Panorama completo do DREX: origem, objetivos, tecnologia, regras, riscos de controle social, prós e contras para governo e cidadãos.
O que é o Drex e por que ele é tão polêmico? É uma ferramenta de eficiência ou um passaporte para uma sociedade distópica de vigilância e controle social da população brasileira? Vamos por partes — com dados, contexto e um tanto de ceticismo saudável.
Este artigo que você lerá a seguir tem por objetivo responder a estas perguntas e muitas outras, mas nem de longe tem a pretensão de dar uma palavra final sobre o tema. Pelo contrário: como em todos os artigos que compartilho com vocês por aqui, o objetivo é te despertar para que pesquise por conta própria e vá atrás de informações para tirar suas próprias conclusões. Ou seja, este artigo é mais uma provocação do que qualquer outra coisa, e tenta separar o que é medo legítimo do que é exagero infundado e sensacionalismo quando o assunto é a nova moeda digital de BCB – Banco Central no Brasil.
O que é o DREX, afinal, e por que ele existe?
O nome DREX foi anunciado em 2023 e combina “digital + real + eletrônico + X” (esse X remete a transação). O projeto é herdeiro do Real Digital e evoluiu na esteira do PIX e da agenda de inovação do Banco Central.
O DREX é o projeto de moeda digital do Banco Central do Brasil — uma assim chamada CBDC (Central Bank Digital Currency). Ele foi idealizado, em sua fase de testes, para funcionar apenas entre o Banco Central e os bancos de varejo (incluindo fintechs como o NuBank), entregando basicamente uma coisa chamada de tokenização de ativos e depósitos — que é processo de transformar bens ou valores reais como dinheiro, imóveis ou ações, em registros digitais que podem ser movimentados e negociados em uma plataforma segura.
Isso permite que o DREX possa realizar todos os processos de liquidação (efetivação das transações bancárias) em uma infraestrutura controlada, robusta, ágil e segura, além de possibilitar pagamentos atômicos (pagar e transferir a posse de um ativo, como um carro ou uma casa, no mesmo ato), além de vislumbrar a redução de atritos e riscos operacionais e até mesmo permitir a existência de um mercado 24/7 que permite que negociações financeiras funcionam sem interrupção, todos os dias e a qualquer hora, permitindo transações em tempo real continuamente.
Os objetivos declarados do DREX são aumentar a eficiência no sistema financeiro, reduzir custos de liquidação, habilitar novos modelos de negociação (como tokenização de títulos públicos, recebíveis, imóveis, etc.) e interoperar com arranjos de pagamento já consolidados. Em documentos oficiais, o Banco Central posiciona o DREX como um complemento, e não como um substituto imediato, dos meios atuais de pagamento.
É importante entender também que o DREX não é, pelo menos não no seu design atual, uma “carteira varejista” direta do Banco Central para os cidadãos. Aquela história de que você não precisaria mais ter que usar um banco de varejo portanto (já que sei dinheiro estaria em uma carteira dentro do próprio Banco Central) não é bem verdade, pelo menos não ainda. Na verdade, a lógica do DREX é, de forma bastante simples:
banco central ⇄ instituições financeiras ⇄ cidadãos
Pode ser complicado de entender de início, mas acho que deu pra entender que o uso do DREX, pelo menos para nós pessoas comuns, vai funcionar um pouco parecido com o próprio PIX, com a intermediação entre você e as operações que você transacionar no sistema DREX sendo feita pelo seu banco ou instituição financeira de escolha, tudo debaixo de um guarda-chuva de segurança, simplicidade de uso e aderência à LGPD.
Blockchain, mudanças técnicas, privacidade e o “trilema”
Nos testes do DREX feitos entre 2023 e 2024, ele usou uma infraestrutura de registro e controle de transações (pense como um enorme livro-caixa digital) chamada de Hyperledger Besu (que é uma DLT permissionada, ou seja, um tipo de blockchain). Mas em março de 2025 o Banco Central reavaliou a dependência do DREX com esta blockchain, após “entraves de privacidade e desempenho”. Isso abriu as portas para uma arquitetura sem o DLT na etapa de produção que se iniciará em breve, priorizando assim escalabilidade (capacidade do sistema suportar uma quantidade enorme de transações) e sigilo. Desta forma, parece que O Banco Central tentou resolver o “trilema” entre privacidade, auditoria e rastreabilidade.
Esse recuo não mata a ideia central do DREX — tokenização + liquidação segura — mas desloca seu debate, já que agora o problema não é mais “usar uma blockchain”, e sim entregar privacidade (inclusive LGPD) sem perder compliance (PLD/FT, auditoria, política macroprudencial).
Diante disso tudo, a pergunta que me faço, que deve ser a mesma que muitos se fazem, é: privacidade forte num sistema estatal é possível?
Tecnicamente sim, com blindagens criptográficas robustas e policy enforcement. Já politicamente, depende muito da governança e das leis que podem limitar usos abusivos do sistema, algo para o qual ainda vivemos uma incômoda lacuna legal que ninguém sabe quando e como será preenchida.
Isso inclusive ecoa diretrizes defendidas pelo BIS (Banco de Compensações Internacionais) e pelo FMI (Fundo Monetário Internacional) sobre privacidade por design, governança, logs auditáveis e limites legais de tratamento de dados.
Porém, todos estes benefícios só vão ver a luz do dia se regulação, padrões técnicos e a adesão do mercado caminharem juntos, como experiências internacionais de adoção de CBDCs demonstraram, evidenciando que a adesão desse tipo de tecnologia não é automática (vide o eNaira, na Nigéria, que teve uma adoção inicial baixíssima).
Regras de uso e obrigatoriedade
Uma das principais perguntas sobre o DREX é se ele será obrigatório. O Banco Central afirma que o DREX não substituirá os meios de pagamento atuais (PIX, TED, cartões, dinheiro) e não impõe uso direto pelo cidadão — trata-se portanto mais da criação de uma nova infraestrutura para o sistema financeiro do que uma moeda de fato. O dinheiro físico seguirá como moeda de curso legal portanto, pelo menos por hora.
Na prática, porém, podemos observar que nada impede que o Banco Central, apoiados pelos poderes da república, mudem de ideia quanto a isso no futuro. Um exemplo é que uma certa obrigatoriedade indireta pode surgir se programas públicos decidirem migrar pagamentos para camadas tokenizadas com regras embutidas, como por exemplo na migração dos pagamentos de benefícios sociais como o Bolsa Família e o Seguro Desemprego, que podem implementar recursos recursos de geocerca, restringindo horários, categorias ou georreferenciando o uso dos valores, restringindo que o beneficiário gaste apenas com o que lhe será permitido, nos locais permitidos e nos horários permitidos.
Controle social
Este não é o desenho oficial do DREX, mas é tecnicamente possível que ele implemente isso, pois é algo inerente ao modelo básico de qualquer ecossistema de dinheiro programável. A questão jurídico-político aqui é: o que a lei e a governança permitem e permitirão fazer? A Europa, por exemplo, já enfatiza a “não programabilidade” no euro digital varejista.
Há um medo real (internacional e não apenas brasileiro) de que os CBDCs viabilizem o controle econômico e social, permitindo o bloqueio de compras, o confisco de saldos e punindo dissidências. Vários artigos tem dramatizado esse cenário, sugerindo que benefícios sociais, e depois todas as moedas do sistema, poderiam virar “dinheiro com regras” para comportamentos específicos. Tecnicamente, tokens com regras existem; politicamente, usá-los assim dependerá de leis, transparência e freios. Portanto, caberá ao Congresso regular a questão, criando (espero) uma legislação que nos proteja de tais pesadelos.
Em alguns vídeos assistidos para criação deste artigo, essa ansiedade vem à tona. Fernando Ulrich evoca a China e fala da proibição de CBDC nos EUA. Já William Ribeiro ressalta problemas de privacidade encontrados no piloto do DREX. Essas falas canalizam uma desconfiança ampla na população: quem vigia o vigia?
Mais de 130 países testam ou já implementaram moedas digitais. Na China, sua CBDC e-CNY teve um teste piloto amplo, e estudos mostram que preocupações de privacidade afetaram a sua adoção. Na Nigéria, o CBDC eNaira exibiu baixa adesão inicial. Na Europa houve reforço de que o euro digital não terá recursos de programabilidade e que terá proteções de privacidade. E nos EUA, o país caminha para banir o dólar digital, via ordem executiva e projeto de lei, ao mesmo tempo em que abraçam stablecoins. Tudo isso sugere que o risco maior pode estar menos no código (bugs, fragilidades, backdoords) e mais no ambiente político-regulatório que define o que o sistema poderá fazer de fato.
Vantagens e desvantagens para o governo
- Vantagens: liquidações mais rápidas, auditoria granular, melhor supervisão macroprudencial e interoperabilidade para tokenização de ativos públicos e privados.
- Desvantagens: cibersegurança e resiliência (disponibilidade) viram questões existenciais do sistema financeiro. A governança de dados precisará ser irrepreensível, tornando sua implementação cara e complexa. Politicamente, o projeto pode ser rotulado de “plataforma de vigilância”, ainda que o desenho técnico atual vá na direção contrária, trazendo imagens negativas ao governo.
- Conceções: a eficiência e rastreabilidade não são sinônimos automáticos de capacidade de punição — mas a linha que separa ambos é tênue. Sem proteções técnicas e legais, qualquer sistema pode virar um vetor de abuso. Com as devidas proteções, porém, reduzir atos ilícitos sem esmagar as liberdades individuais é possível.
Vantagens e desvantagens para a população
- Vantagens: trás potencial para novas formas de crédito, ao disponibilizar como garantias ativos tokenizados, além de permitir a realização de transações atômicas e custos menores na transferência de ativos. Liquidações 24/7 reduzem a fricção das operações, trazendo agilidade e segurança. Mas estes ganhos só surgirão se a usabilidade do DREX no dia-a-dia for simples e se a competição não minguar. Além disso, para grandes empresas e o mercado financeiro, o processo de tokenização pode baratear os custos de operação, reduzir riscos de contraparte e abrir prateleiras de produtos fracionados.
- Desvantagens: há óbvios riscos à privacidade, com o gestor do sistema (Banco Central) tendo acesso a todas as operações de qualquer pessoa. Há ainda riscos de churn involuntário (que é quando um cliente perde acesso a um serviço sem querer, geralmente porque o pagamento falhou) e exclusão digital (se benefícios migrarem totalmente para o DREX sem que haja uma alternativa analógica para aqueles que não tem como fazer uso dele). A experiência nigeriana mostrou que a adoção por decreto (goela abaixo) não criou valor percebido para a população — e a literatura sobre o tema demonstra que o temor de vigilância derruba a adesão a este tipo de serviço. Além disso, para grandes empresas e o mercado financeiro, há o custo de adaptação inerente a adoção desta nova tecnologia, sejam eles técnicos, jurídicos ou de segurança, assim como o risco regulatório que até a publicação deste artigo, encontra-se em aberto.
CONCLUINDO…
O DREX possui revelações e contradições dignas de atenção: o recuo do blockchain mostra que privacidade e desempenho não estavam resolvidos — e isso é bom que tenha vindo à tona antes do DREX se tornar largamente adotado. Por outro lado, projetarmos um “pavor chinês” automático não ajuda. Atitudes como a da Europa e EUA fazem mais sentido e parecem ser mais inteligentes e justas.
Assim, o risco real está menos em “uma tela secreta do Banco Central” e mais na falta de marcos legais robustos, numa governança transparente e de garantias legais contra potenciais controles sociais. O CBDC não é sinônimo de distopia, mas também não é neutro por definição. É uma infraestrutura. Quem a programa — e sob quais leis e regras — define o rumo e o uso.
Portanto a tese de controle social é tecnicamente possível (não apenas no DREX mas em qualquer CBDC). Isso pode (e deve) ser solucionado por meio de politicas de uso equilibradas e leis claras, implementando transparência, privacidade e mantendo alternativas não digitais para quem precisa.
O risco teórico é elevado se o país afrouxar seus freios e contrapesos (algo no que o Brasil não é nenhum campeão infelizmente). Já o risco prático imediato me parece ser moderado e monitorável, desde que sociedade civil, imprensa e comunidade técnica sigam auditando o sistema.
Desconfie de promessas fáceis — tanto as do “dinheiro perfeito do Estado”, quanto as da “distopia inevitável”. Cobrança pública, boas leis e engenharia séria ainda fazem diferença.
Fonte: https://spaceparanoia.substack.com/p/drex-origem-usos-riscos-e-polemicas
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