Volkswagen é condenada no Pará a pagar R$ 165 milhões por trabalho escravo

O Ministério Público do Trabalho no Pará e Amapá (MPT-PA/AP) obteve uma vitória considerada histórica na Justiça do Trabalho: a condenação da Volkswagen do Brasil ao pagamento de R$ 165 milhões por dano moral coletivo, em razão da submissão de centenas de trabalhadores a condições análogas à escravidão na Fazenda Vale do Rio Cristalino, no sul do Pará, entre as décadas de 1970 e 1980. A empresa já anunciou que vai recorrer da decisão.

Segundo o MPT, trata-se da maior condenação da história da Justiça do Trabalho em casos de escravidão contemporânea. Além do pagamento da indenização, a sentença obriga a Volkswagen a reconhecer publicamente sua responsabilidade e pedir desculpas não apenas às vítimas, mas também à sociedade brasileira.

A decisão da Vara do Trabalho de Redenção (PA), assinada pelo juiz Otavio Bruno da Silva Ferreira, estabelece um conjunto rigoroso de obrigações de não repetição, para impedir que violações semelhantes se repitam. Entre elas:

criação e divulgação de uma Política de Direitos Humanos e Trabalho Decente, com cláusula de “tolerância zero” ao trabalho escravo e tráfico de pessoas;

exigência de cláusulas contratuais específicas junto a fornecedores, proibindo práticas análogas à escravidão e permitindo auditorias independentes;

implementação de um sistema de due diligence em direitos humanos, com mapeamento de riscos, auditorias periódicas e relatórios semestrais;

abertura de um canal de denúncias anônimo, acessível e protegido contra retaliações;

treinamento obrigatório anual para gestores, compradores e equipes de campo sobre trabalho escravo e tráfico de pessoas.

O fundamento da condenação

Na sentença, o magistrado afirmou que as provas reunidas são “inequívocas” e demonstram que a Volkswagen não apenas investiu na Companhia Vale do Rio Cristalino, mas também atuou diretamente em sua condução estratégica, lucrando com a exploração ilícita da mão de obra. Documentos oficiais, testemunhos de trabalhadores e registros públicos comprovam práticas de servidão por dívida, violência física e psicológica, vigilância armada e condições degradantes de sobrevivência.

O juiz ressaltou ainda que a empresa, além de contar com lucros expressivos, se beneficiou de incentivos fiscais e recursos públicos entre 1974 e 1986, que deveriam ter impulsionado o desenvolvimento social e econômico, mas foram direcionados para a lógica de “maximização ilícita” com base na exploração de trabalhadores.

O resgate da memória

O caso chegou ao MPT em 2019, quando o padre Ricardo Rezende Figueira, ex-coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT) na região do Araguaia e Tocantins, entregou ao órgão documentação sobre as violações na fazenda. A partir disso, foi criado o Grupo Especial de Atuação Finalística (GEAF) “Fazenda Volkswagen”, que reuniu vasto acervo documental e ouviu dezenas de testemunhas.

A investigação, coordenada pelo procurador do Trabalho Rafael Garcia Rodrigues, resultou em ação civil pública ajuizada em dezembro de 2024. Também participaram da elaboração da ação os procuradores Christiane Vieira Nogueira, Silvia Silva da Silva e Ulisses Dias de Carvalho.

“Foi constatada a submissão de trabalhadores a jornadas exaustivas, servidão por dívida e ausência de assistência básica, inclusive a quem contraía malária. Trata-se de um dos maiores e mais graves casos de violação de direitos humanos da história contemporânea do Brasil”, destacou o procurador Rafael Garcia.

Impunidade empresarial

Essa condenação simboliza um marco na luta contra a impunidade empresarial no Brasil. Por décadas, casos de escravidão moderna foram abafados ou reduzidos à invisibilidade. O fato de uma das maiores montadoras do mundo ser responsabilizada mostra que o discurso corporativo de responsabilidade social não pode mais conviver com um passado de exploração brutal.

Mais do que a multa milionária, o que torna essa decisão histórica é a exigência de medidas preventivas concretas, obrigando a empresa a criar mecanismos permanentes de fiscalização e transparência. Ainda que a Volkswagen recorra, o julgamento já é um divisor de águas na responsabilização de grandes empresas por violações de direitos humanos no país

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