Futuro do Estado em xeque: Câmara inicia debate sobre Reforma Administrativa

Sessão extraordinária, no formato de Comissão Geral, marca a discussão de 70 proposições, com propostas de modernização do Estado e combate a privilégios do serviço público

Brasília – A Câmara dos Deputados promoveu nesta quarta-feria (3), uma sessão extraordinária da Comissão Geral, dedicada ao debate sobre a proposta de reforma administrativa. A discussão, que se estendeu das 10h00 às 13h32, teve como objetivo principal a apresentação e análise de setenta proposições legislativas, organizadas em três eixos centrais: estratégia, gestão e governança; transformação digital; e gestão de recursos humanos no serviço público, incluindo o enfrentamento a privilégios. A sessão, presidida pelo deputado Hugo Motta (REPUBLICANOS-PB), revelou tanto a urgência percebida para a modernização do Estado quanto as profundas divergências quanto ao seu formato e impacto, especialmente entre parlamentares, especialistas e representantes de categorias de servidores.

O deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), coordenador do Grupo de Trabalho da Reforma Administrativa, apresentou a primeira versão da proposta, sublinhando a ambição de criar um “Estado voltado para resultados, o Estado da era digital”. Em sua fala, o parlamentar ressaltou que a reforma não visa o ajuste fiscal imediato ou a redução do tamanho do Estado, mas sim a busca por “um Estado melhor e mais eficiente”, com foco no cidadão e no aumento da produtividade do setor público.

Dentre as setenta propostas, destacou-se a manutenção da estabilidade do servidor público, vista como uma “garantia do Estado brasileiro”, mas com a implementação de avaliação de desempenho e bônus por resultados.

Outros pontos apresentados incluíram a obrigatoriedade de planejamento estratégico para chefes de governo, a digitalização e rastreabilidade de todos os atos públicos, a criação de uma tabela remuneratória única para todo o serviço público nacional (com prazo de adaptação de 10 anos), a ampliação dos níveis de carreira e a disciplina da contratação de temporários e de cargos em comissão. Um eixo específico foi dedicado ao combate a “privilégios”, citando férias de 60 dias, verbas indenizatórias e altos salários em estatais e cartórios.

O debate que se seguiu à exposição inicial de Pedro Paulo demonstrou a complexidade e a sensibilidade do tema. Representantes de entidades de servidores públicos, como Rudinei dos Santos Marques, do Fonacate (Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas do Estado), expressaram “profunda preocupação e desconfiança com a tramitação dessa reforma”, alegando não terem tido acesso ao texto integral da proposta. Ele criticou a ideia de bônus por desempenho, classificando-a como “uma das piores medidas” por fomentar a competição em vez da cooperação no serviço público. Wanderci Polaquini, da Pública Central do Servidor, questionou a transparência do processo, afirmando que “nenhum deles [parlamentares do grupo de trabalho] tem conhecimento do que está sendo construído como texto”.

Supersalários
A questão dos “supersalários” foi um ponto de convergência, com especialistas como Humberto Falcão (Fundação Dom Cabral) e Jessika Moreira (Movimento Pessoas à Frente) defendendo o combate a esses rendimentos, que geram “grande indignação” na população, conforme apontou Jessika Moreira, citando que apenas 0,06% dos servidores recebem pagamentos acima do teto constitucional, mas que isso custou R$ 11 bilhões de reais em 2023. Bruno Carazza, autor do livro “O país dos privilégios”, reiterou que a pauta dos privilégios “une tanto a Direita quanto a Esquerda” e criticou a “criatividade capaz de burlar regras e tetos”.

No entanto, a defesa de categorias específicas também se fez presente. Vitor Pinto Chaves e Niomar de Sousa Nogueira, representantes da Advocacia-Geral da União (AGU), defenderam o modelo remuneratório da carreira, afirmando que os honorários advocatícios “não vêm do Tesouro, não vêm do orçamento” e que a AGU gerou economia de R$ 1,55 trilhão de reais aos cofres públicos em 2024.

José Paulo Baltazar Junior e Moema Locatelli Belluzzo, representando os cartórios, argumentaram que, apesar de serem privados, atuam em “estreita colaboração com o poder público”, gerando receitas e desburocratizando processos, e que não deveriam ter tetos, assim como concessionárias.

A deputada Alice Portugal (PCdoB-BA) e o deputado André Figueiredo (PDT-CE), membros do Grupo de Trabalho, expressaram preocupações com a precarização do serviço público. Alice Portugal alertou que “quebrar a estabilidade é quebrar o instituto que não defende apenas o servidor, mas que defende o Estado brasileiro”, e criticou a ideia de contratos temporários para concursados.

André Figueiredo manifestou “unanimidade contra” a proposta de servidores estatutários temporários por 10 anos e pediu a criação de uma Comissão Especial para aprofundar o debate sobre o texto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC).

O Secretário Extraordinário para a Transformação do Estado, Francisco Gaetani, representando a Ministra da Gestão Esther Dweck, reconheceu a manutenção da estabilidade como um ponto positivo, mas ressaltou que “muitos pontos que estão em discussão não justificariam uma PEC”, devido à rigidez que ela pode gerar. Ele também alertou para a heterogeneidade do país, que deve ser considerada ao propor obrigações para estados e municípios.

A sessão evidenciou um consenso sobre a necessidade de modernização do Estado brasileiro e de melhoria dos serviços públicos, mas também a fragilidade de um debate sem o acesso prévio e amplo ao texto das propostas. A repetida demanda por transparência e um espaço de discussão mais aprofundado, como uma Comissão Especial, marca o tom das negociações futuras.

Ao encerrar a sessão, o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, reiterou o compromisso da Presidência em priorizar a agenda da reforma administrativa no segundo semestre, afirmando que o deputado Pedro Paulo está visitando as bancadas para colher sugestões antes da apresentação formal do texto. A expectativa é que, com a apresentação do conteúdo integral, o debate possa ser mais preciso e, se possível, resultar na aprovação de uma reforma até o final do ano, visando aprimorar a qualidade dos serviços públicos no Brasil.

Reportagem: Val-André Mutran é repórter especial para o Portal Ver-o-Fato e está sediado em Brasília.

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