Projeto prevê perdão a investigados e condenados por atos golpistas, incluindo reversão de inelegibilidade de Bolsonaro, mas esbarra em barreiras políticas e jurídicas
Por Sandra Venancio
A proposta do PL para ampliar o alcance da anistia, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro e até a reversão de sua inelegibilidade, enfrenta fortes resistências dentro do Congresso Nacional, no Supremo Tribunal Federal (STF) e no próprio governo federal. O projeto busca perdoar investigados e condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, mas provoca debates acalorados sobre os limites legais e políticos de uma medida dessa magnitude.
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O julgamento de Bolsonaro pelo STF no caso da trama golpista impulsionou as articulações do PL e de partidos do centrão em defesa de um perdão mais amplo. No entanto, a iniciativa encontra barreiras tanto entre senadores quanto na Corte, além de gerar incertezas na Câmara dos Deputados.
Líderes do PL, PP, União Brasil e Republicanos reconhecem dificuldades em consolidar um texto de consenso. Enquanto a proposta de perdoar apenas os condenados pelos atos de 8 de janeiro encontra maior respaldo, incluir Bolsonaro e reverter sua inelegibilidade divide opiniões.
O líder do PL na Câmara, deputado Sóstenes Cavalcante (RJ), elaborou uma versão que perdoa desde investigados no inquérito das fake news, iniciado em 2019, até condenados por participação nos acampamentos golpistas e no ataque às sedes dos Três Poderes em janeiro de 2023. O texto, obtido pela Folha de S.Paulo, é considerado o mais abrangente já discutido no Legislativo, mas enfrenta críticas do centrão, que prefere manter a inelegibilidade do ex-presidente para abrir caminho à candidatura de Tarcísio de Freitas (Republicanos) em 2026.
A pressão pelo perdão ganhou força após críticas dos filhos de Bolsonaro a aliados políticos, acusados de usar sua base eleitoral sem esforço real para libertá-lo. Nesse cenário, Tarcísio passou a se engajar diretamente nas articulações em Brasília. O movimento também influenciou o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que admitiu discutir a pauta, embora ainda sem definir data de votação ou relatoria.
“Não há ainda nenhuma definição sobre a anistia e seguimos ouvindo líderes de partidos favoráveis e contrários ao tema”, afirmou Motta após encontro com Tarcísio, reconhecendo o aumento da pressão dos líderes partidários.
No Senado, o presidente Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) rejeitou a ideia de uma anistia ampla. Ele prepara um projeto alternativo que reduziria apenas as penas dos condenados pelo 8 de janeiro, proposta considerada mais aceitável por parte dos ministros do STF.
Especialistas ouvidos pela Folha de S.Paulo afirmam que a versão apresentada por Sóstenes Cavalcante, que prevê até a reversão da inelegibilidade de Bolsonaro, dificilmente resistiria ao crivo do Supremo, já que incluir crimes contra o Estado democrático de Direito em uma anistia poderia ser revertido pela Corte.
O debate evidencia a tensão política e jurídica sobre a tentativa de perdoar crimes ligados à tentativa de golpe, reforçando a importância de acompanhar de perto os desdobramentos no Legislativo e no Judiciário.
Sérios riscos a democracia
Para o cientista político Paulo Niccoli Ramirez, a tramitação do PL da Anistia e a proposta alternativa do Senado reproduzem uma prática histórica das elites brasileiras de “varrer para debaixo do tapete” crimes contra a democracia. Segundo ele, a movimentação busca não apenas reduzir punições a envolvidos no golpe de 8 de janeiro e a Bolsonaro, mas também abrir caminho para a candidatura presidencial de Tarcísio em 2026. Ramirez alerta que o apoio à anistia pode gerar peso eleitoral negativo e representar sério risco à democracia, reforçando a percepção de impunidade histórica no país.
Segundo pesquisa Datafolha divulgada em agosto, 61% dos eleitores não votariam em candidato que prometesse anistiar Bolsonaro e outros acusados de tentar um golpe de Estado. Especialistas veem a movimentação como tentativa de legitimar impunidade e ameaçar a democracia, deixando um alerta sobre o impacto político e jurídico das decisões que estão em curso.