerpa ganhando uma capacidade de produção e distribuição robusta no Sudeste através da Andina, a competição se acirra em uma das regiões mais lucrativas do país. A Ambev, líder de mercado, e outras cervejarias também observarão atentamente o desenrolar dessa rivalidade.

A expectativa é que a Heineken utilize novamente os canais regulatórios, como o Cade, para questionar a operação, aprofundando suas preocupações com o que percebe como uma potencial ameaça à concorrência leal. Isso poderia resultar em investigações, imposição de medidas corretivas ou, no mínimo, um aumento da pressão sobre o Sistema Coca-Cola e seus parceiros.

Além das vias legais, a competição no mercado de cervejas é travada também no campo do marketing, preços e inovações. A “guerra do chope”, já mencionada no contexto da dona da Itaipava baixando preços para ganhar mercado, é um reflexo dessa disputa acirrada. O acordo Andina-Cerpa é mais uma peça no tabuleiro, que certamente provocará reações em cascata, desde ajustes em portfólios até novas estratégias de precificação e publicidade.

Em suma, a decisão da Andina de fabricar cervejas Cerpa não é apenas um acordo comercial. É um movimento estratégico que redesenha as alianças e as linhas de batalha no competitivo mercado cervejeiro brasileiro. A reação da Heineken é vista como inevitável, e o Cade provavelmente terá um papel crucial na mediação ou regulação desse novo capítulo da disputa entre gigantes. O consumidor, por sua vez, pode esperar um mercado ainda mais dinâmico e, talvez, com mais opções e ofertas em um futuro próximo.

Reportagem: Val-André Mutran é repórter especial para o Portal Ver-o-Fato e está sediado em Brasília.

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