Quando Belém fabricava barcos de guerra e fragatas

Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, foi das figuras mais importantes e controversas da história portuguesa.

Entre os anos de 1750 e 1777, ele implementou um plano de reestruturação econômica do império de Portugal, utilizando-se dos cargos que exerceu durante o reinado de D. José I. 

Como Secretário de Estado e primeiro-ministro de Portugal, reformou todos os setores do reino lusitano, influenciado por doutrinas iluministas e mercantilistas. 

Naquele período, as capitanias do Grão-Pará e Maranhão formavam o Estado do Grão-Pará e Maranhão, dentro do império lusitano.

Ocupando um enorme espaço geográfico daquele reino.

Belém e São Luís eram os polos comerciais e administrativos das duas capitanias, como lembra Nathália Maria Dorado Rodrigues, no seu artigo sobre a atuação da Companhia Geral de Comércio do Gram-Pará.

As atividades econômicas predominante naquelas capitaniasse ligavam às coletas das drogas do sertão:  cacau, cravo, canela, baunilha, salsaparrilha, resinas, vegetais gomíferos e oleosos.

E, ainda, à pesca, à caça, ao plantio, e,a uma pecuária rudimentar.

Já a atividade agrícola se ressentia de escassez crônica de mão-de-obra.

Porque o trabalho escravo indígena estava monopolizado pelas missões dos jesuítas.

Com isto, a Companhia de Jesus prosperava e os colonos permaneciam pobres.

Em 1759, Pombal expulsou os jesuítas do Gram-Pará.

E promoveu a criação da Companhia Geral de Comércio do Gram-Pará, uma empresa monopolista que passou a controlar a entrada e a saída dos produtos daquela colônia.

A empresa, com este privilégio, fomentou o comércio do Gram-Pará.

E, em consequência, fortaleceu a prática do mercantilismo no reino.

 A nova fase econômica do Gram-Pará começou a se tornar evidente, em Belém, no ano de 1761.

Significativamente, através do aproveitamento do espólio de uma ordem religiosa – a dos padres da Conceição da Beira e Minho.

A ordem que havia abandonado o Gram-Pará, quando Pombal começou a desmontar a antiga estrutura econômica existente na colônia.

Na qual as congregações da Igreja Católica detiveram, entre inúmeros privilégios, o monopólio da mão-de-obra dos índios, considerada como a mercadoria de maior valor na colônia.

Os membros da ordem da Conceição da Beira e Minho foram atraídos para o Gram-Pará, em 1706, numa fase em que os religiosos ainda se constituíam na única categoria social, de fato, beneficiada com a antiga e incipiente economia extrativista, baseada na colheita das drogas do sertão, atividade para a qual a mão-de-obra indígena era a mais adequada.

A ordem religiosa foi a quinta a se instalar na região, depois dos franciscanos, mercedários, carmelitas e jesuítas.

Durante cerca de meio século, os padres da Conceição residiram num dos extremos da área urbana de Belém, onde ficava um terreno doado à ordem deles.

Lá, na parte mais ocidental da cidade, eles iriam construir uma pequena capela e uma casa de madeira e de taipa-de-pilão, imóveis que utilizariam tanto como convento – chamado de Boaventura – e como abrigo para doentes mentais.

Foram estes imóveis, localizados próximo do encontro das águas do rio Guamá com as da Bacia do Guajará, que o Governador do Gram-Pará, Bernardo de Mello e Castro, destinaria para a construção do talvez melhor símbolo do novo ciclo econômico.

Aquele que sucedeu ao do domínio religioso.

E que se assentou na exportação dos produtos da colônia para diversos mercados externos e na importação de mão-de-obra escrava negra.

Ali, em 1761, seria erguido um estaleiro para Companhia de Comércio do Gram-Pará.

A empresa vinha realizando aquelas transações econômicas, contando para isto com uma frota de mais de 100 navios, no auge da sua expansão.

Alguns destes navios iriam ser produzidos neste estaleiro de Belém, surgido, portanto, numa região com abundância de madeira variadas e resistentes.

E que faria de Belém um dos três principais centros de construções navais do Brasil Colonial, junto com o Rio de Janeiro e Salvador.

No estaleiro, chegaram a trabalhar 300 pessoas.

 O primeiro navio de longo curso fabricado ali foi a nau Nossa Senhora de Belém, entre os anos de 176l e 1766.

Destinou-se à rota Belém-Lisboa.

Suas plantas foram elaboradas pelo famoso estaleiro de Lisboa conhecido como Junta das Fábricas da Ribeira.

Portugal podia fornecer aquelas plantas porque, diz Silva Telles, em “História da Engenharia no Brasil – Séculos XVI ao XIX”, tinha uma longa tradição dentro do campo das construções navais.

À altura da descoberta do Brasil, Portugal era, na Europa, a nação mais evoluída dentro deste campo.

O primeiro livro sobre construção de navios publicado no mundo foi escrito, nos meados do século XVI, por um português, o padre dominicano Fernando de Oliveira.

Teve por título:“Livro da Fábrica das Naus”

Escreveu Silva Telles:

“Os portugueses construíram os melhores navios dessa época, tendo inclusive desenvolvido um tipo novo, as caravelas, navios de alto bordo, ágeis e robustos, especiais para viagens oceânicas”.

Coube aos portugueses o mérito da introdução de diversos tipos de melhorias na construção naval.

Eles conceberam, inclusive, a curiosa ideia, até hoje seguida, de lançar sempre um novo navio pela primeira vez nas águas pela popa.

Os competentes técnicos do estaleiro de Lisboa conseguiram também realizar a proeza de padronizar as proporções e as medidas dos vários tipos de navios.

Com isto, simplificaram muito a construção naval tornando-a possível no Brasil Colonial, inclusive em Belém.

Tal padronização, que incluía o uso de regras simples no desenho e no dimensionamento das embarcações, informa Silva Telles, destinava-se ao uso direto dos carpinteiros.

Os quais, adotando-a, conseguiam construir navios mesmo sem terem conhecimento teóricos suficientes para isto.

Naquele estaleiro, transformado, depois, em Arsenal da Marinha de Belém, ninguém pertencia a uma categoria profissional superior à de mestre.

Embora nele trabalhasse gente contratada na Junta das Fábrica da Ribeira.

Apesar disto, o estaleiro pôde produzir entre os anos de l789 e l800, quatro fragatas, três charruas, três bergantins e outras embarcações menores.

Em 1791, informa ainda Silva Telles, o centro de construções navais passaria a contar com um possante guindaste sobre base de pedra útil na descarga de toras de madeira.

Ali – diz Meira Filho em “Nova Contribuição ao Estudo de Landi” – a Real Armada de Portugal teria uma de suas mais importantes dependências.

Completa o autor:

“Lá, hoje, perdura ainda o mesmo espírito, e, primitivas construções conventuais resistem e contribuem ao êxito da nossa Marinha, ao lado de edificações modernas que compõem as principais instalações do Distrito Naval, sediado em Belém”.

*Oswaldo Coimbra é escritor e jornalista

English translation (tradução para o inglês)

When Belém Built Warships and Frigates

Sebastião José de Carvalho e Melo, the Marquis of Pombal, was one of the most important and controversial figures in Portuguese history.

Between 1750 and 1777, he implemented an economic restructuring plan for the Portuguese Empire, using the offices he held during the reign of King Joseph I.

As Secretary of State and Prime Minister of Portugal, he reformed all sectors of the Lusitanian kingdom, influenced by Enlightenment and mercantilist doctrines.

At that time, the captaincies of Grão-Pará and Maranhão formed the State of Grão-Pará and Maranhão within the Lusitanian Empire, occupying a vast geographic area of the realm.

Belém and São Luís were the commercial and administrative hubs of the two captaincies, as Nathália Maria Dorado Rodrigues recalls in her article on the role of the Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará (General Trading Company of Grão-Pará).

The predominant economic activities in those captaincies were tied to the collection of drogas do sertão: cacao, clove, cinnamon, vanilla, sarsaparilla, resins, gummy and oily plants.

There was also fishing, hunting, farming, and rudimentary livestock raising.

However, agriculture suffered from a chronic shortage of labor, since indigenous slave labor was monopolized by the Jesuit missions.

As a result, the Society of Jesus prospered while the colonists remained poor.

In 1759, Pombal expelled the Jesuits from Grão-Pará and promoted the creation of the Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará, a monopolist enterprise that began controlling the inflow and outflow of products from the colony.

With this privilege, the company fostered trade in Grão-Pará and, consequently, strengthened the practice of mercantilism in the kingdom.

A new economic phase in Grão-Pará began to emerge in Belém in 1761, significantly through the use of assets from a religious order—the Ordem dos Padres da Conceição da Beira e Minho.

This order had abandoned Grão-Pará when Pombal started dismantling the old economic structure of the colony, in which Catholic congregations held, among countless privileges, the monopoly over indigenous labor, considered the most valuable commodity in the colony.

The members of the Conceição da Beira e Minho order had been brought to Grão-Pará in 1706, at a time when the clergy still constituted the only social category that truly benefited from the early and incipient extractive economy based on drogas do sertão, for which indigenous labor was the most suitable.

The order was the fifth to establish itself in the region, after the Franciscans, Mercedarians, Carmelites, and Jesuits.

For about half a century, the Conceição priests lived on the western edge of Belém, on land donated to them.

There, they built a small chapel and a wooden-and-rammed-earth house, which they used both as a convent—called Boaventura—and as a shelter for the mentally ill.

It was these buildings, located near the confluence of the Guamá River with the Guajará Bay, that Governor Bernardo de Mello e Castro of Grão-Pará would repurpose for the construction of perhaps the greatest symbol of the new economic cycle—one that replaced religious dominance and was based on the export of colonial products to various foreign markets and the import of enslaved African labor.

There, in 1761, a shipyard for the Companhia de Comércio do Grão-Pará was built.

The company had been carrying out economic transactions with a fleet of more than 100 ships at the height of its expansion.

Some of these ships were built at this Belém shipyard, which arose in a region with an abundance of strong and varied types of wood.

This would make Belém one of the three main shipbuilding centers of Colonial Brazil, alongside Rio de Janeiro and Salvador.

Up to 300 people worked at the shipyard.

The first long-distance ship built there was the Nossa Senhora de Belém, between 1761 and 1766.

It was destined for the Belém–Lisbon route.

Its design plans were drawn up by the famous Lisbon shipyard known as the Junta das Fábricas da Ribeira.

Portugal could supply such plans because, according to Silva Telles in História da Engenharia no Brasil – Séculos XVI ao XIX, the country had a long tradition in naval construction.

At the time of Brazil’s discovery, Portugal was the most advanced European nation in this field.

The first book on shipbuilding ever published was written in the mid-16th century by a Portuguese Dominican friar, Fernando de Oliveira, titled Livro da Fábrica das Naus.

Silva Telles wrote:

“The Portuguese built the best ships of that era, even developing a new type—the caravels—high-sided, agile, and robust vessels, specially designed for ocean voyages.”

The Portuguese also had the merit of introducing several improvements in shipbuilding.

They even conceived the curious idea—still followed today—of always launching a new ship stern-first into the water.

The skilled technicians of the Lisbon shipyard also managed the feat of standardizing the proportions and measurements of various types of ships.

This greatly simplified shipbuilding, making it possible in Colonial Brazil, including in Belém.

Such standardization, which included the use of simple rules for designing and sizing vessels, Silva Telles notes, was intended for direct use by carpenters.

By adopting them, shipwrights could build ships even without sufficient theoretical knowledge.

At that shipyard—later transformed into the Arsenal da Marinha de Belém—no one held a rank higher than master craftsman, although some workers were contracted from the Junta das Fábricas da Ribeira.

Despite this, the shipyard was able to produce, between 1789 and 1800, four frigates, three charruas, three brigantines, and other smaller vessels.

In 1791, Silva Telles also reports, the naval center gained a powerful crane set on a stone base, useful for unloading timber logs.

There, according to Meira Filho in Nova Contribuição ao Estudo de Landi, the Royal Portuguese Navy had one of its most important outposts.

The author adds:

“There, to this day, the same spirit endures, and primitive conventual buildings still resist and contribute to the success of our Navy, alongside modern facilities that form the main installations of the Naval District headquartered in Belém.”

Oswaldo Coimbra is a writer and journalist

(Illustration: Warship built in Belém)

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