Foto: Lula Marques/Agência Brasil
Fórum – O Brasil foi surpreendido com a mudança súbita de personagem do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), poucas horas antes do início do primeiro dia de julgamento de Jair Bolsonaro (PL). Ele acordou aquela manhã em Brasília e já engatou reuniões com os caciques do Centrão para articular pessoalmente uma anistia rápida e total ao ex-presidente golpista, que até a semana que vem deve estar condenado a décadas de prisão. Ainda na segunda-feira (2), o país ficou sabendo que a operação de guerra nefasta de Tarcísio tinha dado certo: União Brasil e PP anunciaram o desembarque do governo Lula e agora a anistia seria votada rapidamente na Câmara, no máximo em duas semanas.
Surgiu a partir daí um temor generalizado de que tal manobra criminosa conseguisse finalmente livrar Bolsonaro da cadeia, o deixando impune por todos os crimes que cometeu, e incólume à pesada sentença que o aguarda. No entanto, a coisa não é bem assim. Para que uma eventual anistia aprovada no Congresso entre em vigor e tenha validade, um longo (e praticamente intransponível) caminho precisa ser percorrido.
A Fórum foi ouvir quatro dos mais respeitados juristas brasileiros para saber se, de fato, seria plausível ou possível essa anistia ao antigo ocupante do Palácio do Planalto que, ao perder a eleição para Lula, tentou se converter num ditador. As respostas foram unânimes: as chances de êxito são nulas.
“Não existe nenhuma hipótese, em caso de aprovação da anistia no Congresso, o que eu não acredito, porque o senador Alcolumbre [presidente da Casa] já disse que não vai pautar, mas se fosse aprovada, fatalmente o Supremo iria declarar a inconstitucionalidade. Tem um artigo muito bom, do Celso de Mello, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, no qual ele faz uma longa abordagem sobre especificamente a impossibilidade de crimes contra o Estado Democrático de Direito passarem numa eventual anistia para as pessoas que atentaram contra a democracia… E é mais ou menos aquilo que eu disse quando assumi a tribuna do Supremo para defender a ADC 43, sobre a presunção de inocência, e eu disse lá que ‘o Supremo pode muito, mas não pode tudo’, porque nenhum poder pode tudo… E esses é o caso concreto: o Congresso Nacional pode muito, mas ele não pode enfrentar cláusula pétrea e ele não pode passar essa instituição [a anistia] para golpistas que atentaram contra o Estado Democrático de Direito”, começou dizendo o jurista e advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, um dos mais renomados e prestigiados criminalistas do Brasil, integrante do grupo Prerrogativas.
“Se aprovada a anistia, coisa que eu não acredito, que estivesse sancionada mesmo após o veto do presidente Lula, imediatamente o Supremo seria acionado. Evidentemente vários partidos iriam acionar o STF, e o STF imediatamente não permitiria nem a soltura e nem o perdão a Bolsonaro. O Supremo iria, em decisão rápida, primeiramente em caráter monocrático, impedir isso, e na sequência isso iria ser submetido ao plenário, para então ser declarado inconstitucional… O Supremo é quem fala por último, é assim que funciona numa democracia”, completou ainda o famoso advogado.
Quem tem uma opinião idêntica é Fernando Fernandes, outro reconhecido jurista e advogado, que diz “não ter dúvida” da ilegalidade de uma anistia nesses moldes, e que ela seria considerada inconstitucional pelo STF. Para ele, se esse perdão a Bolsonaro de fato for aprovado no Congresso, o caso seria muito mais de uma afronta ao Judiciário.
“Eu não tenho menor dúvida que constitucionalmente é vedada a anistia e a graça a crimes cometidos contra a democracia e o terrorismo, que a Constituição Federal de 1988 se referiu à época ao que era a Lei de Segurança Nacional, substituída recentemente pela Lei de Soberania, que versa sobre esses crimes, e em defesa do Estado Democrático Direito. Portanto, o Supremo Tribunal Federal derrubaria qualquer tentativa de anistia, de indulto e de graça, e, para evitar problemas futuros, seria melhor que já o fizesse, impedindo a votação. Mas se o Congresso votar, estará indo claramente para um conflito com a Constituição e o Supremo… E o Supremo mais uma vez terá que se posicionar em relação a mais um ataque à democracia”, explicou Fernandes.
Para Lenio Streck, um dos mais respeitados juristas do país e com mais citações em decisões de tribunais superiores no Brasil, o Congresso “pode fazer o que quiser”, mas qualquer decisão precisa passar pelo crivo do Supremo. Ele garante ainda que Bolsonaro não seria libertado em hipótese alguma sem que antes o STF julgasse isso legal, o que não ocorrerá.
“Uma eventual anistia só poderia ter efeito após a condenação de Jair Bolsonaro transitar em julgado. Porém, se aprovada a anistia, e esta teria que falar do já condenado, ou dos já condenados por tentativa de golpe, ela, em tese, valeria. Na prática, aprovada a anistia por lei, ela seria vetada por Lula. Teria, então, que ser derrubado o veto pelo Congresso. Depois, seria questionada no STF, imediatamente. Bolsonaro, se condenado e preso, continuaria preso e inelegível. Sairia só se em algum momento o STF dissesse que a anistia é constitucional. Ou seja: anistia pelo Congresso é por lei e depende da sanção do Presidente da República. O Congresso pode fazer o que quiser, mas dependerá de sanção do presidente e de uma resposta ao questionamento feito ao STF”, opinou Lenio.
Já a jurista Soraia Mendes, que também é professora, pesquisadora, doutora em Direito, Estado e Constituição e mestra em Ciência Política, há um conjunto de fatores que permite perceber de forma clara que uma anistia desse tipo não teria base alguma para ser aceita e chancelada no Supremo Tribunal Federal.
“Especificamente em relação a essa anistia, é uma situação nova, a gente não tem jurisprudência farta, mas eu entendo que existem outros casos que podem ser trazidos de decisões da Corte [do STF], e que podem servir como referências para que a gente consiga compreender que a concessão de anistia num caso como esse, dessa forma como se pretende dar, ela é impossível de ser considerada constitucional. Isso porque, primeiro, não se pode utilizar do direito, em um estado democrático de direito, para atentar contra a própria democracia. Então, é um contrassenso que você tenha todo o princípio democrático atacado por alguém que é justamente contra a democracia, e que tentou um golpe. Então, esse o primeiro ponto. Mas o segundo [ponto], e aí existem jurisprudências, não especificamente sobre esse tema, mas a falar sobre democracia e a falar sobre o princípio democrático, e a gente tem não só jurisprudência, como se tem também a doutrina por meio da fonte, da fonte do direito. Agora, por outro lado, me parece que a questão da maioria também é questionada aí, porque embora eles [bolsonaristas e Centrão] tenham maioria no Congresso Nacional, essa é uma maioria que busca burlar a ordem jurídica, seja por defender atos golpistas ou pelo apoio aos envolvidos [nos crimes julgados no STF], seja também por atitudes como aquela que nós vimos de tomada do próprio plenário da Câmara dos Deputados, ou até através de um ato como esse, de concessão de anistia… E no Supremo, há jurisprudência falando do direito das minorias. Repito sempre, não é sobre esse caso, mas [há jurisprudência] dizendo que as minorias não podem ser sufocadas pelas maiorias. Essa discussão veio à tona à época da CPI da Covid, em que o Congresso se recusava, na verdade aos presidentes das Casas, se recusavam a instaurar a CPMI e todos os requisitos já estavam presentes. Ali houve várias discussões, e eram discussões a respeito de direitos das minorias… Então, embora haja uma minoria, esta minoria é uma minoria em defesa da ordem jurídica democrática, diferentemente da maioria… Então, nós estamos num momento em que ‘o jogo’ está num papel contramajoritário ao Supremo. Nesse sentido, não me parece que teria acolhida no Supremo Tribunal Federal essa demanda da anistia”, afirmou Soraia.
Por fim, ela disse que não “crava” que o STF vai barrar uma eventual anistia a Bolsonaro, embora reitere que não há qualquer base constitucional para que tal perdão seja reconhecido pela mais alta instância do Judiciário nacional.
“Em síntese, eu não tenho como afirmar que isso [a anistia] vai ser rechaçado no Supremo, mas posso afirmar que existem lastros doutrinário e jurisprudencial, além de uma necessidade histórica, e isso não pode ser descolado dessa questão, para se evitar isso [a aceitação de uma anistia a Bolsonaro]… Assim, é claro, também posso dizer que essa anistia seria uma anistia contra os próprios termos e princípios da Constituição Federal”, concluiu a jurista.
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