Beco sem saída – Por Aldenor Jr

O ex-presidente e seu golpismo não surgiram do nada. Sua provável condenação é passo indispensável, mas insuficiente para exorcizar o totalitarismo que nos persegue. Foto: Reprodução

Por Aldenor Jr

Jair Messias Bolsonaro, foi cadete número 531, nome de Guerra, “Cavalão”, na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), em Resende, RJ, em 1974. Sua turma, formada por 427 cadetes, concluiu a formação em dezembro de 1977, em um dos períodos mais duros do regime militar instaurado em 1º de abril de 1964. Não é possível entender o Bolsonaro de hoje, o primeiro ex-presidente a sentar no banco dos réus acusado do crime de planejar um golpe de Estado e de abolição violenta da democracia, sem penetrar na sua história militar pregressa, marcada pela aparente desimportância em seu início, mas que em pouco tempo descambaria para a indisciplina e para a prática de variados crimes.

Ainda em seu pálido início de carreira, Bolsonaro viveu o turbulento período de transição do regime totalitário para a democracia limitada e tutelada, a partir de 1985, com a eleição de Tancredo Neves pelo Colégio Eleitoral. O fim da ditadura, como se sabe, não foi seguido de um indispensável ajuste de contas, prevalecendo um clima de impunidade dos agentes do terrorismo de Estado. Estes, sabe-se, tiveram força suficiente para impor os termos de uma anistia recíproca de 1979, por meio dos tais “crimes conexos”, vala comum de todo tipo de atrocidade cometida em nome da luta contra o fantasma do comunismo. Estava pavimentado o caminho para a sobrevivência, praticamente intacta, da ideologia da segurança nacional, entranhada na caserna.

O então capitão Bolsonaro, em setembro de 1986, durante o instável governo do presidente José Sarney, saiu do anonimato como um péssimo exemplo de militar violador da disciplina e da hierarquia. Em artigo publicado na revista Veja (“O salário está baixo”), ele surgiu como uma espécie de líder sindical dos militares, causando uma imediata reação do comando do Exército, que lhe impôs 15 dias de prisão disciplinar. O fato abriu espaço na imprensa e tornou o jovem oficial pela primeira vez conhecido para além dos muros dos quartéis.

A próxima aparição de Bolsonaro, na mesma revista Veja (edição 999, outubro de 1987), revelaria que ele se radicalizara a ponto de estar envolvido na elaboração de um plano terrorista batizado de Beco sem saída, cujo objetivo era explodir bombas em várias unidades da Vila Militar, na Aman e em outros quartéis, além de dinamitar a adutora do Guandu, que abastecia o Rio de Janeiro. Dessa vez, ele acabou sofrendo um processo no conselho de justificação do Exército, sendo considerado culpado, por 3 a 0, por ter “conduta irregular e praticado atos que afetam a honra pessoal, o pundonor militar e o decoro da classe”. O resultado deveria ter sido sua exclusão sumária das fileiras do Exército, mas não foi isso que ocorreu.

Fruto de uma atmosfera permissiva e contando com a cumplicidade do alto escalão, Bolsonaro, algum tempo depois, sentou no banco dos réus do Superior Tribunal Militar (STM), que por meio de nebulosas manobras, acabou por absorvê-lo, selando uma saída pactuada que o conduziu à reforma, nessa época, inclusive, já no exercício de seu primeiro mandato de vereador na capital carioca.

Todas essas revelações constam do primoroso trabalho de apuração do jornalista paraense Luiz Maklouf Carvalho, em seu “O cadete e o capitão – A vida de Jair Bolsonaro no quartel”, editado pela Todavia, em 2020. Maklouf, falecido no mesmo ano em que o livro foi lançado, foi um dos melhores repórteres de todos os tempos, com uma longa folha de serviços prestados à luta contra a ditadura – foi editor dos jornais alternativos Resistência e Movimento – e fez carreira nas principais redações do Rio e de São Paulo.

E, agora, eis que Jair Bolsonaro estará, a partir desta terça-feira, 2, novamente diante de um tribunal, numa circunstância que carrega um profundo sentido histórico. Será a primeira vez que um ex-presidente e um grupo de oficiais de alta patente, responderão pelo crime de atentar contra a frágil democracia brasileira. A provável condenação do grupo, porém, estará longe de marcar o ponto final em nossa trajetória de constante tentativa de tutela do poder militar sobre a República. Aliás, isso já nasceu com o fim do Império, em 1889, numa quartelada assistida por um povo bestializado, como lembrou Aristides Lobo, contemporâneo daquele movimento realizado à revelia da grande maioria da população.

Nas mãos do Supremo Tribunal Federal (STF) está a possibilidade de aplicar uma lição exemplar aos golpistas, sancionando-os duramente. Não resolverá tudo, porque a capacidade de reação da extrema-direita e de suas falanges nas redes e nas ruas fará tudo para arrancar uma anistia aos criminosos ou um indulto, caso vençam as eleições de 2026. De qualquer forma, o Brasil está no limiar de expor ao mundo a vitalidade de suas instituições e um inequívoco rechaço ao obscurantismo que insiste em manietá-lo.

 

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