Deputado alega perseguição política e cobra de Hugo Motta (Republicanos-PB) garantia de prerrogativas; presidente da Casa já disse que não existe “mandato a distância”
Por Sandra Venancio – Foto: Paola De Orte/Agência Brasil
O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) protocolou um ofício pedindo ao presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), autorização para exercer seu mandato diretamente dos Estados Unidos, onde está desde fevereiro. No documento, Eduardo afirma ser alvo de “perseguições políticas” e solicita que sejam criados mecanismos para assegurar o “pleno gozo das prerrogativas parlamentares” mesmo à distância.
>> Siga o canal do Jornal Local no WhatsApp
O pedido, inédito no Parlamento brasileiro, vem no momento em que Eduardo enfrenta pressões dentro e fora da Casa. Seu período de afastamento terminou em julho. Em março, ele havia solicitado 122 dias de licença — dois por motivos de saúde e 120 por interesse pessoal. Sem possibilidade de renovação, as faltas injustificadas começaram a ser registradas desde o fim do recesso em agosto.
“Não reconheço falta alguma, não renuncio ao meu mandato, não abdico das minhas prerrogativas constitucionais e sigo em pleno exercício das funções que me foram conferidas pelo voto popular”, declarou no ofício.
A reação da Câmara
Hugo Motta já se antecipou ao movimento de Eduardo e disse, em entrevista à GloboNews, que “não existe mandato a distância”. Para o presidente da Câmara, ao decidir permanecer nos Estados Unidos, o deputado assumiu a incompatibilidade de seguir no exercício do mandato.
O pano de fundo: investigações e acusações
Eduardo e seu pai, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), foram indiciados pela Polícia Federal em 15 de agosto pelos crimes de coação no curso do processo e tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
Paralelamente, o parlamentar tem atuado nos EUA em articulações com o ex-presidente Donald Trump, inclusive defendendo sanções contra o Brasil.
A justificativa: precedentes da pandemia
No ofício, Eduardo cita o modelo de trabalho remoto adotado durante a pandemia de covid-19 como precedente para seu pedido. “A Câmara dos Deputados já criou precedentes claros para a participação remota de parlamentares durante a pandemia de covid-19, preservando a continuidade dos trabalhos em circunstâncias excepcionais”, escreveu.
No entanto, especialistas lembram que o Congresso não vive hoje nenhuma situação emergencial que justifique a adoção desse modelo.
Se Hugo Motta rejeitar o pedido, Eduardo pode acumular faltas e ser alvo de processo no Conselho de Ética, o que abre espaço para perda de mandato.
O que dizem as regras da Câmara sobre faltas e perda de mandato
O pedido de Eduardo Bolsonaro para exercer o mandato a partir dos Estados Unidos esbarra diretamente no Regimento Interno da Câmara e na Constituição Federal.
1. Frequência obrigatória
Deputados federais devem registrar presença em pelo menos 2/3 das sessões deliberativas realizadas em cada mês. A ausência sem justificativa gera desconto no salário e pode ser considerada falta grave.
2. Licenças
O Regimento prevê apenas três formas de licença:
- Doença (com laudo médico)
- Interesse particular (limitada a 120 dias por sessão legislativa)
- Atividade parlamentar oficial no exterior (missões aprovadas pela Mesa Diretora)
Eduardo já utilizou o período máximo de licença por interesse pessoal, que não pode ser renovado.
3. Perda de mandato por faltas
O artigo 55 da Constituição estabelece que o parlamentar pode perder o mandato se deixar de comparecer, sem justificativa, a um terço das sessões ordinárias. O processo é conduzido pelo Conselho de Ética e precisa ser votado em plenário.
4. Não existe “mandato remoto”
Durante a pandemia de covid-19, o Congresso aprovou um regime temporário e excepcional de deliberação remota, que vigorou apenas em razão da emergência sanitária. Não há previsão legal para estender esse modelo fora de situações de calamidade.
5. Consequências possíveis para Eduardo Bolsonaro
- Acúmulo de faltas injustificadas pode levar a um processo de cassação.
- A Mesa Diretora pode negar formalmente o pedido de “mandato remoto”.
- Caso a pressão política cresça, o tema pode ser levado ao Supremo Tribunal Federal (STF).