Cinco ministros julgam trama golpista nesta terça-feira (2)

Oito réus, incluindo ex-presidente e cúpula de governo, enfrentam julgamento por crimes contra o Estado Democrático de Direito

Brasília – Com um esquema de segurança reforçado, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), se prepara para um marco judicial e político com o início do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e de outros sete réus, a partir da terça-feira (2). Acusados de tentativa de golpe de Estado em 2022, os réus enfrentarão um processo que se estenderá por duas semanas, com três sessões desta terça-feria, e a última na sexta-feira (12), com a condenação já considerada certa nos meios jurídico e político, e discussões em andamento sobre a duração e condições das penas. O processo protocolar da Corte prevê tempo para as defesas e a reanálise das contestações à condução do caso.

A peça acusatória da Procuradoria-Geral da República
A acusação, sustentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), delineia um plano que teria se iniciado em 2021. Segundo a PGR, antecipando uma possível derrota eleitoral para Luiz Inácio Lula da Silva, Bolsonaro teria disseminado “maliciosamente” a ideia de fraude nas urnas eletrônicas, visando mobilizar a população para se insurgir contra o resultado. Conforme a peça acusatória da PGR, a “revolta se concretizou em 12 de dezembro de 2022, dia da diplomação de Lula no TSE, com incêndios em Brasília e tentativa de invasão da Polícia Federal; e em 8 de janeiro de 2023, com a invasão e depredação do STF, do Congresso e do Palácio do Planalto”. A PGR narra que, desde o segundo turno da eleição, apoiadores de Bolsonaro acamparam em frente a unidades militares, reivindicando intervenção para impedir a posse de Lula.

Nesse enredo, Bolsonaro e outras 30 pessoas (incluindo ex-ministros, militares e assessores) foram acusados de cinco crimes graves: golpe de Estado, tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, organização criminosa armada, dano qualificado pela violência e grave ameaça, e deterioração de patrimônio tombado da União. A soma das penas para esses crimes pode ultrapassar 40 anos de prisão. Para agilizar o processo, o procurador-geral da República dividiu os réus em cinco grupos.

O primeiro grupo, a ser julgado nesta semana, é composto por Jair Bolsonaro, Walter Braga Netto (ex-ministro da Casa Civil e ex-candidato a vice), Anderson Torres (ex-ministro da Justiça), Augusto Heleno (ex-ministro do GSI), Alexandre Ramagem (ex-diretor da Abin), Almir Garnier (ex-comandante da Marinha), Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa) e Mauro Cid (ex-ajudante de ordens da Presidência).

A delação premiada de Mauro Cid
A denúncia da PGR tem como base central a delação premiada de Mauro Cid, preso em maio de 2023 por determinação do ministro Alexandre de Moraes, inicialmente por uma investigação sobre a “emissão de um comprovante falso de vacina contra a Covid para Bolsonaro”. A análise do celular de Cid revelou que, no fim de 2022, diante de manifestações por intervenção militar, “oficiais tramavam planos para manter Bolsonaro no poder”. Em outro desdobramento, foi encontrada na casa de Anderson Torres uma “minuta de um decreto para instituir estado de defesa no TSE e refazer a eleição”. A investigação também descobriu arquivos digitais detalhando “medidas mais radicais”, como um plano chamado “Punhal Verde e Amarelo” para prender ou executar autoridades como Moraes (à época presidente do TSE), Lula e Geraldo Alckmin (candidato a vice-presidente), além de estratégias para criar um gabinete de crise militar e preparar o país para uma nova eleição.

A história narrada pela PGR se baseia majoritariamente nos relatos de Cid, que, pressionado, firmou o acordo de delação. Em 2024, áudios vazados à imprensa revelaram desabafos de Cid a um familiar, nos quais ele afirmava ter sofrido pressão da Polícia Federal para “confirmar a narrativa” e criticava a atuação de Moraes, dizendo que o ministro já tinha sua “sentença pronta”. Diante do ministro, Cid desmentiu tais declarações, sendo liberado um mês depois. O documento também aponta que Cid voltou a ser pressionado no fim de 2024, quando a PF alegou que ele teria omitido na colaboração a participação de Braga Netto no fornecimento de dinheiro para militares de forças especiais (“kids pretos”) seguirem Moraes em Brasília, numa suposta tentativa de “neutralização” do ministro. Essa operação, intitulada “Copa 2022”, teria sido abortada porque Bolsonaro não assinou a “minuta do golpe” em 15 de dezembro. Segundo Cid, o ex-presidente buscava apoio dos comandantes das Forças Armadas para a medida, mas o general Marco Antônio Freire Gomes (Exército) e o ex-comandante Carlos Baptista Júnior (Aeronáutica) se opuseram, sendo Almir Garnier (Marinha) o único a apoiar.

A posição dos ministros do STF
No julgamento que se inicia, os ministros avaliarão a participação de cada réu nos delitos. A materialidade dos crimes – ou seja, a efetiva ocorrência dos atos – já foi, em grande medida, aceita pelos ministros ao receberem a denúncia, em julgamento de março na 1ª Turma do STF.

Alexandre de Moraes: Ressaltou que “os crimes praticados no dia 8 de janeiro, em relação à sua materialidade […] foram gravíssimos”, rebatendo argumentos de advogados de que os atos não configurariam golpe de Estado.

Flávio Dino: Mencionou a homologação de “542 acordos de não persecução penal […] em que 542 réus […] confessaram que faziam parte de um grupo criminoso, uma associação criminosa, que pleiteava a intervenção militar e o golpe de Estado”.

Cármen Lúcia: Declarou que “é preciso desenrolar do dia 8 para trás, para a gente chegar a essa máquina que tentou desmontar a democracia, e isso é um fato. […] Todo mundo assistiu. Assistiu pelas televisões, assistiu pelas redes sociais. Assistiu de toda forma ao quebra-quebra e à tentativa de matar o Supremo, como já tinha sido tentado de extinguir o Tribunal Superior Eleitoral”.

Cristiano Zanin: Apontou que havia elementos suficientes para iniciar a ação penal.

Luiz Fux: Embora com ressalvas sobre o processo e críticas às “várias versões de Cid em sua delação”, votou pelo recebimento da denúncia, afirmando que “não se pode de forma alguma dizer que não aconteceu nada. É absolutamente impossível se afirmar isso”.

O roteiro do julgamento e as defesas dos réus
O julgamento está programado para ocorrer em cinco sessões:

– 2/9 (terça-feira, 9h e 14h),
– 3/9 (quarta-feira, 9h),
– 9/9 (terça-feira, 9h e 14h),
– 10/9 (quarta-feira, 9h) e
– 12/9 (sexta-feira, 9h e 14h).

No primeiro dia, Cristiano Zanin, presidente da Primeira Turma, abrirá a sessão, e Alexandre de Moraes fará a leitura do relatório. Em seguida, Paulo Gonet, da PGR, fará a sustentação oral da acusação por duas horas. Os advogados dos réus terão uma hora cada para suas sustentações. Após as defesas, os ministros votarão sobre as questões preliminares e as acusações específicas, necessitando de ao menos três votos para a condenação.

Uma segunda votação definirá as penas, considerando o grau de participação e fatores agravantes/atenuantes. A ordem de voto será: Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin.

O resultado deve ser proclamado em 12 de setembro, com a publicação do acórdão e a possibilidade de recursos, os embargos de declaração, posteriormente. A pena poderá começar a ser cumprida após a rejeição do segundo recurso, com expectativa de ocorrer ainda neste ano, salvo pedido de vista por um ministro.

As defesas dos réus, apresentadas nas alegações finais, buscaram refutar as acusações:

Jair Bolsonaro: Seus advogados argumentaram que os discursos sobre as urnas eram “manifestações de opinião política” e que ele defende o voto impresso há mais de uma década. Sustentaram que Bolsonaro contribuiu ativamente para a transição de governo, nomeando antecipadamente comandantes das Forças Armadas escolhidos por Lula. As conversas com chefes das Forças Armadas teriam sido “brainstorm”, não punível. Negam haver prova de que ele soubesse ou controlasse planos de prisão ou assassinato de autoridades, ou de contato com manifestantes do 8 de janeiro.

Walter Braga Netto: Sua defesa alegou que as declarações de Mauro Cid foram fruto de “coação” da PF, com “versões modificadas” e “narrativas acusatórias encaixadas”. A reunião em sua casa, onde teriam sido planejados atentados, foi descrita como “simples visita de cortesia”, e negaram provas de que ele tenha entregue dinheiro a Cid.

Augusto Heleno: Seus advogados defenderam que suas expressões fortes em uma reunião de julho de 2022 (“dar soco na mesa” e “virar a mesa”) foram ditas em um “contexto de discussão política”, no “calor do momento”, sendo “sentido figurado e mal interpretada”, sem intenção golpista. Argumentaram que ele se afastou do governo após o ingresso do Centrão.

Anderson Torres: Alegou que o documento apreendido em sua casa (minuta de decreto para novas eleições) estava “disponível na internet desde dezembro e podia ser encontrada no Google”, sendo um “mero esquecimento material”. Negou omissão no 8 de janeiro, comprovando férias marcadas e plano de segurança aprovado.

Alexandre Ramagem: Rechaçou a acusação de influenciar Bolsonaro na descredibilização das urnas, dizendo que documentos em seu celular com críticas ao sistema eram “mera reiteração” e “compilado” de manifestações públicas anteriores do ex-presidente, sem “nada de novo” ou “ineditismo”.

Paulo Sérgio Nogueira: Sua defesa afirmou que ele “atuou para demover Bolsonaro da ideia de adotar qualquer medida de exceção”, temendo que grupos radicais o levassem a assinar uma “doideira”. Lembrou que Nogueira, como ministro da Defesa, propôs a Bolsonaro um discurso de pacificação, que reconhecia o resultado das eleições e conclamava a desmobilização das manifestações, mas a proposta não foi adotada.

Mauro Cid: Afirmou que apenas “intermediava contatos de Bolsonaro com outros interlocutores”, não tendo “qualquer poder de comando sobre atos dos outros acusados”. Pediu absolvição total, alegando colaboração ativa na elucidação do caso.

O julgamento em curso no STF, com vasta documentação, delações e contra-argumentos, representa um escrutínio judicial aprofundado sobre ações relacionadas à tentativa de subversão das instituições. A análise da materialidade dos crimes já aceita pelos ministros e o roteiro processual indicam que o desfecho poderá selar o destino dos réus com condenações significativas, delineando importantes implicações para o cenário político e jurídico do Brasil.

Reportagem: Val-André Mutran é repórter especial para o Portal Ver-o-Fato e está sediado em Brasília.

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