Ex-assessor do TSE acusa ministro Alexandre de Moraes em audiência no Senado

Em audiência bombástica, ex-chefe da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED) do TSE, Eduardo Tagliaferro, auto exilado na Itália, falou à comissão por videoconferência

Brasília – O cenário político e judiciário brasileiro foi abalado nesta terça-feira (2) pelas declarações do ex-chefe da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED) do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Eduardo Tagliaferro. Em audiência por videoconferência direto da Itália, onde se auto exilou, perante a Comissão de Segurança Pública (CSP) do Senado, presidida pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), Tagliaferro detalhou um suposto uso indevido da estrutura do TSE pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. As denúncias, feitas do exterior, geram repercussões imediatas, com senadores avaliando o impacto sobre o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro no STF e cobrando providências legislativas e judiciárias. Veja a íntegra da audiência aqui (https://www.youtube.com/watch?v=oieFljkCeSc).

O depoimento de Eduardo Tagliaferro, que atuou como assessor de Alexandre de Moraes na presidência do TSE entre 2022 e 2024, centra-se na alegação de que o ministro teria tentado direcionar o levantamento de informações. O objetivo, segundo Tagliaferro, seria abastecer inquéritos do STF relacionados a ataques e disseminação de notícias falsas contra a Corte e seus ministros, dos quais Moraes era relator.

O ex-assessor relatou que “muitas informações acabaram saindo pelo Tribunal Superior Eleitoral, visto a menor burocracia, uma vez que Alexandre de Moraes era o presidente”, e que relatórios seriam enviados aos gabinetes de Moraes no TSE ou no STF para que ele definisse o melhor local de uso.

“Esse relatório seria enviado para o Tribunal Superior Eleitoral, em seu gabinete, ou ao Supremo Tribunal Federal, também ao seu gabinete, para que [Moraes] definisse o local melhor. Muitas informações acabaram saindo pelo Tribunal Superior Eleitoral, visto a menor burocracia, uma vez que Alexandre de Moraes era o presidente”, relatou o ex-assessor.

As denúncias provocaram reações imediatas entre os parlamentares. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) avaliou que as informações prestadas por Tagliaferro “afetam o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro pela 1ª Turma do STF”, que teve início na mesma terça-feira. Bolsonaro e integrantes do alto escalão das Forças Armadas são réus por tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. Flávio Bolsonaro acionou a Advocacia-Geral do Senado para definir encaminhamentos de uma denúncia de fraude processual contra o ministro Alexandre de Moraes, a ser protocolada pelos senadores.

Em um desabafo incisivo, o senador Flávio Bolsonaro classificou o julgamento como “um linchamento comprovado por um modo de agir fora da lei e marginal de Alexandre de Moraes para requentar provas contra alvos pré-determinados”, criticou.

Tagliaferro foi exonerado do TSE em 2024, após conversas suas com Moraes serem divulgadas pela imprensa. Ele, inclusive, pediu ao STF o afastamento de Moraes de inquéritos que envolvem Bolsonaro e participou da audiência na CSP de onde se encontra atualmente, na Itália.

Após os vazamentos, Tagliaferro foi alvo de denúncia pela Procuradoria-Geral da República (PGR), que considerou sua atuação como prejudicial ao processo eleitoral e às investigações de atos antidemocráticos. Ele é acusado dos crimes de violação de sigilo funcional, coação no curso do processo e obstrução de investigação penal, e, no último dia 25, o Ministério das Relações Exteriores solicitou sua extradição ao governo italiano.

Enquanto o Tagliaferro participava da audiência, o processo contra o ex-chefe da AEED do TSE, sofreu duas movimentações, e seu canal em rede social foi derrubado. “Senhores senadores, o meu canal nas redes sociais, que estava retransmitindo essa audiência em tempo real, acaba de ser derrubado enquanto estamos conversando aqui”, denunciou.

“Depois dos vazamentos, Tagliaferro foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR), que considerou que o ex-assessor agiu para prejudicar o processo eleitoral e as investigações de atos antidemocráticos. Ele é acusado dos crimes de violação de sigilo funcional, coação no curso do processo e obstrução de investigação penal. No último dia 25, o Ministério das Relações Exteriores pediu a extradição de Tagliaferro ao governo italiano.”

Diante dos documentos apresentados por Tagliaferro na audiência, a senadora Damares Alves (Republicanos-DF) solicitou a suspensão do julgamento de Jair Bolsonaro, argumentando que a ação do STF contra o ex-presidente estaria “contaminada”. Em sua fala, Damares Alves denunciou “uma grande violação de direitos humanos”, afirmando que “pessoas foram acusadas e presas, buscas e apreensões foram feitas com provas forjadas por um magistrado”. Ela ainda pediu a intervenção do presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, e do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP)).

Na mesma linha, o senador Eduardo Girão (Novo-CE) sugeriu que as informações de Tagliaferro poderiam compor um relatório a ser “mostrado ao mundo” e protocolado em organismos internacionais, considerando a gravidade das acusações que, segundo ele, “anularia todo esse julgamento [contra o ex-presidente Jair Bolsonaro]“.

Tagliaferro (no telão) mora na Itália, onde se auto exilou, falou à comissão. Foto: Saulo Cruz/Ag. Senado

Força-tarefa informal no TSE e no STF
Em resposta ao senador Magno Malta (PL-ES), autor do requerimento da audiência, Tagliaferro confirmou a existência de uma “força-tarefa informal” no STF e no TSE. Essa força-tarefa teria como objetivo monitorar cidadãos e emitir “certidões positivas sem provas materiais”. O ex-assessor, que foi nomeado para a AEED do TSE em agosto de 2022 para monitorar redes sociais e checar publicações consideradas “irregulares”, alegou ter mantido uma relação “profissional” com o ministro Moraes, fingindo concordância com o suposto esquema “para reunir provas”. Ele justificou que, caso fosse contra o sistema, não estaria presente com o material para apresentar e “com minha vida ceifada”.

A audiência também deu destaque a uma cobrança antiga: a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar membros do Poder Judiciário por suposta perseguição política a adversários. O senador Esperidião Amin (PP-SC) reiterou seu requerimento, que já conta com 29 assinaturas (duas a mais que o mínimo necessário de 27), e agora aguarda leitura em Plenário pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre, para sua efetiva instalação. Amin defendeu que as informações de Tagliaferro já poderiam embasar o início dos trabalhos da comissão.

No desdobramento mais concreto da audiência, a Comissão de Segurança Pública aprovou, em votação simbólica, a disponibilização de todas as informações e documentos apresentados por Tagliaferro às defesas dos réus no julgamento dos atos de 8 de janeiro de 2023.

“A medida, aprovada em votação simbólica pelos membros da CSP, tem como objetivo permitir que os advogados tenham conhecimento das supostas irregularidades processuais praticadas por ordem do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e tomem as ‘providências cabíveis’. Isso pode acabar expondo as pessoas. As provas apresentadas ficarão à disposição dos advogados para que pudessem fazer uma análise daquilo que pudesse ser útil para seus clientes”, disse Flávio Bolsonaro.

A CSP também aprovou a elaboração de um relatório com as denúncias de Tagliaferro contra Moraes e o procurador-geral da República, Paulo Gonet, que também teria atuado fora do rito processual.

Segundo Flávio Bolsonaro, “o relatório será encaminhado ao presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, para que avalie a possibilidade de suspensão do julgamento em curso do 8 de janeiro. Cópias do relatório serão enviadas ao TSE, ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e ao governo dos Estados Unidos. Alem disso, a comissão vai requisitar proteção a Tagliaferro, que está na Itália, e aos seus parentes.”

Em um ponto crucial de sua explanação, respondendo ao senador Carlos Portinho (PL-RJ), Tagliaferro afirmou que Moraes teria utilizado contra Bolsonaro o mesmo procedimento adotado em 2022 contra empresários acusados de sugerir ações violentas, os quais foram submetidos a operações de busca e apreensão. Segundo Tagliaferro, a instrução penal nesses casos foi feita a partir de uma decisão já tomada, o que configuraria uma “inversão do devido rito processual”. Ele concluiu que “todos os casos de perseguição começaram com a inversão do rito. “Alexandre de Moraes já tinha em sua mente o planejamento de tudo que ele queria: aqueles alvos já estavam sentenciados”, acusou o ex-assessor.

A audiência, que contou com a participação de outros parlamentares como os senadores Jorge Seif (PL-SC), Astronauta Marcos Pontes (PL-SC), Marcio Bittar (PL-AC) e Marcos Rogério (PL-RO), e os deputados federais Nikolas Ferreira (PL-MG) e Bia Kicis (PL-DF), intensificou a pressão sobre o Poder Judiciário. Os senadores Cleitinho (Republicanos-MG) e Jaime Bagattoli (PL-RO) chegaram a cobrar ações do Senado pelo impeachment de Alexandre de Moraes e pela anistia dos envolvidos no 8 de janeiro de 2023.

As revelações de Eduardo Tagliaferro na Comissão de Segurança Pública do Senado configuram um momento de alta tensão no panorama político-judiciário brasileiro. As acusações de direcionamento de informações, formação de “força-tarefa informal” e “inversão do rito processual” por parte do ministro Alexandre de Moraes, conforme alegado, abrem novas frentes de questionamento sobre a lisura de investigações e julgamentos em curso, especialmente aqueles que envolvem figuras políticas de alto escalão.

A decisão da CSP de liberar os documentos para as defesas dos réus do 8 de janeiro e de encaminhar um relatório a diversas autoridades, incluindo o STF, e organismos internacionais, sinaliza a materialização de uma crise que exigirá respostas das instituições.

A demanda pela instalação de uma CPI e os pedidos de impeachment evidenciam a profundidade do descontentamento parlamentar com os procedimentos investigativos e judiciais questionados. O desenrolar dessas acusações, agora formalmente apresentadas ao Legislativo, promete influenciar os próximos passos tanto no Congresso Nacional quanto no Supremo Tribunal Federal.

Reportagem: Val-André Mutran é repórter especial para o Portal Ver-o-Fato e está sediado em Brasília.

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