A defesa de Jair Bolsonaro (PL) disse que o ex-presidente não atentou com o Estado democrático de direito e que “não há uma única prova” contra ele. A manifestação se deu durante as sustentações orais do advogado Celso Vilardi, no 2º dia do julgamento do “núcleo 1” da tentativa de golpe de Estado pela 1ª Turma do STF (Supremo Tribunal Federal).
Na manifestação, o defensor Celso Vilardi destaca que a PGR (Procuradoria-Geral da República) não conseguiu demonstrar uma relação direta do ex-presidente com minutas do golpe, plano de assassinatos de autoridades e com os atos de 8 de janeiro. A defesa considerou que o caso deveria ser analisado pelo plenário do STF.
“O presidente não atentou contra o Estado Democrático de Direito e não há uma única prova disso. Não há uma única prova que o vincule ao chamado Punhal Verde e Amarelo, à Operação Luneta ou aos atos de 8 de janeiro”, disse. Segundo Vilardi, nem mesmo o delator Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro “chegou a afirmar qualquer participação do presidente nesses fatos”.
Cerceamento de defesa
Um dos eixos da argumentação dos advogados diz respeito a um suposto “atraso na disponibilização das provas colhidas pela investigação da Polícia Federal”. De acordo com eles, os advogados tiveram menos de uma semana entre o recebimento das provas no inquérito policial e o início dos interrogatórios –na fase de instrução. “Não tivemos o tempo que o Ministério Público e a Polícia Federal tiveram; não houve paridade de armas.”
“Desde o início eu tenho pedido as provas do processo. Eu não nego que as provas levantadas pela PF e apresentadas na denúncia foram juntadas aos autos, mas a pergunta que se faz é: que prova é essa? São recortes de WhatsApp, dezenas e dezenas de computadores e celulares, e milhares de documentos apreendidos”, diz.
Nulidade da delação
Os advogados requerem a nulidade da delação premiada firmada entre o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro por ter mudado de versão ao longo dos depoimentos. “Nas 16 vezes em que depôs, Mauro Cid mudou de versão diversas vezes — e isso não sou eu quem digo, é o próprio MP e a PF. Ele apresentou uma versão e depois alterou essa versão”, afirmou.
Vilardi menciona uma suposta conversa de instagram, em que o militar teria ‘declarado coação’, o que, para a defesa, “coloca em questão a sua voluntariedade”. Voltou a afirmar que o tenente-coronel não é confiável, está “desmoralizado” e que foi “pego na mentira”.
“Documentos do Golpe”
Para Villardi, as supostas minutas de golpe, apresentadas pela PF, surgiram como um dos pontos centrais da denúncia da PGR. Contudo, não teriam sido apresentados indícios que garantam uma ligação de Bolsonaro. A defesa também diz que o texto apontado pela denúncia como o que determinaria as prisões de ministros, como do próprio Alexandre de Moraes, “não existe nos autos”.
O advogado diz que não seria possível demonstrar uma tentativa de golpe, uma vez que o ex-presidente determinou que fosse iniciado um processo de transição de governo. O advogado destacou que Bolsonaro chegou a auxiliar diretamente o ministro da Defesa do então presidente eleito, José Múcio Monteiro, para garantir uma transição no âmbito dos comandos militares.
Os pedidos da defesa
O principal pedido dos defensores do ex-presidente é a absolvição de todos os crimes apontados pela PGR (Procuradoria-Geral da República). Caso Bolsonaro seja condenado, os advogados querem a diminuição das penas propostas pela Procuradoria, com o afastamento dos agravantes do crime de organização criminosa e o benefício da desistência voluntária — quando o réu desiste de executar o crime.
Os advogados pedem o reconhecimento do “cerceamento de defesa”, por um suposto acesso incompleto às provas da investigação criminal, e a anulação da delação premiada do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, tenente-coronel Mauro Cid. A defesa alega “nulidade e imprestabilidade da delação premiada, uma vez verificado o vício de vontade, bem como omissões, falhas, seleções ou ainda ambiguidades”.
Nas alegações finais entregues em 13 de agosto, a defesa diz que Bolsonaro é “inocente de todas as imputações formuladas na denúncia” e que “não existe prova do golpe imaginado pela acusação”. Segundo os advogados, qualquer conduta mencionada na ação penal se limita a atos preparatórios ou ideias não concretizadas, como reuniões e conversas descritas como “brainstorm”.
O que diz a PGR
A PGR aponta Bolsonaro como líder de uma organização criminosa que teria atuado de meados de 2021 ao início de 2023. O objetivo do grupo, segundo a acusação, era romper a ordem democrática, enfraquecer os poderes constitucionais —especialmente o Judiciário — e impedir a alternância legítima de poder depois das eleições de 2022, vencidas por Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Segundo a denúncia, as ações atribuídas a Bolsonaro e a seus aliados foram planejadas de forma coordenada e sucessiva para garantir sua permanência no cargo, independentemente do resultado eleitoral. A PGR afirma que o ex-presidente atuou como articulador, inspirador e líder da estratégia golpista.
O procurador-geral da República, Paulo Gonet, destaca que Bolsonaro “no exercício do cargo mais elevado da República, instrumentalizou o aparato estatal e operou, de forma dolosa, esquema persistente de ataque às instituições públicas e ao processo sucessório”.
Entre os principais pontos apresentados por Paulo Gonet ao defender a condenação na 3ª feira (2.set), estão:
- ataques ao sistema eleitoral – Bolsonaro teria promovido uma campanha sistemática de desinformação contra as urnas eletrônicas. A PGR cita pronunciamentos públicos nos quais ele questionava a legitimidade das eleições, estimulando a desconfiança da população e preparando terreno para a rejeição a uma possível derrota. Um exemplo foi a reunião com embaixadores, em 18 de julho de 2022, quando repetiu acusações infundadas sobre o sistema de votação utilizando a estrutura do Estado;
- articulação golpista com militares – Bolsonaro teria reunido oficiais de alta patente para apresentar planos golpistas. Segundo a PGR, ele levou minutas de decretos que previam medidas de exceção contra o STF e o TSE. Uma dessas reuniões, em 7 de dezembro de 2022, teria sido convocada pelo próprio presidente;
- uso da máquina pública – o ex-presidente é acusado de instrumentalizar a Abin (Agência Brasileira de Inteligência) para fins ilícitos. O então diretor-geral da agência, Alexandre Ramagem, despachava regularmente com Bolsonaro no Palácio do Planalto, e a Abin teria operado como um serviço paralelo de inteligência.
- estímulo a movimentos antidemocráticos – segundo depoimento do ex-ajudante de ordens Mauro Cid, Bolsonaro alimentava a expectativa de apoiadores acampados em frente a quartéis, mantendo a esperança de que as Forças Armadas seriam mobilizadas para executar o golpe. A PGR sustenta que ele não ordenou a desmobilização desses grupos justamente por esse motivo;
- domínio sobre a organização criminosa – a apreensão de um discurso que Bolsonaro pretendia divulgar após a efetivação do golpe é apresentada como prova de sua liderança. O texto foi encontrado tanto na sede do Partido Liberal quanto no celular de Mauro Cid. O documento reforça que Bolsonaro tinha pleno conhecimento do plano e de seu objetivo: manter-se no poder por meio da força.
Para a acusação, o ex-presidente “mobilizou sistematicamente agentes, recursos e competências estatais, à revelia do interesse público, para propagar narrativas inverídicas, provocar a instabilidade social e defender medidas autoritárias”.
Como foi o 1º dia de julgamento:
- o que disse Moraes – STF não aceitará coação ou obstrução
- o que disse Gonet – Golpe consumado impediria julgar Jair Bolsonaro
- defesa de Cid – defende delação e chama Fux de “atraente”
- defesa de Ramagem – diz que provas são infundadas e discute com Cármen Lúcia
- defesa de Garnier – fala em vícios na delação de Cid
- defesa de Anderson Torres – nega que ele tenha sido omisso no 8 de Janeiro
- plateia na 2ª Turma – cerca de 80 pessoas acompanharam o julgamento
- condomínio de Bolsonaro – tem bate-boca e troca de empurrões na porta
JULGAMENTO DE BOLSONARO
A 1ª Turma do STF julga o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e mais 7 réus por tentativa de golpe de Estado. A análise do caso pode se alongar até 12 de setembro.
Integram a 1ª Turma do STF:
- Alexandre de Moraes, relator da ação;
- Flávio Dino;
- Cristiano Zanin, presidente da 1ª Turma;
- Cármen Lúcia;
- Luiz Fux.
Bolsonaro indicou 9 advogados para defendê-lo.
Os 3 principais são Celso Villardi, Paulo Cunha Bueno e Daniel Tesser. Os demais integram os escritórios que atuam na defesa do ex-presidente.
Além de Bolsonaro, são réus:
- Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin;
- Almir Garnier, ex-comandante da Marinha;
- Anderson Torres, ex-ministro da Justiça;
- Augusto Heleno, ex-ministro de Segurança Institucional;
- Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência;
- Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa;
- Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil.
O núcleo 1 da tentativa de golpe foi acusado pela PGR de praticar 5 crimes: organização criminosa armada e tentativas de abolição violenta do Estado democrático de Direito e de golpe de Estado, além de dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
Se Bolsonaro for condenado, a pena mínima é de 12 anos de prisão. A máxima pode chegar a 43 anos.
Se houver condenação, os ministros definirão a pena individualmente, considerando a participação de cada réu. As penas determinadas contra Jair Bolsonaro e os outros 7 acusados, no entanto, só serão cumpridas depois do trânsito em julgado, quando não houver mais possibilidade de recurso.
Por ser ex-presidente, se condenado em trânsito julgado, Bolsonaro deve ficar preso em uma sala especial na Papuda, presídio federal em Brasília, ou na Superintendência da PF (Polícia Federal) na capital federal.