Não há polarização no Brasil. E se tivesse, como seria a extrema esquerda?

Por Glauco Alexander Lima

Nos últimos anos, tornou-se comum ouvir a tese de que o Brasil vive uma polarização política entre “extremismos” de direita e de esquerda. Esse raciocínio, repetido de forma quase automática em análises superficiais e as vezes mal intencionadas, acaba produzindo um efeito perverso: normaliza a ultra extrema direita brasileira, como se fosse uma força legítima no jogo democrático.

O fato é que não há polarização no Brasil — pelo menos não da forma que se tenta vender. Se há algum tipo de divisão, ela não se dá entre as forças que lutam dentro dos limites do campo democrático.

O que existe, de um lado, é um amplo espectro de partidos e lideranças — da esquerda à direita, passando pelo centro — que atuam dentro da legalidade, respeitam o Estado de Direito e aceitam as regras do jogo democrático.

Do outro lado, está um grupo que prega ruptura institucional, que tentou um golpe de Estado, que quis explodir bombas perto do aeroporto de Brasília, que num ato de terror, invadiu e depredou as sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023, que ataca sistematicamente o Judiciário, as eleições e que chega ao absurdo de pedir intervenção militar, sugerindo inclusive quem deveria ser o novo ditador.

O governo federal atual é prova dessa inexistência de polarização clássica. Trata-se de uma coalizão ampla de centro, que reúne partidos de orientação mais à esquerda, como o PT e o PSB; de centro, como o MDB; e até legendas que orbitam a centro-direita, como o União Brasil.

É um arranjo pragmático, fruto da necessidade de governabilidade e da busca por consensos mínimos dentro da ordem democrática e da convivência pacífica entre pensamentos diferentes.

Mesmo partidos frequentemente rotulados como “radicais”, como o PSOL, não podem ser chamados de extrema esquerda, pois atuam plenamente dentro da Constituição, das leis e das instituições. Suas lutas — por direitos sociais, ambientais, trabalhistas e de minorias — são legítimas no jogo democrático. Isso está a anos-luz de qualquer projeto de ruptura ou quebra da ordem republicana.

Mas afinal, o que seria uma extrema esquerda? Para entender melhor, é preciso refletir: o que seria uma extrema esquerda real, capaz de fazer contraponto ao bolsonarismo?

Seria um grupo que defendesse o fim da propriedade privada, a estatização de toda a telefonia, das rodovias e a abolição de pedágios; que exigisse a desapropriação de fábricas para entregá-las ao comando dos trabalhadores; que pregasse a derrubada violenta das instituições; e que espalhasse desinformação sistemática contra multinacionais ou religiões neopentecostais. Isso sim poderia configurar uma extrema esquerda.

Ora, nada disso existe hoje no Brasil. A última expressão real de extrema esquerda foi a que, durante a última ditadura militar, optou pela luta armada.

Tratava-se de grupos clandestinos que, sem espaço de ação política legal, acreditaram na possibilidade de uma revolução popular inspirada em modelos externos, num contexto de Guerra Fria entre EUA e URSS. Desde então, esse capítulo ficou no passado. Mesmo porque, quem quer que ganhe eleição no Brasil tem que governar dentro do sistema capitalista. Caso contrário nem se elege.

O Brasil precisa de uma polarização saudável. É fundamental esclarecer isso. Não se pode negar ou satanizar as diferenças legítimas entre campo progressista e conservador, entre interesses de capital e interesses do trabalho, mas para reafirmar que essas diferenças são parte do jogo democrático.

Polarização não é algo ruim em si mesma: sociedades maduras se beneficiam do embate de ideias.

O debate entre Estado e mercado, entre bem-estar social e liberalismo econômico, entre prioridades públicas e liberdade individual — tudo isso fortalece a democracia e ajuda a buscar soluções reais.

O desafio do Brasil não é evitar a polarização saudável de ideias, mas resistir à naturalização do extremismo golpista da direita. Nossa missão maior como nação é discutir modelos de desenvolvimento, para enfrentar a chaga histórica que é mãe de todas as nossas desgraças: a desigualdade econômica, social e regional.

Esse é o verdadeiro FLA x FLU que interessa ao Brasil, como humanizar um país com 525 anos de existência, sendo que desses, 350 foram de escravização de seres humanos indígenas e principalmente negros.

O Brasil precisa de pluralismo, de divergências, de debates republicanos intensos e até de choques de visão sobre o futuro. O que não podemos aceitar é colocar no mesmo patamar a divergência democrática legítima e o extremismo autoritário.

Não há polarização entre esquerda e direita no Brasil: há, sim, democracia de um lado, e um golpismo oco, truculento, desonesto e obscurantista do outro lado. (Foto: Reprodução)

Glauco Alexander Lima, Cidadão Brasileiro

Publicado originalmente no Opinião em Pauta

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