Projeto de anistia pode beneficiar criminosos de facções como o PCC, alerta jurista

Foto: Reprodução/Elineudo Meira / @fotografia.75

Por Cleber Lourenço/ICL – A jurista Damares Medina alerta que o projeto de lei de anistia em discussão no Congresso pode abrir espaço para que integrantes de facções criminosas, como o PCC, ou de milícias sejam beneficiados. O risco decorre da redação vaga incluída no artigo 1º, que prevê o perdão a delitos “associados de qualquer modo” a manifestações políticas.

Essa formulação, segundo ela, não estabelece qualquer limite objetivo para diferenciar condutas meramente opinativas de crimes graves, o que compromete a finalidade original da anistia, que deveria se restringir a atos de natureza política ou de opinião.

O texto do projeto é explícito ao listar como passíveis de anistia condutas que envolvam apoio administrativo, logístico ou financeiro, além de qualquer forma de incentivo a manifestações. Inclui também: “dano contra o patrimônio da União, deterioração de patrimônio tombado, incitação ao crime, apologia de crime ou criminoso, organização criminosa, associação criminosa ou constituição de milícia privada”.

Ao inserir esse rol de crimes, o projeto vai além do perdão a manifestações políticas e alcança práticas ligadas diretamente a facções e milícias, o que amplia o risco de anistia a delitos graves. Para Medina, essa abertura é perigosa porque permite que réus de delitos graves aleguem participação política e sejam automaticamente perdoados, criando um incentivo perverso.

Segundo Medina, essa abertura permite que até crimes de alta gravidade, como os previstos na Lei de Organizações Criminosas, sejam anistiados, mesmo quando o vínculo com atos de natureza política seja apenas tangencial. Ela é categórica:

“A fórmula ‘associadas de qualquer modo’ abre espaço para que delitos graves de organização criminosa sejam anistiados, ainda que tangenciais a manifestações políticas”.

O receio é de que se crie um precedente perigoso em que qualquer réu envolvido em crimes comuns tente alegar motivação política para se beneficiar da anistia. Para a jurista, a proposta desvirtua o sentido histórico da anistia, que no Brasil sempre teve caráter político e buscava encerrar períodos de exceção e perseguição ideológica, não blindar práticas criminosas de alta periculosidade.

O alerta chama atenção porque a proposta não se limita a manifestações de opinião em redes sociais, discursos em vias públicas ou críticas a instituições. O texto também alcança danos contra patrimônio público, deterioração de bens tombados, incitação ao crime, apologia de criminosos e até a constituição de milícia privada. Ao estender a anistia a tais condutas, o projeto pode oferecer um salvo-conduto a criminosos comuns e a grupos organizados, enfraquecendo instrumentos de combate ao crime e abrindo espaço para que estruturas como facções e milícias se escudem sob o argumento de participação em atos políticos.

Além da questão penal, Medina também aponta inconstitucionalidades no campo eleitoral. O projeto prevê o afastamento automático de todas as inelegibilidades já declaradas pela Justiça Eleitoral, o que, segundo a jurista, viola a Constituição por tratar de matéria que exige lei complementar e não lei ordinária. A proposta também afronta o princípio da anualidade eleitoral, que impede mudanças nas regras do processo a menos de um ano das eleições, e contraria a garantia da coisa julgada, ao pretender derrubar decisões já transitadas em julgado.

“Ao pretender reverter inelegibilidades e decisões da Justiça Eleitoral por meio de lei ordinária, o projeto viola cláusulas pétreas e fragiliza ainda mais a segurança jurídica”, afirma Medina.

Medina reforça que a anistia é um instrumento legítimo, mas deve ter contornos claros e respeitar limites constitucionais. O problema, segundo ela, é que o texto atual mistura crimes de opinião com delitos que atacam diretamente o Estado e a sociedade, criando uma espécie de anistia geral e irrestrita. “Isso não é pacificação, é impunidade institucionalizada”, observa.

Especialistas ouvidos ressaltam que a amplitude do texto é inédita e rompe com a tradição das anistias concedidas no Brasil, que costumavam se limitar à esfera penal. Ao determinar o afastamento automático de multas, indenizações e restrições de direitos impostas judicial ou administrativamente, o projeto invade a competência do Judiciário e fragiliza a separação de poderes. A avaliação é de que, caso aprovado, o texto será alvo imediato de ações diretas de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, com pedidos de suspensão liminar de trechos considerados mais graves.

Esse risco ganha força diante de um problema estrutural criticado por juristas: a falta de padrões consistentes do Supremo Tribunal Federal em sua jurisprudência. Medina recorda:

“O cerne da questão reside no caráter paradoxal do Brasil. Embora a competência penal do Supremo Tribunal Federal seja notória, há outros casos relevantes, como os relacionados a planos econômicos, questões tributárias e de segurança jurídica, nos quais o Supremo demonstrou instabilidade em suas decisões”.

Ela lembra que, em quase três décadas de atuação no contencioso constitucional, acompanhou exemplos concretos de como essa oscilação tem marcado a trajetória do Supremo. Durante o julgamento do mensalão, por exemplo, o STF firmou o entendimento de que até réus sem foro privilegiado deveriam ser julgados pela Corte. Anos depois, em casos da Lava Jato, a mesma Corte reviu a posição, permitindo que Lula fosse processado por Sérgio Moro na primeira instância. Pouco tempo depois, voltou atrás novamente e ampliou o alcance do foro privilegiado. Para Medina, essa mudança constante revela a ausência de critérios claros.

“Diante desse cenário, a situação é, de fato, preocupante”, resume.

Ela também citou exemplos na esfera tributária, como o caso dos expurgos inflacionários do FGTS e a chamada “tese do século” envolvendo ICMS. O Supremo, segundo ela, manteve durante anos o entendimento de que eram questões infraconstitucionais, até decidir, de forma abrupta, que eram constitucionais, modulando efeitos e impactando bilhões em arrecadação e contribuintes. “São decisões que não apenas mudam a jurisprudência, mas desestabilizam a economia e corroem a confiança no sistema judicial”, destaca.

Outro exemplo mencionado foi a mudança de entendimento sobre a competência da Justiça do Trabalho para julgar casos de danos morais decorrentes de contrato laboral. “Em três meses, o plenário mudou completamente sua posição sem qualquer alteração na composição do tribunal. Esse tipo de oscilação alimenta a percepção de insegurança jurídica e fragiliza a confiança da sociedade”, afirma Medina.

A jurista também chama atenção para a necessidade de lidar com a tramitação legislativa de forma pragmática:

“É um projeto em lei em tramitação, precisamos lidar com cenários… O mínimo seria uma emenda supressiva desse trecho”.

Para Medina, ao menos a exclusão da anistia a crimes de organização criminosa seria um passo para reduzir o impacto negativo da proposta. No entanto, mesmo com alterações, ela ressalta que o projeto continuará sendo alvo de judicialização e disputas políticas, dada a sua natureza casuística e a conexão direta com investigações que atingem lideranças políticas relevantes.

Assim, a aprovação de uma anistia ampla e mal delimitada não apenas ameaça beneficiar criminosos de facções e milícias, mas também pode intensificar a instabilidade institucional e aprofundar disputas judiciais. Para Medina, não há razões para otimismo: sem critérios claros e objetivos, a anistia pode se transformar em mais um capítulo de insegurança jurídica e fragilidade democrática no país.

“Sem parâmetros consistentes, a anistia corre o risco de se tornar um salvo-conduto para criminosos e um novo campo de incertezas para o sistema democrático”, conclui a jurista.

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