Prematuros são mais propensos a apresentar atrasos na fala, diz estudo

Esses bebês têm maior probabilidade de alterações no desenvolvimento cerebral nos primeiros 18 meses de vida, fase importante do crescimento infantil

Por Fernanda Bassette, da Agência Einstein

Crianças prematuras — aquelas nascidas antes de 37 semanas de gestação — são mais propensas a apresentar um desempenho inferior em habilidades de linguagem nos primeiros 18 meses de vida, quando comparadas às nascidas a termo. É o que aponta uma meta-análise que reuniu dados de 34 estudos conduzidos em diversos países, envolvendo mais de 1.800 bebês, publicada em julho no periódico Pediatrics.

O nascimento prematuro é considerado um dos principais desafios de saúde pública global, afetando mais de 13 milhões de bebês por ano em todo o mundo – o equivalente a cerca de 10% de todos os nascimentos. Esses recém-nascidos enfrentam um risco aumentado de diversos problemas, inclusive no desenvolvimento cerebral, o que pode impactar diretamente suas habilidades de comunicação.

Entre 2012 e 2022, o Brasil registrou 31,3 milhões de nascimentos, dos quais 3,53 milhões foram prematuros, segundo dados do Ministério da Saúde. “Esses recém-nascidos passam por vários desafios numa idade em que o desenvolvimento ainda deveria estar acontecendo dentro do útero”, observa a pediatra Romy Schimidt Brock Zacharias, coordenadora médica do serviço de Neonatologia do Einstein Hospital Israelita. “Eles podem sofrer intervenções médicas, enfrentar complicações e ficar expostos a ambientes hospitalares que impactam diretamente a aquisição de habilidades, como a linguagem.”

Primeiros 18 meses

Os resultados do estudo indicam que os prematuros têm um desenvolvimento mais lento tanto na linguagem receptiva — ou seja, a capacidade de compreender palavras — quanto na linguagem expressiva, que é a habilidade de se expressar com sons e palavras.

Estudos anteriores já haviam mostrado que crianças prematuras tendem a obter pontuações mais baixas tanto em linguagem expressiva quanto receptiva, em comparação com aquelas nascidas a termo. No entanto, muitos deles não incluíam bebês ou crianças com até 1 ano e meio de idade.

A nova pesquisa reforça que os primeiros 18 meses de vida são uma janela crítica para o desenvolvimento cerebral, especialmente no que diz respeito à linguagem. Nessa fase, o cérebro do bebê está altamente sensível às experiências ambientais, o que inclui o contato humano, a exposição à fala e aos estímulos auditivos cotidianos. “Qualquer dúvida ou preocupação com relação ao desenvolvimento deve ser discutida com o pediatra. O acompanhamento próximo é essencial”, frisa a médica.

Isso significa que estar atento aos sinais iniciais de desenvolvimento da comunicação. “É fundamental observar se a criança reage a sons, se mostra atenção à fala humana, se responde ao próprio nome e se começa a demonstrar compreensão de ordens simples. A ausência desses sinais pode indicar a necessidade de avaliação especializada”, afirma Romy Schimidt.

Mas não é simples identificar precocemente atrasos na linguagem. Até porque pode haver uma variação entre cada criança. “No entanto, os recém-nascidos prematuros já saem da UTI [unidade de terapia intensiva] neonatal com triagens auditivas ampliadas, que ajudam a detectar precocemente qualquer alteração auditiva que possa interferir no desenvolvimento da linguagem”, observa a pediatra.

Além dos fatores biológicos no cérebro do bebê causados pela prematuridade, o estudo também aponta o ruído no ambiente hospitalar como um possível fator de risco para o desenvolvimento da linguagem. “O barulho excessivo ou a exposição prolongada a ruídos intensos pode interferir negativamente no desenvolvimento de um cérebro ainda imaturo. Isso atrapalha o sono do recém-nascido, aumenta os níveis de estresse e dificulta a diferenciação entre sons ambientais e fala humana”, explica a médica do Einstein.

Daí porque muitas UTIs neonatais já adotam estratégias para minimizar esse impacto. “Hoje já vemos medidas como a centralização de alarmes, a instalação de sinalizadores de som excessivo e a adoção de horários de silêncio, como o chamado ‘horário do psiu’, durante o qual evitamos manipulações, barulho e luz intensa. Essas são práticas simples que ajudam a criar um ambiente mais propício ao desenvolvimento neurológico e linguístico”, relata Schimidt.

Cada caso é um caso

O estudo também aponta que, em alguns casos, os prematuros conseguem “alcançar” seus pares ao longo do tempo, desde que recebam o acompanhamento e os estímulos adequados. “Cada criança é única. Mesmo em gestações gemelares, vemos comportamentos e ritmos de desenvolvimento diferentes entre irmãos”, pontua a pediatra.

Por isso, não é possível estabelecer uma idade exata ou um momento certo em que a criança prematura vai igualar seu desenvolvimento ao de uma criança nascida a termo. “Isso dependerá de inúmeros fatores, como a idade gestacional ao nascimento, a gravidade das complicações neonatais, as condições ambientais e o suporte e intervenções recebidos”, detalha.

Um dos pontos mais importantes levantados pelos autores da meta-análise é que, embora alguns bebês prematuros possam atingir marcos semelhantes aos dos bebês a termo, o atraso inicial tende a impactar o futuro escolar e social dessas crianças se não for abordado a tempo. “A detecção e o tratamento precoces são fundamentais porque, nessa fase, o cérebro apresenta alta neuroplasticidade, ou seja, grande capacidade de adaptação”, frisa a médica.

Apesar de a pesquisa revelar um padrão de atraso no desenvolvimento da linguagem entre prematuros, é importante ressaltar que a maioria dos estudos incluídos focou em bebês nascidos com menos de 32 semanas de gestação – os chamados muito prematuros e prematuros extremos. Em diversos casos, os bebês avaliados nasceram por volta das 30 semanas ou antes. Na prática, a maioria dos nascimentos prematuros no mundo ocorre entre 34 e 36 semanas, faixa conhecida como prematuridade tardia.

Portanto, mais pesquisas são necessárias. “A meta-análise mostra que recém-nascidos prematuros apresentam escores menores de linguagem receptiva em geral, mas não analisa o grau de estimulação ou intervenções aplicadas a esses bebês”, observa Romy Schimidt. “Além disso, não descreve detalhes sobre habilidades pré-verbais ou linguagem precoce, como balbucios, sons guturais [aqueles produzidos espontaneamente pelos bebês nos primeiros meses de vida] e comunicação gestual, o que dificulta conclusões mais precisas.”

Fonte: Agência Einstein

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