Juristas descartam chance de anistia para Bolsonaro após articulação de Tarcísio

Movimento do governador de São Paulo junto ao Centrão para blindar ex-presidente é considerado inconstitucional e sem viabilidade prática

Sandra Venancio

O Brasil foi surpreendido na segunda-feira (2) por uma mudança brusca de postura do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos). Em Brasília, poucas horas antes do início do julgamento de Jair Bolsonaro (PL) no Supremo Tribunal Federal, Tarcísio articulou pessoalmente com líderes do Centrão uma proposta de anistia total ao ex-presidente. O movimento ganhou força após União Brasil e PP anunciarem o rompimento com o governo Lula, abrindo caminho para uma votação rápida na Câmara.

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A manobra, vista por críticos como tentativa de blindagem criminosa, despertou temor de que Bolsonaro escapasse de eventual condenação a décadas de prisão. No entanto, especialistas garantem que o plano é inviável.

A Revista Fórum ouviu quatro juristas renomados, e todos foram categóricos: a possibilidade de uma anistia é nula. O advogado criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, destacou que qualquer aprovação no Congresso seria barrada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

“Não existe nenhuma hipótese, em caso de aprovação da anistia no Congresso, o que eu não acredito, porque o senador Alcolumbre já disse que não vai pautar. Mas se fosse aprovada, fatalmente o Supremo iria declarar a inconstitucionalidade. Há um artigo do ministro Celso de Mello que trata justamente da impossibilidade de crimes contra o Estado Democrático de Direito passarem numa eventual anistia. O Congresso pode muito, mas não pode tudo. Não pode enfrentar cláusula pétrea nem conceder anistia a golpistas”, afirmou Kakay.

A avaliação unânime dos juristas é de que crimes contra a democracia estão protegidos constitucionalmente contra esse tipo de perdão. Assim, mesmo que a articulação de Tarcísio resulte em votação no Legislativo, a medida não teria validade prática e acabaria derrubada pelo STF.

Enquanto Bolsonaro avança em direção a uma provável condenação, a estratégia de anistia é vista no meio jurídico como um movimento político de efeito limitado — mais simbólico do que real.

Cláusula pétrea da Constituição impede anistia a crimes contra a democracia

A proposta de anistia articulada por aliados de Jair Bolsonaro no Congresso encontra um obstáculo considerado intransponível pela comunidade jurídica: as chamadas cláusulas pétreas da Constituição Federal de 1988.

Esses dispositivos, previstos no artigo 60, parágrafo 4º, não podem ser alterados nem mesmo por emenda constitucional. Entre eles está a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais — todos pilares diretamente violados por crimes contra o Estado Democrático de Direito.

Para juristas ouvidos, qualquer tentativa de anistiar atos golpistas afrontaria esse núcleo intocável da Constituição. O criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, recorda que o ex-ministro do STF Celso de Mello já sustentou a impossibilidade de perdão a quem atenta contra a democracia. “O Congresso pode muito, mas não pode tudo. Ele não pode enfrentar cláusula pétrea nem conceder anistia a golpistas”, resumiu.

Assim, mesmo que deputados e senadores aprovem uma medida de anistia, o Supremo Tribunal Federal teria base constitucional sólida para declarar sua inconstitucionalidade. Na prática, as chamadas “leis pétreas” funcionam como barreira definitiva contra iniciativas que busquem apagar crimes ligados a tentativas de ruptura democrática.