EXCLUSIVO – Negócio de R$ 2 bilhões da Agropalma no Pará vive impasse: conciliação ou guerra

 
Leia também nesta reportagem a entrevista do presidente do Iterpa, Bruno Kono, sobre o imbroglio que envolve o órgão estadual

Por trás da maior produtora de óleo de palma da América Latina, avaliada em mais de R$ 2 bilhões, há um impasse jurídico que inviabiliza qualquer negociação de venda. Segundo apuração exclusiva do portal Ver-o-Fato, a Agropalma, pertencente às cinco herdeiras do banqueiro Aloysio de Faria, ainda não conseguiu concretizar a transferência de controle porque sua situação fundiária permanece sem solução: grande parte da imensa área que ocupa em três municípios paraenses – Acará, Tailândia e Moju – não lhe pertence legalmente.

Dos 106 mil hectares utilizados pela companhia, mais de 60 mil são reivindicados pela tradicional família Tabarana, que detém os títulos legítimos dessas terras. Sem um entendimento com os Tabarana, nenhum comprador poderá regularizar o patrimônio fundiário da empresa, o que transforma a Agropalma em um ativo bilionário cercado por riscos jurídicos.

A Agropalma exporta 15% de sua produção, principalmente para a Europa e também para os Estados Unidos. Um grande número de traders, empresas oleoquímicas e FMCGs estão comprando da Agropalma, incluindo AAK, Bunge, Cargill, General Mills, Hershey, Mondelez, Nestlé, Unilever, Upfield, Kellogg’s e Grupo Bimbo. Em 2021, a parceria com a Ciranda (EUA) expandiu o fornecimento de óleo de palma orgânico para o mercado norte-americano. 

No campo jurídico, a situação é ainda mais delicada: a companhia é acusada pelo Ministério Público do Pará de grilagem de terras, além de figurar como ré em um processo na Justiça Federal por corrupção ativa e passiva, falsificação de documentos públicos e fraudes em cartório.

O Ministério Público Federal, em manifestação apresentada no mês passado, pediu a condenação de cartorários, enquanto a outra parte do processo em que a Agropalma e o Estado figuram como réus ainda está na fase de alegações finais.

Segundo documentação obtida pelo Ver-o-Fato, algumas fraudes beiram o grotesco, como o uso de cartório fantasma e o pagamento de propina a servidores cartorários para legitimar títulos falsos. Para especialistas ouvidos pela reportagem, a legislação é clara: nenhuma empresa privada pode vender aquilo que não lhe pertence ou que foi conquistado por meio de ilegalidades.

Resistência e chicanas judiciais

Diante das acusações, a Agropalma rejeita qualquer tentativa de conciliação com os Tabarana ou com o Ministério Público. A estratégia, segundo fontes próximas ao processo, é apostar na lentidão do Instituto de Terras do Pará (Iterpa) em reconhecer os direitos da família e recorrer a chicanas judiciais para tentar reverter batalhas já perdidas na Justiça.

O presidente do Iterpa, Bruno Kono, foi categórico ao ser questionado pelo Ver-o-Fato sobre uma possível legalização das terras em favor da Agropalma. Ele desmentiu qualquer tratativa ou anuência do órgão fundiário para favorecer a empresa em eventual venda ou regularização.

A voz dos Tabarana

A família Tabarana, por sua vez, preferiu não conceder entrevista. Limitou-se a afirmar que continuará lutando por seus direitos na Justiça e que nenhuma negociação com bancos ou grupos econômicos será realizada sem a anuência do verdadeiro proprietário das terras.

O Ver-o-Fato apurou que a família, apoiada na imensa documentação possui, como herdeira do patriarca Antônio Maia, poderá requerer a paralisação completa das atividades da Agropalma.

Por outro lado, a família reconhece a pretensão dos indígenas e quilombolas sobre parte das terras, como sempre a vontade do sr. Antonio Maia. Antes de morrer, ele determinou aos filhos que respeitasse os direitos dos quilombolas.

Esse fato gerou grande surpresa entre promotores do MP e da Defensoria Pública, pois em questão dessa natureza, que envolve herança, é comum lutar exclusivamente pelo direito da família, deixando de fora, no caso em parte das terras, outros direitos, sobretudo de quilombolas e indígenas que ocupam margens dos rios da região.

Caminhos para a solução

Diante do impasse, surgem poucas alternativas viáveis. A primeira seria a Agropalma reconhecer os direitos da família Tabarana, negociando uma saída que permita a continuidade das atividades econômicas, mas em bases legais. Isso nunca ocorreu, por iniciativa da Agropalma e na única reunião entre as partes, em São Paulo, não houve acordo.

Os Tabaranã saíram da reunião dizendo terem sofrido tentativa de humilhação, com uma proposta ridícula de indenização para que o impasse sobre a propriedade das terras fosse resolvido.

Outra possibilidade seria o Estado intervir diretamente, por meio do governador Helder Barbalho junto ao Iterpa, garantindo a prevalência da lei sobre títulos forjados. Se quiser, Helder pode fazer isso e tirar dos ombros do governo do estado essa carga pesada de uma briga entre particulares.

Enquanto isso, a incerteza permanece. Uma gigante do agronegócio, que gera milhares de empregos e movimenta a economia paraense, vê-se presa em um labirinto jurídico que revela um drama recorrente na Amazônia: a disputa por terras marcada por fraudes, lentidão estatal e resistência de quem se beneficia da ilegalidade.

Entrevista com o presidente do Iterpa, Bruno Kono

Presidente, circula a informação de que a Agropalma estaria sendo vendida para um banco, com anuência do Iterpa. Isso procede?

Não procede. Não há nenhuma autorização do Iterpa para a venda da empresa Agropalma. Inclusive porque isso não integra o conjunto das competências legais do órgão de terras estadual. Portanto, qualquer ato de negociação, se existente, consistirá em uma relação entre particulares, sob exclusivo exercício da autonomia de vontade e responsabilidade restritiva entre privados.

Caso seja verdade, como isso seria possível, considerando que a Agropalma é apontada como mera posseira, acusada de grilagem de terras?

Se houver alguma operação de venda, trata-se de relação entre privados, como dito acima, que, se concretizada, a adquirente assumirá também todos os ônus e responsabilidades da empresa adquirida, nas mesmas condições jurídicas. Não há regularização fundiária automática pela mera transferência de direitos e obrigações a terceiros.

O presidente do Iterpa, Bruno Kono

Sobre o processo administrativo nº 2019/25713, de 24/04/2019, que trata da ata de reunião para definição de quem teria o devido direito sobre as fazendas em disputa — documento assinado por representantes da Agropalma (Dr. Pietro), da família Tabaranã (Dr. Flávio Galvão) e do seu adjunto no Iterpa Flávio Ricardo — por que esse processo está há mais de cinco anos engavetado?

Não há o engavetamento do processo. O que coexiste ao objeto do aludido processo são pleitos de outras partes interessadas além da família Tabaranã, entre os quais de comunidades quilombolas e povos originários indígenas, para buscar soluções que encerrem o conflito, e com isso proceder o reconhecimento de direitos devidos. Isso requer o aprofundamento dos diálogos e a disponibilidade das partes. Essa via conciliatória em construção é fundamental, visto que, um dos requisitos legais para a regularização é a existência de posse mansa e pacífica. Portanto, a resolução de conflito é condição “sine qua non” para todas as partes.

Há uma lei estadual que veda totalmente a regularização fundiária em favor da Agropalma. Como o Iterpa justifica qualquer possibilidade de regularização diante de: uso de documentos falsos; utilização de títulos de terceiros para cobrir áreas hoje ocupadas; ausência de CCIR; certificações Incra/SIGEF canceladas por fraudes; denúncias da Polícia Federal e do MPF envolvendo cartórios e agrimensores, com provas documentais, cheques e depoimentos?

No conjunto de imóveis que formam a planta de produção e de reserva legal da empresa Agropalma existe outro grupo de áreas que não se enquadram na situação em questão, e estão sob a análise do Iterpa em processos administrativos próprios para a verificação do cumprimento dos requisitos legais, os quais o acesso está disponível ao público.

Como o Iterpa responde às dezenas de oposições apresentadas pela família Tabaranã, que seguem sem resposta, bem como às reivindicações de comunidades quilombolas e indígenas sobre as mesmas áreas?

Diante da situação complexa que envolve diversos atores envolvidos, o Iterpa entende que o caminho da conciliação é o mais adequado e eficiente para resolução desse conflito de décadas. Isso envolve o respeito ao tempo de cada parte, em especial das comunidades e da família Tabaranã, bem como as particularidades do interesse de cada um que se busca respeitar e conciliar para que novos conflitos não sejam instaurados. Acreditamos na eficiência dos instrumentos de mediação e conciliação para resolução desse conflito.

Qual a posição do Iterpa diante da decisão da desembargadora Luzia Nadja, que até hoje não foi cumprida? Nessa decisão foi anulado o inventário de Jairo Mendes Sales, E quanto à recomendação do Ministério Público, que atestou diversas fraudes e orientou o Iterpa a se abster de qualquer regularização fundiária em favor da Agropalma — recomendação da qual tanto o senhor quanto seu adjunto Flávio Ricardo tomaram ciência em depoimento prestado à Polícia Federal em 15/12/2020?

O Iterpa respeita e cumpre todas as decisões judiciais, bem como considera as recomendações do “Parquet” no cumprimento das suas funções institucionais. Nesse sentido, não procedeu qualquer regularização fundiária de áreas que estivessem sob o pálio da citada determinação do Poder Judiciário estadual.

The post EXCLUSIVO – Negócio de R$ 2 bilhões da Agropalma no Pará vive impasse: conciliação ou guerra appeared first on Ver-o-Fato.