Vídeo revela PMs atirando em motoboy nu no banheiro durante Operação Escudo em Santos

Imagens inéditas expõem contradição em depoimento de policiais; caso de Evandro Alves da Silva segue sem denúncia do MP dois anos após a ação

O motoboy contou ao g1 que havia sido abordado por policiais encapuzados dois dias antes de ser baleado. Foto

Por Sandra Venancio – Foto Rovena Rosa/Agencia Brasil

As imagens de câmeras corporais obtidas com exclusividade pelo g1 e pela GloboNews revelam uma cena chocante: policiais militares abriram fogo contra o motoboy Evandro Alves da Silva, de 32 anos, enquanto ele estava nu no banheiro de um imóvel no Morro José Menino, em Santos (SP). O episódio ocorreu em 30 de agosto de 2023, durante a controversa Operação Escudo, e completou dois anos no último sábado (30).

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Evandro, que usava o banheiro em um ponto de apoio para mototaxistas, foi surpreendido pela chegada dos agentes. Mesmo sem roupa e em situação de vulnerabilidade, o motoboy foi alvejado por disparos de calibre 12.

Para tentar escapar e sobreviver, ele quebrou o vidro da janela do banheiro e saltou de uma altura de aproximadamente sete metros. Gravemente ferido, o homem sobreviveu à queda, mas sua vida mudou radicalmente após o episódio.

Em depoimento, os PMs alegaram estar em patrulhamento no morro, quando diversos suspeitos correram para uma viela após avistarem a viatura. Eles, então, desceram do carro e correram até o imóvel, onde Evandro estaria armado.

Contudo, as imagens das câmeras corporais revelaram outra versão dos fatos. Mostram que Evandro estava no banheiro no momento em que foi atingido. Os vídeos registram que ele levou disparos, pulou de uma altura de 7 metros, estava sem roupas e pediu ajuda agonizando.

O motoboy contou ao g1 que havia sido abordado por policiais encapuzados dois dias antes de ser baleado. Na ocasião, os agentes invadiram o imóvel para questioná-lo sobre possíveis antecedentes criminais.

Por conta do ocorrido em 30 de agosto de 2023, ele foi indiciado pela Polícia Civil pelos crimes de resistência e porte ilegal de arma. Dois anos após o episódio, o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) ainda não ofereceu denúncia à Justiça nem solicitou o arquivamento do caso.

Procurada, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) informou, em nota, que o inquérito policial foi concluído e que aguarda o parecer do Judiciário para “medidas cabíveis em relação aos agentes”.

O caso do motoboy é o único entre todos da Operação Escudo que permanece em aberto, pois aguarda a decisão do Ministério Público. Questionado pelo g1, o MP-SP não informou se pretende solicitar a denúncia dos PMs por tentativa de homicídio e o arquivamento do processo contra Evandro. Já a defesa dos policiais não foi localizada.

Casado com a advogada Anna Fernandes Marques há mais de 20 anos, com quem teve três filhos, Evandro, hoje com 45 anos, continua trabalhando como motoboy e mototaxista. Seu passado, porém, pesa: em 2001, ele foi condenado a 25 anos de prisão por envolvimento como motorista em um sequestro-relâmpago que terminou em morte. Cumpriu 20 anos em regime fechado e o restante no aberto.

Dados sobre a Operação Escudo:
A Operação Escudo foi lançada em julho de 2023 após a morte do soldado da Rota Patrick Bastos Reis em Guarujá, durante patrulhamento. Desde então, a força-tarefa da Polícia Militar tem sido marcada por denúncias de execuções, invasões de domicílio e violência contra moradores.

Segundo dados oficiais do Ministério Público e da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, a operação resultou em mais de 28 mortes na Baixada Santista em poucas semanas, além de centenas de prisões. Relatórios de organizações como a Conectas Direitos Humanos apontam indícios de execuções extrajudiciais e uso desproporcional da força.

Apesar das denúncias, o governo estadual defende a operação como necessária para conter o crime organizado na região. O caso de Evandro Alves da Silva reacende o debate sobre a legalidade e a violência empregada na ação, que continua sendo alvo de questionamentos judiciais e políticos.