Relatório da CGU detalha salto de valores desviados por descontos associativos, com picos em 2023 e 2024, e aponta falhas crônicas de fiscalização
Brasília – A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do INSS retomou seus trabalhos na quinta-feira (4) com a oitiva da Diretora de Auditoria de Previdência e Benefícios da Controladoria-Geral da União (CGU), Eliane Viegas Mota, que trouxe detalhes alarmantes sobre o esquema de descontos indevidos em benefícios de aposentados e pensionistas do INSS. A sessão, marcada por intensos debates e revelações sobre a omissão de órgãos públicos e o crescimento exponencial da fraude, expôs a magnitude de um problema que, em seu pico, movimentou bilhões de reais em recursos desviados.
A diretora da CGU revelou um panorama preocupante sobre a escalada das fraudes por meio de descontos associativos indevidos nos benefícios do INSS, com a CGU detalhando a identificação de irregularidades e a inação de diversas instâncias, levando a um rombo bilionário que atinge milhões de aposentados e pensionistas, num dos crimes mais sórdidos já praticados contra cidadãos brasileiros — a maioria em vulnerabilidade social.
O depoimento de Eliane Viegas Mota, servidora da CGU desde 2001 e diretora da área de Previdência desde 2019, foi central para a compreensão da cronologia e da dimensão da fraude. Segundo a diretora, o conhecimento oficial da CGU sobre irregularidades em descontos associativos data de 2019, a partir de uma recomendação do Ministério Público no Paraná que apontava quatro entidades com crescimento expressivo de descontos: Abamsp, Centrape, Asbapi e Anapps. As auditorias da CGU sobre o tema, no entanto, tiveram seu primeiro trabalho específico iniciado em 2024.
Os números apresentados pela CGU, extraídos das folhas de pagamento do INSS, revelam um aumento substancial dos valores descontados de beneficiários ao longo dos anos. Em 2015, foram R$ 387 milhões; em 2016, R$ 406 milhões; em 2017, R$ 453 milhões; e em 2018, R$ 625 milhões. Uma redução foi observada em 2019 (R$ 574 milhões) e 2020 (R$ 482 milhões), período que, segundo a Eliane Mota, coincide com rescisões de Acordos de Cooperação Técnica (ACTs) de cinco entidades após as recomendações do Ministério Público. No entanto, a partir de 2021, a curva de crescimento retoma, atingindo R$ 544 milhões (2021), R$ 784 milhões (2022), R$ 1,54 bilhão (2023) e um salto para R$ 3,4 bilhões em 2024.
A Diretora ressaltou que, entre 2016 e março de 2025, a Contag, a mais antiga entidade a firmar um ACT com o INSS (datado de 1994, via convênio), arrecadou R$ 3,47 bilhões, valor considerado “subestimado” pela CGU, o que eleva a indignação após a revelação do escândalo.
A auditoria da CGU, baseada em entrevistas com 1.273 beneficiários, identificou que 97,6% deles não reconheciam os descontos feitos. Em relação à Contag, a maior entidade em volume de descontos, uma amostra de seis associados revelou que cinco não autorizaram os descontos. A diretora da CGU afirmou que “não existe nenhuma das entidades em que nós possamos dizer que não exista algum tipo de inconformidade” em seus trabalhos. O ACT da Contag, no entanto, foi renovado em 27 de agosto de 2024, por decisão do Procurador-Geral do INSS, apesar de um parecer de procuradores federais opinar pela não formalização.
A CGU comunicou as irregularidades ao então Presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, em julho de 2024, mas, segundo a diretora, “não foram suspensos os ACTs naquele momento”. Os descontos só foram suspensos em abril de 2025, após a Operação Sem Desconto da Polícia Federal, e o valor referente a abril foi restituído aos beneficiários.
Questionada sobre a inércia do INSS, Eliane Mota afirmou que o órgão “se manteve, em algumas situações necessárias, silente ou omisso diante do que a CGU tinha pedido”. Ela também informou que o relatório preliminar e a nota de auditoria foram encaminhados ao Ministério da Previdência, especificamente à sua Assessoria Especial de Controle Interno, e nada foi feito.
Graves indícios de acobertamento na gestão Lupi
A parceria da CGU com a Polícia Federal para tratar do tema iniciou-se em abril de 2024. A diretora mencionou que algumas entidades, como ABSP/Aapen, ABCB (Amar Brasil Clubes de Benefícios), Abenprev e Unibap, se negaram a fornecer documentos à CGU, alegando falta de competência do órgão. O INSS, mesmo oficiado para interceder, não teria garantido o acesso efetivo a essa documentação.
Um dado relevante apontado pela CGU é o aumento das “adesões em bloco”, consideradas um forte indício de fraude devido à impossibilidade operacional do INSS de fiscalizar. Em 2016, uma entidade (Contag) registrou mais de 50 mil adesões em bloco. Esse número saltou para três entidades em 2017 e para doze em 2018. Em 2019 e 2020, houve apenas um registro de adesão em bloco cada (Contag e Conafer, respectivamente). No entanto, em 2023, quinze entidades registraram adesões em bloco acima de 50 mil, e em 2024, esse número atingiu vinte e quatro entidades.
Outro ponto levantado foi a existência de múltiplos descontos associativos para um mesmo beneficiário do INSS, assim como descontos em nomes de pessoas falecidas, evidenciando a fragilidade dos controles internos. A CGU não identificou “nenhum tipo de acompanhamento” sobre a validade das listas de associados apresentadas pelas entidades para descontos na Dataprev, com apenas algumas validações sistêmicas limitadas.
A questão dos empréstimos consignados também foi abordada. A CGU possui um relatório de fevereiro de 2024 e trabalho em andamento desde março de 2025 sobre o tema. A diretora destacou que, embora as consignações representem um volume muito maior (R$ 70 bilhões em valores consignados versus centenas de milhões em descontos associativos em períodos anteriores), as análises ainda estão em andamento para determinar a extensão das irregularidades.
Problemas iniciais apontados incluem a baixa qualidade das informações no sistema e-Consignado, possíveis averbações sem cumprimento de critérios legais, a ausência de acompanhamento e divulgação de informações pelo INSS, e a ausência de regras para mensuração e cobrança dos custos operacionais.
A sessão da CPMI foi marcada por debates acalorados entre parlamentares sobre a responsabilidade dos governos anteriores e atuais na fiscalização e combate às fraudes.
Questionamentos sobre a atuação da CGU e a ausência de medidas mais enérgicas antes da Operação Sem Desconto foram recorrentes, com a diretora reiterando a autonomia técnica da CGU e que as providências de responsabilização disciplinar (PADs) e ações contra entidades (PARs) são conduzidas por outras secretarias da própria CGU ou por órgãos externos, como a AGU. Segundo a CGU, processos administrativos disciplinares já estão instaurados.
A oitiva da Diretora da CGU na CPMI do INSS descortina a complexidade e a escala de um vasto esquema de fraudes que se consolidou e expandiu consideravelmente nos últimos anos. A progressão alarmante dos valores desviados e o alto percentual de não reconhecimento dos descontos pelos beneficiários, conforme os relatórios da CGU, indicam uma vulnerabilidade sistêmica que permitiu a apropriação indevida de recursos de milhões de aposentados.
A persistente inércia do INSS em tomar medidas efetivas, mesmo diante dos alertas da CGU, e a atuação tardia dos órgãos de controle, corroboram a necessidade de uma investigação aprofundada. O debate na CPMI reitera a urgência em se apurar responsabilidades e garantir a restituição integral dos valores aos beneficiários lesados, conforme a gravidade das evidências apresentadas no documento. A CPMI continua com a previsão de oitivas de figuras-chave do cenário político e administrativo, incluindo o ex-Ministro da Previdência Social Carlos Lupi e Alessandro Stefanutto, ex-Presidente do INSS.
Reportagem: Val-André Mutran é repórter especial para o Portal Ver-o-Fato e está sediado em Brasília.
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