Horas antes de enfrentar um dos julgamentos mais esperados da história recente do Brasil, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) não estavam mergulhados apenas em autos, pareceres e jurisprudências. Estavam, pasmem, em uma sessão de meditação. Sim, meditação. Nada de reuniões sigilosas, consultas a doutrinas jurídicas ou revisão obsessiva de votos.
Segundo reportagens de Estadão e Folha de S. Paulo, a mais alta Corte do país decidiu que, para enfrentar a tormenta política e institucional de julgar Jair Bolsonaro e seus generais — acusados de tentativa de golpe de Estado —, o melhor antídoto era meia hora de Raja Yoga.
O programa, batizado de “Meditação no STF”, acontece semanalmente e é promovido pela Secretaria de Saúde da Corte. É vendido como uma prática que melhora a saúde mental, reduz o estresse e ajuda até estagiários a suportarem a carga de trabalho.
A modalidade escolhida, Raja Yoga, dispensa mantras, incensos e almofadas: pode ser feita de olhos abertos, em qualquer lugar. Talvez até no plenário, entre uma citação de Montesquieu e outra de Hans Kelsen. Quem sabe até do papa da meditação, Maharishi Manesd Yogi, líder espiritual indiano e guru dos Beatles.
Culpa e ódio
Ironicamente, a descrição da técnica parece ter sido feita sob medida para o momento. A meditação, dizem os manuais, ajuda a “gerir conflitos internos e externos, lidar com sentimentos de culpa e ódio, e promover respostas mais adequadas diante de situações desafiadoras”. Ora, se existe palco em que culpa, ódio, conflito e tensão se misturam em doses cavalares, é justamente esse julgamento.
Não é difícil imaginar ministros respirando fundo para acalmar a mente antes de decidir se o ex-presidente e sua tropa de militares e assessores devem ser condenados por tentar abolir o Estado Democrático de Direito.
O julgamento não será rápido: deve durar cinco sessões. E, convenhamos, cinco sessões de julgamento exigirão pelo menos cinco sessões extraordinárias de meditação. Talvez até mais. Afinal, não se trata de qualquer réu. Estão na mesa, além de Bolsonaro, nomes como o deputado Alexandre Ramagem, o almirante Almir Garnier, o general Augusto Heleno, o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, o onipresente Mauro Cid e os generais Paulo Sérgio Nogueira e Braga Netto.
Todos respondendo por crimes graves, como tentativa de golpe de Estado, participação em organização criminosa armada e dano ao patrimônio público.
Condenação e ruídos
A ironia maior, no entanto, está fora da sala virtual de meditação: boa parte da opinião pública já tem a convicção de que os réus chegaram ao banco dos acusados com a sentença pronta, antes mesmo da primeira respiração profunda dos ministros. Ou seja, o exercício de “distanciamento entre conflito e reação” pode ser um luxo teórico em meio à desconfiança generalizada de que as penas serão duras e o desfecho já está traçado.
Resta saber se a meditação ajudará os ministros a silenciar não apenas seus pensamentos, mas também os ruídos da política, da imprensa e das ruas. O desafio não é pequeno: manter a serenidade enquanto julgam se o país esteve — ou ainda está — a um passo de mergulhar no abismo autoritário.
Nesse contexto, Raja Yoga soa quase como um bálsamo cômico: como se, diante de uma crise institucional sem precedentes, a Suprema Corte resolvesse responder com respiração profunda, olhos abertos e meia hora de paz interior.
Talvez seja isso mesmo: no Brasil, onde até tragédia vira paródia, só nos resta confiar que, depois de meditar, os ministros estejam prontos para decidir o destino de Bolsonaro e companhia com a calma de quem flutua no Nirvana — ainda que, do lado de cá, o país continue respirando ofegante, entre a descrença e o cinismo. (Texto do Ver-o-Fato)
The post Ministros do STF fazem meditação antes de condenar Bolsonaro e outros réus appeared first on Ver-o-Fato.