PARÁ – O dossiê das mochilas parrudas com R$ 101 milhões: PF vigiou envolvidos

Em 182 páginas, juiz federal que autorizou buscas, prisões, bloqueio de bens e quebra de sigilo detalha o “modus operandi” dos investigados

A investigação desvenda como o grupo criminoso estruturou um amplo esquema de corrupção para fraudar licitações, superfaturar contratos e desviar recursos destinados a saúde e educação. A movimentação financeira identificada pelos investigadores da PF, CGU e MPF beira R$ 200 milhões. Ou seja: o dinheiro público, que deveria custear serviços essenciais, foi canalizado para empresários e servidores públicos corruptos, que recebiam propinas, ocultavam valores em contas de laranjas e promoviam lavagem de capitais por meio de empresas de fachada.

Mas o que mais impressiona na decisão do juiz Carlos Chada Chaves, da 4ª Vara Federal de Belém, que autorizou a ação, não são apenas os contratos fraudados ou as licitações direcionadas.O documento de 182 páginas, ao qual o Ver-o-Fato teve acesso, revela uma verdadeira narrativa policial em tempo real: empresários e servidores foram seguidos, filmados e descritos em relatórios detalhados enquanto sacavam malas de dinheiro em bancos estatais, entregavam propina dentro de repartições públicas e circulavam com mochilas parrudas de grana pelos corredores da Assembleia Legislativa do Pará (Alepa).

A engrenagem era simples e brutal: empresas de fachada venciam licitações fraudulentas. Feito isso, os contratos eram superfaturados, muitas vezes com “caronas” irregulares em atas de outros órgãos. Em seguida, o dinheiro público caía nas contas das empresas investigadas. E no mesmo dia ou no seguinte, empresários sacavam os valores em espécie. As quantias eram entregues diretamente a servidores e gestores públicos.

Segundo a PF, mais de R$ 101 milhões foram sacados em dinheiro vivo entre 2018 e 2025. Cerca de 50% do valor dos contratos firmados nunca se transformava em serviço prestado, mas sim em propina paga em espécie.

As bolsas recheadas

Em 14 de março de 2024, agentes da PF monitoraram uma movimentação suspeita em frente à agência 15 do Banpará, em Belém. De lá, saíram dois empresários já sob investigação: Alberto Furtado Pinheiro, sócio das empresas Fortes Comércio e Brasil Brasil Ltda, e Jacélio Faria Igreja, da Líder Engenharia.

Os policiais descreveram a cena: os dois carregavam bolsas volumosas, “aparentemente recheadas” de dinheiro. As malas foram colocadas em uma Toyota Hilux cinza, registrada em nome de uma cunhada de Alberto, também ligada às empresas investigadas. O veículo seguiu até a sede de uma empresa associada ao grupo, onde o dinheiro seria redistribuído.

A investigação mostrou que esses saques eram frequentes, muitas vezes de R$ 400 mil a R$ 600 mil em uma única operação.

Propina dentro da Polícia Científica

Poucos dias depois, em 22 de março de 2024, a PF voltou a seguir Jacélio Faria Igreja. Naquela manhã, ele sacou R$ 600 mil no Banpará, acompanhado de Alex Jordano Cunha, sócio da Max Empreendimentos.

Desta vez, o destino não foi uma empresa privada, mas sim a Polícia Científica do Pará (PCEPA). Lá dentro, Jacélio foi recebido por um servidor identificado como Denis Figueiredo da Silva. O relatório da PF é categórico: “A dinâmica apontou entrega de valores em espécie no interior do órgão público.” Era a corrupção acontecendo dentro das paredes de uma instituição estatal.

Cofre paralelo

Um ano depois, em 14 de agosto de 2025, portanto, dias atrás, a Polícia Federal registrou a face mais ousada do esquema: a Assembleia Legislativa do Pará (Alepa) se transformara em um centro de distribuição de propinas. A PF acompanhou Jacélio, Alex Jordano e servidores da Alepa em um saque realizado dentro da própria Casa Legislativa. A movimentação aconteceu em uma agência do Sicoob instalada nas dependências do prédio.

Cálculo dos investigadores revela que, apenas em três meses, R$ 14 milhões foram sacados nessa agência interna da Alepa. Logo após os saques, os empresários e servidores almoçaram juntos no restaurante do Legislativo, como se estivessem em uma rotina normal.

O relatório é contundente: “O grupo vem se utilizando estrategicamente das dependências da Assembleia Legislativa do Estado do Pará para movimentação regular de numerário oriundo de desvios de recursos públicos, em total escárnio com a coisa pública.”

A rotina das mochilas

O padrão descrito pela PF é quase cinematográfico: empresários entram no banco e retiram malas e mochilas cheias de dinheiro vivo. Saem acompanhados por comparsas ou parentes, em veículos de luxo. Minutos depois, o dinheiro é repassado a servidores dentro de repartições ou em estacionamentos reservados.

Em seguida, todos se encontram em restaurantes — muitas vezes no Ouro Nato, em Belém, ou no restaurante interno da Alepa — para “comemorar” e selar os acertos. A decisão judicial destaca que a corrupção era “contínua, sistemática e generalizada”, chegando ao ponto de ser tratada como rotina operacional pelos envolvidos.

Números que chocam

Só a Líder Engenharia sacou R$ 21 milhões em espécie entre agosto de 2024 e julho de 2025, em quase uma centena de operações bancárias. E mais: entre janeiro e abril de 2024, órgãos públicos pagaram R$ 18 milhões às empresas investigadas; em seguida, R$ 6,9 milhões foram imediatamente sacados em dinheiro vivo, representando 38% do valor.

O último saque monitorado ocorreu em 22 de julho de 2025, às vésperas da operação: R$ 477.850,00 em espécie, prova da contemporaneidade do esquema.

Grana debaixo da cama

Levantamento ainda parcial da operação realizada ontem em Belém e Marituba, onde foram apreendidos:

R$ 881.000,00 entre moedas nacionais e estrangeiras;

31 carros, alguns deles importados, mas não foi especificado quantos

88 peças de joias;

sete relógios de luxo.

Embaixo da cama de Sandro Rogério, servidor da Alepa, a Polícia Federal encontrou uma mala com quase R$ 200 mil.

Escárnio e a impunidade

Para a Polícia Federal, a naturalidade com que os investigados lidavam com valores tão altos em espécie mostra a certeza de impunidade. O relatório afirma: o total escárnio com a coisa pública reforça a sensação de impunidade que permeia a atuação do grupo.”

O que os relatórios da PF mostram é que a corrupção no Pará ganhou corpo, rotina e até “logística de Estado”. Empresários e servidores agiam em conjunto, utilizando o próprio aparato público — prédios, carros oficiais, restaurantes e agências bancárias internas — para distribuir propina como se fosse parte do trabalho diário.

Um esquema que só pôde ser desbaratado porque a Polícia Federal decidiu seguir o dinheiro vivo, passo a passo, até as mochilas que carregavam não apenas cédulas, mas o retrato mais cru da degradação do serviço público.

A Alepa informou, por meio de nota, que já “está tomando as medidas administrativas cabíveis para o afastamento dos servidores alvos de operação da Polícia Federal realizada nesta terça-feira, 2 de setembro. As investigações correm em segredo de Justiça”.

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