Ex-chefes da Casa Civil e Sespa, Parsifal, Beltrame, Cassol e mais 6 são acusados de beneficiar empresa sem licença da Anvisa em plena crise da Covid-19: mais de 20 mil paraenses morreram
Em plena tragédia da pandemia da covid-19, quando famílias choravam pela falta de ar de seus parentes internados, um grupo de autoridades e empresários decidiu transformar a calamidade em balcão de negócios. A Justiça Federal, em Belém, acaba de receber denúncia contra nove pessoas acusadas pelo Ministério Público Federal (MPF) de fraudar a compra de 400 respiradores pelo governo do Pará em 2020, ao custo de R$ 50,4 milhões. O processo, que teve o sigilo removido, agora seguirá para julgamento.
O esquema, segundo a denúncia do MPF, foi arquitetado para beneficiar a empresa SKN do Brasil, que sequer tinha autorização da Anvisa para comercializar ventiladores pulmonares e não possuía experiência no setor. Mesmo assim, recebeu pagamento antecipado de R$ 25,2 milhões, sem garantia de entrega.
Como agravante, os aparelhos entregues não serviam para tratar pacientes de covid — eram inservíveis, praticamente peças de museu pedagógico, em meio a uma corrida desesperada por equipamentos que pudessem salvar vidas.
Entre os réus estão figuras centrais que já atuaram no atual governo:
Parsifal de Jesus Pontes, ex-chefe da Casa Civil;
Alberto Beltrame, então secretário de Saúde;
Peter Cassol Silveira, ex-secretário adjunto da Sespa;
além de assessores, ex-diretores da secretaria e empresários ligados à SKN.
O MPF os acusa de crimes que vão de fraude em licitação a corrupção passiva, falsidade ideológica, peculato e associação criminosa.
Fraude escancarada
As investigações revelaram que o contrato fraudulento foi redigido pelos próprios beneficiários e repassado a Parsifal Pontes antes mesmo de qualquer processo licitatório. A papelada para justificar a dispensa de licitação foi montada às pressas, com documentos forjados em datas retroativas.
A Polícia Federal também comprovou superfaturamento de até 80% no preço dos respiradores. Para completar, a empresa cobrou do governo estadual R$ 5,5 milhões em frete internacional, embora esse custo já tivesse sido pago pela mineradora Vale, em forma de doação humanitária.
O esquema incluía ainda transferências para empresas de fachada, movimentação de quase R$ 1 milhão em espécie encontrado nas casas dos investigados, e tentativa de apagar provas digitais. O então secretário Alberto Beltrame, por exemplo, teve o celular apreendido com todos os registros apagados antes de maio de 2020, justamente o período crítico das tratativas.
Relações perigosas
O representante da SKN mantinha relações próximas com o governador Helder Barbalho desde 2018, trocando mensagens diretas no WhatsApp. Foi ele quem enviou fotos dos respiradores ao governador em março de 2020, bem antes de qualquer processo formal. Apesar disso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) arquivou o inquérito contra Helder em 2023, em decisão sob sigilo.
O portal Ver-o-Fato foi o único veículo de imprensa do Brasil à época a publicar reportagem com a íntegra da decisão do STJ. A Procuradoria Geral da República (PGR) foi quem pediu a exclusão de Helder, afirmando que não havia como provar a participação do governador no esquema. Os ministros seguiram a recomendação de arquivamento da PGR, enviando as investigações contra os demais para seguimento das ações na Justiça Federal no Pará.
Pedido de condenação exemplar
O MPF pede, além da condenação penal dos réus, que o grupo devolva R$ 25,2 milhões aos cofres públicos e que cada denunciado pague R$ 500 mil por danos morais coletivos. O argumento é forte: os delitos, praticados em meio à maior crise sanitária recente, abalaram a confiança da sociedade, agravaram o sofrimento da população e feriram valores básicos de humanidade e solidariedade.
O caso revela uma ferida profunda: enquanto médicos improvisavam leitos e famílias imploravam por oxigênio, agentes públicos e empresários de confiança do governo estavam ocupados em fraudar papéis, engordar contratos e forjar licitações. Não se trata apenas de corrupção — é a negação absoluta da empatia, um crime contra a vida.
A falta de humanidade dos acusados é tão grave quanto os milhões desviados. Eles não se aproveitaram apenas de uma brecha na lei, mas do desespero coletivo de um povo em colapso. E por isso, o julgamento que se inicia não deveria ser visto apenas como mais um processo criminal, mas como um teste sobre até que ponto a Justiça brasileira está disposta a punir quem lucra com a morte.
A Justiça Federal determinou a retirada do sigilo do processo e autorizou o compartilhamento das provas com a Controladoria-Geral da União (CGU) e com a Receita Federal.
Ação Penal nº 1015947-12.2024.4.01.3900
The post URGENTE – O Pará sufocava, eles enriqueciam: caso dos respiradores põe 9 no banco dos réus appeared first on Ver-o-Fato.