Por Neel Dhanesha*
Eu sabia que estava no lugar certo por causa das mochilas.
Seis anos atrás, eu precisava de algo que pudesse carregar meu laptop, minha câmera, algumas lentes e meu equipamento de áudio, mas que também pudesse ser usado como uma mochila normal nos dias em que eu viajasse com menos coisas. Decidi pela Peak Design Everyday Backpack. É uma ótima mochila, e eu a uso o tempo todo. O que eu não sabia quando a comprei era que ela logo se tornaria onipresente como a mochila preferida de jornalistas e pessoas da área de tecnologia.
Tudo isso para dizer: quando vi a pessoa entrando no espaço de eventos em Chelsea na minha frente com a mesma mochila que a minha, eu soube que ele era ou jornalista ou engenheiro.
Eu estava lá para a 1ª vitrine Protocols for Publishers, o evento de abertura de uma sessão de 2 dias que reuniu pessoas do jornalismo e da tecnologia para discutir o futuro da internet. Foi patrocinado e organizado por 3 iniciativas de tecnologia — Unternet, Graze e Free Our Feeds — e motivado por uma questão central: como construir uma internet que funcione para os editores, em vez de fazê-los trabalhar para a internet (e para as empresas de tecnologia que a controlam)?.
A resposta curta é que ninguém realmente sabe. Mas há muito entusiasmo em torno do potencial da internet federada e, em particular, do , que –resumindo bastante, na esperança de poupar uma longa explicação técnica– é a arquitetura que sustenta o Bluesky e aplicativos associados, como o Flashes, alternativa ao Instagram.
“Estamos em um momento de fratura epistêmica”, disse , diretor interino do Free Our Feeds. O ecossistema de informação se fragmentou, afirmou, e está se fragmentando cada vez mais à medida que a internet se enche de IA e se organiza em torno dela. “O Vale do Silício parece estar deixando o espaço das redes sociais voltadas ao consumidor”, continuou, o que significa que “precisamos construir sistemas que nos atendam a longo prazo”.
Foi revigorante ouvir pessoas que trabalham em tecnologia e que estavam dispostas a ajudar os editores a enfrentar o problema de frente. Com frequência, ultimamente, parece que as empresas de tecnologia estão mais interessadas em forçar os editores a seguir suas regras.
De certa forma, a vitrine e a cúpula exclusiva do dia seguinte –que contou com pessoas como Ben Werdmuller, diretor de tecnologia da ProPublica, , editora executiva do Semafor, e integrantes das equipes de produto do The New York Times e do Washington Post– pareciam uma reunião de planejamento de um zine underground, ainda que um pouco menos punk rock. Se a internet de antigamente, cada vez mais degradada pelas big techs, é o mainstream, talvez o AT Protocol seja a contracultura.
O poder do AT Protocol está em sua flexibilidade, e no fato de que ele não pode ser rigidamente controlado da forma como, por exemplo, Elon Musk consegue impor sua vontade sobre o X. Essa é a verdadeira promessa da web federada: se a sua forma preferida de acessar seu protocolo favorito piorar de repente, você pode simplesmente migrar para outro aplicativo que acesse o mesmo protocolo de uma maneira que você goste mais, sem precisar criar um novo login ou reconstruir listas de seguidores e seguidos.
“Todo mundo é forçado a explorar menos as pessoas, de forma sistêmica”, disse , da Graze, que ajuda editores a construir feeds personalizados para o Bluesky (no início deste ano, a Graze ajudou a NBA a criar um feed personalizado para os playoffs). Grandes editores, afirmou, são a “megafauna carismática” da internet. Estendendo a metáfora, isso significa que, se eles começarem a prestar atenção em coisas como a web federada mais cedo, terão mais oportunidade de moldar como o ecossistema funcionará, em vez de serem obrigados a se adaptar ao formato que ele acabar assumindo.
O AT Protocol, e a internet federada de forma mais ampla, parecem estar em oposição à IA em muitos aspectos. Em certo momento, , empreendedor residente no ATProtocol Community Fund, disse que “é interessante como tantas das conversas que estamos tendo são sobre competição com a IA”. Ambos oferecem ideias diferentes de internet individualizada: a IA é uma experiência isolada, mas profundamente pessoal, em que a vivência de cada pessoa é determinada por suas conversas com um chatbot, enquanto a internet federada se orienta mais pela participação ativa em comunidades escolhidas (como, para ser justo, também acontece em fóruns de discussão e subreddits atuais).
Houve bastante ênfase nos feeds durante a cúpula, e já vimos alguns editores adotarem essa ideia. Tanto o The Verge quanto a SB Nation redesenharam seus sites para se reorientar em torno da ideia de feeds personalizados, ainda que oferecidos por meio de suas páginas iniciais.
A verdadeira questão que os editores precisam enfrentar, disse Chua, do Semafor, “é se estamos interessados em salvar o ecossistema ou salvar a nós mesmos”. Organizações individuais podem sobreviver em um ecossistema destruído, ela destacou, e os mais cínicos entre nós podem até argumentar que isso é bom para os negócios. Mas, para que os editores prosperem, eles precisam descobrir como lidar tanto com a ascensão da IA, que parece inevitável, quanto se conectar diretamente com públicos que têm fome de informação.
Quando a cúpula terminou, o caminho a seguir ainda parecia incerto. Mas, disseram os organizadores, aquilo era apenas o início da conversa; provavelmente haverá mais encontros do Protocols for Publishers –e similares, como o Protocols for Artists– no futuro.
“É como uma reunião das pessoas que fazem os códigos de construção”, disse Boris Mann, um dos organizadores. “Pode parecer entediante e técnico, mas é o tipo de coisa que precisamos fazer para garantir que os prédios continuem de pé.”
*Neel Dhanesha é redator da equipe do Nieman Lab.
Texto traduzido por Vinícius Filgueira . Leia o original em inglês .
O Poder360 tem uma parceria com duas divisões da Fundação Nieman , de Harvard: o Nieman Journalism Lab e o Nieman Reports. O acordo consiste em traduzir para português os textos do Nieman Journalism Lab e do Nieman Reports e publicar esse material no Poder360. Para ter acesso a todas as traduções já publicadas, clique aqui.