EXCLUSIVO – Idosas e doentes em desespero: Justiça do Pará manda despejá-las amanhã, 8

Duas mulheres idosas e cadeirantes — uma de 86 anos e outra de 66, recém-operada e incapaz de sair da cama — vivem horas de angústia em Belém. Após 25 anos residindo no mesmo imóvel, elas foram notificadas de que terão de deixá-lo compulsoriamente nesta segunda-feira, 8, quando o despejo será cumprido com apoio da Polícia Militar. A decisão se mantém apesar de irregularidades apontadas pela defesa, como a falsificação de assinatura em nome de pessoa já falecida para dar início ao processo judicial.

Na última semana, o advogado Rogério Rodrigues de Lima, que representa Doralice Pacheco Ferreira, 86 anos, e sua filha Sandra Regina Ferreira Pinheiro, 66 anos, apresentou um pedido de reconsideração para tentar suspender a ordem de despejo, levando em consideração a situação das idosas, que não têm para onde ir e necessitam de cuidados médicos.

O documento alertava para a gravidade da situação de saúde das rés: Sandra havia passado por cirurgia de emergência na coluna no dia 4 de agosto, enquanto Doralice esteve internada para tratamento pneumológico. Ambas vivem em condição de extrema vulnerabilidade em uma residência na travessa 14 de Março, no bairro de Nazaré.

A defesa também contestou a validade da certidão que fundamentou a decisão de arrombamento do imóvel, alegando que o ato foi baseado em “informações unilaterais” fornecidas pelo advogado da parte autora. Mesmo assim, a juíza Laílce Marron, da 9ª Vara Cível e Empresarial de Belém, negou o pedido e manteve a ordem de desocupação

Em certidão datada de 31 de agosto passado, a oficiala de justiça Liliana Fernandes Bentes confirmou o agendamento do despejo para amanhã pela manhã, após contato com o Comando de Missões Especiais da Polícia Militar do Pará. O documento, anexado aos autos, solicita inclusive a prorrogação de prazo até o dia 9 para dar cumprimento integral à diligência.

Isso significa que, a partir da manhã de segunda, as duas mulheres podem ser retiradas à força do imóvel onde moram há mais de duas décadas.

Assinatura falsa em nome de falecido

O caso começou em 2021, quando uma ação de despejo por falta de pagamento foi ajuizada em nome de Carlos da Silva Aguiar, já falecido. Sua neta, advogada Luciana Cardoso Aguiar, teria apresentado uma procuração supostamente assinada pelo avô. Uma perícia grafotécnica, no entanto, concluiu que a assinatura não pertencia ao Sr. Carlos. Mesmo assim, a ação prosseguiu e resultou na ordem de despejo

Para o advogado Rogério Lima, isso compromete todo o processo: “trata-se de um vício absoluto, insanável. A ação começou com uma procuração inexistente, assinada por pessoa falecida. Não há base legal para que o processo tenha seguimento, muito menos para que se despejem duas idosas doentes de sua própria casa”, afirmou em petição.

MP pede cumprimento do despejo, mas admite obrigação do Estado

O Ministério Público do Pará se manifestou pelo cumprimento da decisão judicial, mas defendeu que cabe ao Estado providenciar abrigo para as duas mulheres. Na prática, isso significa que elas seriam removidas à força da casa e levadas a um espaço público, sem garantias mínimas de dignidade.

O recurso contra a ordem de despejo chegou ao Tribunal de Justiça do Pará e está nas mãos do desembargador Leonardo Tavares, que deverá decidir se mantém, adia ou revoga o despejo. No entanto, até o momento não houve pronunciamento definitivo, e a execução da ordem segue marcada para o dia 8.

O portal Ver-o-Fato teve acesso a documentos do processo e tentou falar sobre o caso com o desembargador, chegou a mandar mensagem por aplicativo a ele, mas até o momento não houve resposta. O espaço está aberto à manifestação. Da mesma forma, o portal tenta contato com a advogada e neta de Carlos da Silva Aguiar para ouvir a versão dela sobre os fatos, mas isso também ainda não foi possível. O espaço igualmente está à disposição.

No recurso ao desembargador, o advogado Rogério Lima afirma: “não se trata de um litígio recente, mas sim de uma situação consolidada pelo tempo, que demanda tratamento jurídico diferenciado. A urgência do despejo imposta sem audiência e sem contraditório demonstra a necessidade de intervenção do juízo para garantir um processo justo e equilibrado”.

E mais: ” despejo compulsório com força policial contra idosas cadeirantes afronta o princípio da dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais à moradia (art. 6º da CF) e ao envelhecimento digno (art. 230 da CF)”. Segundo o advogado, a solicitação de apoio policial para a fetivação do despejo é um “procedimento arbitrário e desnecessário, especialmente quando envolve idosas cadeirantes que residem no imóvel há 25 anos. O uso de força estatal contra pessoas vulneráveis viola princípios fundamentais e pode configurar abuso de autoridade”.

Questão humana sobrepõe-se à disputa judicial

Mais do que um litígio sobre aluguel, a situação expõe a vulnerabilidade social e a falha da máquina judiciária em proteger pessoas em risco. Uma das idosas tem quase 90 anos; a outra, debilitada por cirurgia, não consegue sequer se levantar da cama. Ambas não têm para onde ir.

A insistência no despejo, diante de indícios de falsificação documental e de evidente fragilidade humana, levanta uma questão de ordem moral e jurídica: até que ponto a Justiça pode ignorar o princípio da dignidade da pessoa humana para privilegiar a letra fria do processo?

Linha do tempo do processo:

12 de janeiro de 2021 – Ação de despejo por falta de pagamento é ajuizada em nome de Carlos da Silva Aguiar, já falecido, representado por sua neta, a advogada Luciana Cardoso Aguiar.

2023 – Perícia grafotécnica confirma que a assinatura apresentada na procuração não é de Carlos da Silva Aguiar.

2024 – Defesa das idosas pede suspensão do processo em razão da falsificação. Em decisão inicial, Justiça concede liminar para suspender a ação. Posteriormente, a juíza revoga a medida.

4 de agosto de 2025 – Sandra Regina, de 66 anos, é submetida a cirurgia de emergência na coluna. No mesmo período, Doralice, de 86 anos, é internada para tratamento pneumológico.

10 de agosto de 2025 – Defesa apresenta pedido de reconsideração da ordem de despejo, alegando nulidade da certidão e risco à vida das idosas.

31 de agosto de 2025 – Oficial de justiça informa que o despejo foi agendado para 8 de setembro, com apoio do Comando de Missões Especiais da PM.

6 de setembro de 2025 – Juíza Laílce Marron nega o pedido de reconsideração e mantém o despejo.

8 de setembro de 2025 – Data marcada para a desocupação compulsória do imóvel, mesmo sem definição do TJPA.

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